direto do carf

Juntada de documentos, preclusão e busca da verdade da material na visão do Carf

Autores

  • Edeli Pereira Bessa

    é conselheira presidente da 1ª Câmara da 1ª Seção do Carf membro da 1ª Turma da CSRF auditora fiscal da Receita Federal e especialista em Direito Tributário e Direito Constitucional.

  • Fernando Brasil de Oliveira Pinto

    é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais auditor fiscal da Receita Federal e professor em cursos de especialização na Unisinos Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo).

24 de fevereiro de 2021, 8h00

Na coluna de 20/3/2019 [1], abordamos o panorama jurisprudencial sobre o entendimento então vigente no Carf no que diz respeito ao prazo máximo para apresentação de provas documentais nos processos administrativo-fiscais federais.

Spacca
Hoje revisitaremos o tema, enfocando decisões mais recentes no âmbito da 1ª Turma da CSRF.

O contencioso administrativo fiscal federal possui regramento próprio para admissibilidade de alegações e provas, nos termos dos artigos 16 e 17 do Decreto nº 70.235/72 [2].

É lugar comum afirmar que o processo administrativo fiscal é regido pelo princípio do formalismo moderado, que se presta ao controle da legalidade dos atos administrativos e que ao sujeito passivo sempre restará a possibilidade de submeter suas alegações ao Poder Judiciário. Assim, limitar a apreciação de provas e alegações conduziria a uma judicialização desnecessária, operando contra a redução da litigância fiscal e gerando sucumbência desnecessária em desfavor do Estado.

Contudo, não se pode olvidar que o Decreto nº 70.235/72 tem status de lei e, por inovação da Lei nº 11.941/2009, traz expresso em seu artigo 26-A a vedação aos órgãos de julgamento de "afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade". Dessa forma, há limites a observar na definição do alcance de dispositivos legais mediante aplicação de princípios constitucionais. A interpretação não pode suprimir, na integralidade, a eficácia da determinação legal.

Outro aspecto a ser considerado é que o processo administrativo fiscal não se presta, apenas, ao exercício do direito de defesa dos sujeitos passivos. Há, também, o interesse da Fazenda Nacional em assegurar o crédito tributário, do que decorre a vigilância da PGFN em relação às decisões do Carf, no sentido de que os órgãos administrativos de julgamento se conduzam em conformidade com a lei. E, no caso, não só com a lei que rege o processo administrativo fiscal federal, mas também com diversos outros dispositivos esparsos na legislação material que atribuem consequências para a falta de colaboração do sujeito passivo durante o procedimento fiscal, estabelecendo presunções por não comprovação de fatos que estão ao seu alcance [3], além do arbitramento de lucros e penalidades por condutas recalcitrantes, mediante exclusão de espontaneidade, agravamento de multas de ofício ou fixação de penalidades específicas por descumprimento de obrigações acessórias.

Acrescente-se, ainda, a aplicação do Decreto nº 70.235/72 a diversas espécies de contencioso administrativo, originadas de acusações fiscais ou de pleitos dos sujeitos passivos, como pode ser ilustrado a partir das referências do Decreto nº 7.574/2011, editado para regulamentar o processo administrativo fiscal, a processos de "determinação e exigência de créditos tributários", de "reconhecimento de direito creditório", de "suspensão da imunidade e de isenção", ou referente a "pedido de revisão de ordem de emissão de incentivos fiscais".

É neste cenário que as turmas da CSRF do Carf são frequentemente chamadas a se manifestar, por provocação dos sujeitos passivos e da Fazenda Nacional, solucionando dissídios jurisprudenciais acerca do ônus e do momento da produção de provas e alegações, em razão das distintas posturas adotadas pelos colegiados do Carf na interpretação daquelas normas. Alguns aspectos com repercussões materiais, inclusive, já estão sumulados:

— Não se admite a discussão administrativa de matéria já submetida à apreciação judicial (Súmula Carf nº 1);

— É do Fisco o ônus de demonstrar os débitos que motivam exclusão do Simples Federal (Súmula Carf nº 22);

— É ineficaz a declaração apresentada depois do início do procedimento fiscal (Súmula Carf nº 33);

— Cabe ao sujeito passivo provar que postergou pagamento de tributo em razão da inobservância do limite de compensação de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL (Súmula Carf nº 36);

— A prova de regularidade para fins de deferimento do pedido de revisão de ordem de incentivos fiscais (Perc) pode ser feita a qualquer momento do processo administrativo (Súmula Carf nº 37);

— A apresentação posterior de livros e documentos, que não foram exibidos após regular intimação, não invalida o arbitramento dos lucros (Súmula Carf nº 59);

— A falta de apresentação de livros e documentos que enseja o arbitramento dos lucros não pode também motivar o agravamento da penalidade (Súmula Carf nº 96);

— A falta de atendimento a intimação que resulta em presunção de omissão de receitas ou rendimentos não pode também motivar o agravamento da penalidade (Súmula Carf nº 133);

— O Fisco deve provar o exercício de atividade vedada para exclusão do Simples Federal (Súmula Carf nº 134); e

— O comprovante de retenção não é a única prova admissível para dedução de imposto de renda retido na fonte (Súmula Carf nº 143).

