Prática trabalhista

Vacinação compulsória e a justa causa trabalhista

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

29 de julho de 2021, 8h44

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região foi provocado, pela primeira vez, a emitir um juízo de valor quanto à dispensa por justa causa, no caso de recusa do empregado em se vacinar[1].

Neste caso, uma ex-funcionária ingressou com uma ação trabalhista pleiteando a reversão da justa causa que lhe havia sido aplicada, aduzindo que o fato de ter se recusado a tomar a vacina não justificava a sua dispensa nessa modalidade.

O Primeiro Grau de Jurisdição entendeu por bem não acolher o pedido da autora, sendo a decisão mantida pelo TRT/SP da 2ª Região.

Não há dúvidas que, de fato, trata-se de um assunto sensível e polêmico. Frisa-se, por oportuno, que o empregador tem deveres perante os seus trabalhadores, e, dentre eles, manter um ambiente de trabalho saudável, notadamente em tempos de pandemia.

Segundo nos ensina Guilherme Guimarães Feliciano e Paulo Roberto Lemgruber Ebert[2], "e como corolário do direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado, a Constituição Federal consagrou, no seu artigo 7º, XXII, o direito social jusfundamental à "redução dos riscos inerentes ao trabalho", que: a) realiza no plano laboral o princípio jurídico-ambiental da melhoria contínua ou do risco mínimo regressivo; b) é titularizado por todos os trabalhadores, sejam ou não subordinados; e c) traduz-se, para os empresários, nos deveres de antecipação, de planejamento e de prevenção dos riscos labor-ambientais".

Dito isso, impende frisar que o Supremo Tribunal Federal, ao fixar a Tese de Repercussão Geral no ARE 1267879[3], entendeu ser constitucional a imposição da imunização por meio da vacinação.

Já no julgamento das ADIs 6586 e 6587[4], a Suprema Corte fixou a tese de que vacinação compulsória não quer dizer vacinação forçada. Entretanto, a recusa injustificada poderia trazer algumas consequências.

Observa-se, portanto, que o entendimento do Poder Judiciário caminha no sentido de que opções individuais não podem afrontar o direito de terceiros. Se é verdade que o Estado tem o dever de preservar a vida e a saúde das pessoas, de igual relevância as empresas necessitam contribuir para um ambiente de trabalho seguro, assim como os empregados não podem desrespeitar os direitos de outrem.

Entrementes, vale dizer que a exigência de vacinação compulsória não é novidade, sendo exigida em determinadas situações, tais como: concursos públicos, alistamento militar e viagens internacionais.

Aliás, em São Paulo, no dia 17 de março de 2020, foi sancionada a Lei 17.252, que dispõe ser obrigatória a apresentação da carteira de vacinação, devidamente atualizada, dos alunos de até 18 anos de idade, no ato da matrícula, em todas as escolas das redes pública e particular, que proporcionem educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

Indubitavelmente, se o empregador não cumprir com as normas de saúde e segurança, a ponto de colocar em risco a integridade de seus colaboradores, nos parece ser incontroverso e perfeitamente cabível a rescisão indireta do contrato, que nada mais é que a justa causa patronal.

Lado outro, uma vez fornecido todos os equipamentos de proteção necessários, e, ainda assim, caso não sejam utilizados pelo empregado, a recusa injustificada poderá ensejar a sua dispensa por justa causa, vez que que tais aparatos visam proteger os demais empregados.

É certo que o empregador tem responsabilidade pelas questões de saúde ocupacional, assim como pelas demais particularidades atinentes ao ambiente de trabalho, sendo a vacinação uma das formas de erradicar a doença, e, por conseguinte, tutelar a vida de todos os trabalhadores.

Portanto, uma vez comprovado que o empregador empreendeu esforços para conscientização da importância da vacinação, não haveria que se falar em desrespeito às normas de saúde e segurança, diferentemente do caso do empregado que, mesmo após todas essas medidas, se recuse, sem justificativa, a se vacinar.

De mais a mais, em que pese os direitos e garantias individuais serem assegurados pela Constituição Federal de 1988, verifica-se que a vacinação compulsória se trata de uma política de saúde pública que transcende os interesses particulares.

Nesse ensejo, estaremos diante da dicotomia direito/dever do trabalhador, pois, se, por um lado, o trabalhador deve ter respeitado os seus direitos individuais assegurados pela Lei Maior; lado outro, e com idêntico valor, o interesse da coletividade prevalece sobre o individual, cabendo a todos colaborar para o enfrentamento da crise sanitária.

Destaca-se, ainda, que o Código Penal dispõe sobre crimes contra a saúde pública, de modo que o artigo 268[5] prevê pena de detenção no caso de afronta as medidas sanitárias.

Dessarte, é cediço que neste momento é preciso agir com razoabilidade e ponderação, afinal a vacinação compulsória visa a proteção de toda a sociedade, uma vez que o seu objetivo é extirpar a doença, como já aconteceu em outras situações semelhantes no passado.

Logo, com base nos artigos 157[6] e 158[7] da CLT, constatada que a vacinação foi autorizada para determinado grupo ou faixa etária, o empregador poderá exigir do seu empregado a vacinação, desde que não exista nenhuma justificativa para recusa.

Em sentido contrário, para que seja considerado motivada esta recusa do empregado, se faz necessária uma comprovação que, por exemplo, poderá ser feita através de um laudo ou relatório médico atestando pelo impedimento da vacinação.

Em arremate, por óbvio que inúmeras situações não estão disciplinadas no nosso sistema jurídico, até mesmo porque se trata de um cenário totalmente atípico e nunca pensando antes. E por isso que o momento atual exige não somente uma análise pura e simples da lei, mas, principalmente, que exista razoabilidade, equilíbrio e união para atravessarmos esta fase da maneira menos trágica possível.


[1] TRT da 2ª Região; Processo: 1000122-24.2021.5.02.0472; Data: 19-07-2021; Órgão Julgador: 13ª Turma – Cadeira 5 – 13ª Turma; Relator(a): ROBERTO BARROS DA SILVA

[3] “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”

[4] (I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.  (II) Tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.

[5] Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa. Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

[6] Art. 157 – Cabe às empresas: I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.

[7] Art. 158 – Cabe aos empregados: I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; Il – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo. Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada: a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior; b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador Acadêmico do projeto “Prática Trabalhista” (Revista Consultor Jurídico - ConJur), palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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