Direto do Carf

Carf busca definir prazo máximo para apresentação de provas documentais

Autor

  • Fernando Brasil de Oliveira Pinto

    é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais auditor fiscal da Receita Federal e professor em cursos de especialização na Unisinos Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo).

20 de março de 2019, 8h05

Spacca
No processo administrativo fiscal, a produção e apresentação de provas, e, em especial, o limite temporal para tanto, é alvo de discussões em razão das limitações trazidas no parágrafo 4º do artigo 16 do Decreto 70.235/72[1].

Trataremos nesta semana sobre a preclusão na apresentação de provas no âmbito do processo administrativo fiscal sob o ponto de vista da atual jurisprudência do Carf em todas as suas seções de julgamento.

Antes da análise das decisões sobre o tema, faz-se necessário uma breve revisita às normas que tratam sobre o tema.

Conforme se observa, segundo o Decreto 70.235/72, em regra, a prova documental deverá ser apresentada na impugnação, sob pena de preclusão. Excepcionalmente, admite-se a sua apresentação em outro momento processual desde que reste demonstrada sua impossibilidade por motivo de força maior, caso se refira a fato ou direito superveniente ou, por fim, se essa prova se destinar a contrapor fatos ou razões trazidas aos autos posteriormente.

Por outro lado, a Lei 9.784/99[2] determina que a administração pública obedecerá, entre outros, aos princípios da ampla defesa e do contraditório (caput do artigo 2º), e que o interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo, somente podendo ser recusadas as provas quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias (artigo 38).

Pois bem, o Acórdão 9101-002.781, julgado na sessão de 6 de abril de 2017, tratava de um caso em que a decisão de primeira instância havia julgado parcialmente procedente a impugnação apresentada (glosas de despesas), tendo o contribuinte interposto recurso voluntário e anexado novos documentos para comprovação da regularidade das despesas glosadas. No julgamento do recurso voluntário (Acórdão 1202-000.743), entendeu-se ter ocorrido preclusão em relação à apresentação de novas provas, sendo que, sua admissão, naquele momento processual, configuraria supressão de instância, concluindo que não teria ocorrido nenhum dos motivos excepcionais previstos no artigo 16 do Decreto 70.235/72 que justificassem sua admissão. Apresentado recurso especial, a 1ª Turma da CSRF, por maioria de votos, deu provimento ao recurso do contribuinte com base no disposto na Lei 9.784/99, asseverando que os processos administrativos, portanto, devem atender ao princípio da formalidade moderada, com a adequação entre meios e fins, assegurando-se aos contribuintes a produção de provas e, principalmente, resguardando-se o cumprimento à estrita legalidade, para que só sejam mantidos lançamentos tributários que efetivamente atendam à exigência legal, e concluindo que seria possível a juntada de documentos posteriormente à apresentação de impugnação administrativa, em observância ao princípio da formalidade moderada e ao artigo 38, da Lei 9.784/99[3].

Já no Acórdão 9101-002.774, julgado na mesma sessão do paradigma anterior, a 1ª Turma, por voto de qualidade, reformou a decisão da turma ordinária que havia convertido o julgamento em diligência para análise de prova documental apresentada na sessão de julgamento, concluindo que não houve a demonstração, pelo contribuinte, de qualquer uma das exceções previstas nas alíneas do parágrafo 4º do artigo 16 do Decreto 70.235/72.

No Acórdão 9101-002.871 (sessão de 6 de junho de 2017), novamente a 1ª Turma da CSRF, por maioria de votos, acatou a apresentação de novos documentos em sede de recurso voluntário, reformando parcialmente a decisão da turma ordinária e determinando o retorno dos autos àquela instância de julgamento para que nova decisão fosse proferida analisando a documentação apresentada.

No dia seguinte, essa mesma turma julgadora, no Acórdão 9101-002.890, por voto de qualidade, deu provimento ao recurso da Fazenda Nacional anulando a decisão da turma ordinária e determinando o retorno dos autos àquele colegiado para que fosse proferida nova decisão considerando preclusa a prova apresentada por ocasião da sustentação oral (e memoriais).