Especificamente na 1ª Turma da CSRF está relativamente pacificada a possibilidade de o sujeito passivo juntar novas provas em recurso voluntário para se contrapor a objeções postas em decisão de primeira instância, sob a compreensão de que o artigo 16, §4º, alínea "c" do Decreto nº 70.235/72 assim autoriza, por tal inovação representar contraposição a "fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos", ainda que não fundamentada sua conduta especificamente nesta disposição legal, como, por exemplo, decidido no Acórdão nº 9101-003.927 [4].

Há maior discussão quanto à admissibilidade desta conduta quando ela se efetiva por juntada de documentos depois da interposição do recurso voluntário. Casos limítrofes bem demonstram a dificuldade de interpretação da legislação neste ponto. Neste sentido, no Acórdão nº 9101-004.563 [5] analisou-se litígio frente à verificação de direito creditório iniciada quatro anos depois da apresentação da DCOMP, concluída em dois meses com glosa de despesas e exclusões, e expirando o prazo para recurso voluntário em seis meses do despacho decisório, mas com pedido de prova pericial nas defesas e apresentação de laudo pericial antes da inclusão do recurso voluntário em pauta para julgamento. Enquanto a Turma Ordinária negou a apreciação do laudo porque juntado quatro anos depois da interposição do recurso voluntário, no exame do recurso especial a 1ª Turma da CSRF concluiu que "considera-se legítima a juntada de provas após a apresentação de recurso voluntário, diante da complexidade da prova do crédito, do rápido trâmite do processo administrativo e dos pedidos de perícia formulados ao longo do processo". Por sua vez, diante de provas documentais trazidas apenas 15 anos depois das intimações feitas em procedimento fiscal, e cerca de oito anos depois da interposição do recurso voluntário, no Acórdão nº 9101-005.190 [6] confirmou-se a negativa de conhecimento destas provas.

Em outro caso no qual as provas foram juntadas tardiamente — mediante anexação de memoriais, às vésperas da sessão de julgamento, e com reforço em sede de sustentação oral (Acórdão nº 9101-002.890 [7]) —, em razão da preclusão foi dado provimento ao recurso da Fazenda Nacional para anular a decisão da Turma Ordinária que havia acolhido as referidas provas e determinou-se o retorno dos autos àquele colegiado para que fosse proferida nova decisão, desconsiderando-se os citados documentos.

Importante distinguir os litígios nos quais a inovação não diz respeito a provas, mas sim a alegações, dadas as diferentes interpretações acerca do significado de "matéria" na expressão do artigo 17 do Decreto nº 70.235/72. Há decisões antigas da 1ª Turma da CSRF negando a preclusão de argumentos (Acórdão nº 9101-00.514 [8], por exemplo).

No âmbito de lançamentos tributários contemplando mais de uma infração, há relativo consenso que cada infração representa uma matéria, e que, para assegurar um conteúdo mínimo ao artigo 17 do Decreto nº 70.235/72, não seria possível discutir em sede de recurso voluntário infração não previamente impugnada, até porque a autoridade tributária tem o dever, na forma do artigo 21, §1º, do Decreto nº 70.235/72, de apartar o crédito tributário não impugnado para cobrança.

Contudo, determinar a matéria impugnada em razão da autonomia do crédito tributário para cobrança suscita teses como a do voto vencido no Acórdão nº 9101-005.261 [9], que afasta a possibilidade de preclusão no âmbito de processos de reconhecimento de direito creditório.

A imprecisão da definição a partir deste parâmetro acabou por suscitar, recentemente, ampliação deste debate, afirmando-se como matéria impugnada aquela cujo fundamento de exigência é confrontado por motivos de fato e de direito deduzidos pelo sujeito passivo em impugnação. Tratava-se, no Acórdão nº 9101-005.300 [10],de qualificação da penalidade exigida mediante motivação específica no lançamento, acerca da qual o sujeito passivo nada disse em impugnação, mas apenas em recurso voluntário, e cuja apreciação resultou em sua exoneração. A 1ª Turma da CSRF, por maioria de votos, entendeu que se tratava de matéria não impugnada e, na forma do artigo 17 do Decreto nº 70.235/72, excluída da competência dos órgãos administrativos de julgamento, ainda que o crédito tributário correspondente estivesse com exigibilidade suspensa em decorrência da discussão estabelecida acerca do principal exigido.

Já no Acórdão nº 9101-004.599 [11], outra vertente foi alvo de análise por parte do colegiado: embora as provas constassem nos autos desde a impugnação, no caso concreto, o argumento jurídico somente foi melhor explicitado em recurso voluntário, levando a 1ª Turma da CSRF a concluir que "a legislação de regência do processo administrativo fiscal não veda a apresentação, em recurso voluntário, de novas razões de direito vinculadas a prova documental juntada em manifestação de inconformidade. A tardia argumentação somente retira do sujeito passivo o direito de ter sua defesa apreciada, também, pela autoridade julgadora de primeira instância".

No Acórdão nº 9101-004.789 [12], por sua vez, citando o artigo 145 do CTN e as hipóteses de alteração do lançamento [13], entendeu-se que a "única matéria veiculada em impugnação ou manifestação de inconformidade intempestiva passível de apreciação no contencioso administrativo especializado é a tempestividade suscitada em preliminar" sendo passível de anulação, com base no artigo 59, inciso II, do Decreto nº 70.235/72 [14] eventual decisão em sede de acórdão de recurso voluntário que apreciasse o mérito da exigência, porque proferida por autoridade incompetente. Por fim, quanto à irresignação do sujeito passivo, entendeu-se por bem reportá-las à autoridade competente para apreciá-las e que, na ausência de contestação em conformidade com os requisitos do Decreto nº 70.235/72, seria a autoridade administrativa na forma do artigo 145, III, do CTN, qual seja, em sede de revisão de ofício a ser realizada pela unidade de origem da Receita Federal.

Sob outro enfoque, em muitos feitos, a PGFN questiona o exame de provas, de forma inaugural, em sede de recurso voluntário, arguindo que esse desiderato feriria o direito à dupla instância na apreciação de provas contra a exigência de crédito tributário, em desfavor da Fazenda Nacional. Examinando esse argumento, o Acórdão nº 9101-004.568 [15] rejeitou esta pretensão fazendária, concluindo-se que "não há óbice para apreciação, pela autoridade julgadora de segunda instância, de provas trazidas apenas em recurso voluntário, mas que estejam no contexto da discussão de matéria em litígio, sem trazer inovação", aduzindo-se que o próprio Decreto nº 70.235/72 já minimiza aquele direito na hipótese de o sujeito passivo juntar provas aos autos depois da impugnação e a decisão de primeira instância já tiver sido proferida. Em tais circunstâncias, seu artigo 16, §6º determina que "caso já tenha sido proferida a decisão, os documentos apresentados permanecerão nos autos para, se for interposto recurso, serem apreciados pela autoridade julgadora de segunda instância".

Conforme se observa, embora a 1ª Turma da CSRF não venha admitindo a apreciação de provas juntadas em qualquer momento processual, na dialética processual, esse colegiado tem permitido ao sujeito passivo que não compreenda, inicialmente, a prova que lhe é demandada, apresentá-la depois da análise da questão em primeira instância, valendo-se do artigo 16, §4º, alínea "c" do Decreto nº 70.235/72, e até mesmo depois do recurso voluntário, agregando a esta juntada a demonstração de impossibilidade de sua apresentação oportuna, na forma do artigo 16, §4º, alínea "a" do mesmo decreto. Nesse contexto, desde que previamente impugnadas as matérias com fundamento autônomo consignadas na exigência inicial, as decisões vêm indicando que nada impediria o sujeito passivo de agregar novos argumentos em recurso voluntário, ou mesmo depois, nesse último caso, desde que referentes a fato ou a direito superveniente, conforme o mesmo §4º do artigo 16, em sua alínea "b"

PS: Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[3] Como, por exemplo, a presunção de omissão de receitas a partir de depósitos bancários de origem não comprovada e por pagamento a beneficiário não identificado e/ou sem causa.

[4] Relator conselheiro André Mendes de Moura, julgado na sessão de 04/12/2018.

[5] Relatora conselheira Cristina Silva Costa, julgado na sessão de 03/12/2019.

[6] Relatora conselheira Edeli Pereira Bessa, julgado na sessão de 09/11/2020.

[7] Relatora conselheira Adriana Gomes Rêgo, julgado na sessão de 07/6/2017.

[8] Relator conselheiro Antonio Carlos Guidoni Filho, julgado na sessão de 26/1/2010.

[9] Relator conselheiro Caio Cesar Nader Quintella e redatora do voto vencedor conselheira Andréa Duek Simantob, julgado na sessão de 01/12/2020.

[10] Relatora conselheira Andréa Duek Simantob, julgado na sessão de 12/1/2021.

[11] Redatora do voto vencedor conselheira Edeli Pereira Bessa, julgado na sessão de 05/12/2019.

[12] Relatora conselheira Edeli Pereira Bessa, julgado na sessão de 06/2/2020.

[13] "Artigo 145 — O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:
I. impugnação do sujeito passivo;
II. recurso de ofício;
III. iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149"
.

[14] "Artigo 59 — São nulos:
[…]
II. os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa"
.

[15] Relatora conselheira Edeli Pereira Bessa, julgado na sessão de 03/12/2019.

Autores

  • Conselheira Presidente da 1ª Câmara da 1ª Seção do Carf, membro da 1ª Turma da CSRF, auditora fiscal da Receita Federal, especialista em Direito Tributário e Direito Constitucional e bacharel em Ciências Contábeis e em Direito.

  • é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!