Essa mesma linha de decisões vem se mantendo inalterada na 1ª Turma da CSRF até o momento, ou seja, vem se consolidando o entendimento de que os documentos apresentados no recurso voluntário devem ser apreciados pelas turmas ordinárias, contudo, após essa etapa processual, novos documentos somente têm sido admitidos se comprovada ao menos uma das exceções previstas no Decreto 70.235/72.

No âmbito da 3ª Turma da CSRF, o entendimento firmado também flexibiliza o disposto no artigo 16 do Decreto 70.235/72.

No Acórdão 9303-007.555 (sessão de 18 de outubro de 2018), citando precedente do mesmo colegiado (Acórdão 9303-004.408), por maioria de votos o colegiado firmou o entendimento de que o artigo 38 da Lei 9.784/99 flexibilizou o rigor do artigo 16 do Decreto 70.235/72, permitindo que requerimentos probatórios possam ser feitos até a tomada de decisão administrativa, citando também a possibilidade de revisão de ato ilegal pela administração mesmo quando não tenha sido conhecido o recurso (artigo 63, parágrafo 2º, da Lei 9.784/99) e a possibilidade de revisão, a qualquer tempo, dos processos administrativos que resultem em sanções quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. No caso concreto, contudo, no mérito não houve reforma da decisão da turma ordinária por entenderem que no recurso voluntário foram anexados tão somente dados esparsos, sem conexão com o detalhamento da autuação.

Com essa mesma linha de raciocínio, no Acórdão 9303-007.855 (sessão de 22 de janeiro de 2019), por maioria de votos, concluiu a 3ª Turma da CSRF que se admite a relativização do princípio da preclusão, tendo em vista que, por força do princípio da verdade material, podem ser analisados documentos e provas trazidos aos autos posteriormente ao julgamento em primeira instância, ainda mais quando esses comprovam inequivocamente a certeza e liquidez do direito creditório pleiteado. Além da flexibilização das limitações trazidas no artigo 16 do Decreto 70.235/72 — em razão do disposto na Lei 9.784/99 —, entendeu-se que as provas apresentadas no recurso voluntário (notas fiscais e lançamentos escriturados no livro razão) não demandariam novas discussões no âmbito do recurso voluntário, apenas complementando o que já fora trazido em sede de manifestação de inconformidade.

Já no âmbito da 2ª Seção de Julgamento, o cenário é bastante distinto: a preclusão tal qual prevista no artigo 16 do Decreto 70.235/72 tem prevalecido sem quaisquer influências da Lei 9.784/99 ou outros princípios que são levados em consideração nas demais seções de julgamento.

Decidiu-se, por exemplo, no Acórdão 2202-004.937 (sessão de 12 de fevereiro de 2019), que as provas devem ser apresentadas no momento de apresentação da impugnação, sob pena de preclusão, sendo o entendimento unânime no colegiado.

De igual forma, no Acórdão 2402-006.908 (sessão de 18 de janeiro de 2019), por unanimidade de votos, a turma fixou o entendimento de que a impugnação deve ser instruída com os documentos em que se fundamentar (artigo 15 do Decreto 70.235/72) e a prova documental deve ser apresentada no momento da impugnação, não sendo possível fazê-lo em outro momento processual.

Conforme se observa, a 1ª e a 3ª turmas da CSRF têm proferido inúmeras decisões que reconhecem a possibilidade de apresentação de provas documentais após o manejo da impugnação, flexibilizando os efeitos da preclusão previstos no parágrafo 4º do artigo 16 do Decreto 70.235/72.

Contudo, a 1ª Turma da CSRF tem se manifestado no sentido de que se as provas não forem apresentadas, no máximo, no momento da interposição do recurso voluntário, em regra não mais serão admitidas, exceto nas hipóteses excepcionais previstas no próprio artigo 16 do Decreto 70.235/72.

Já a 3ª Turma da CSRF, embora também reconheça a possibilidade de as provas documentais serem juntadas aos autos após a impugnação, em suas decisões tem levado em consideração se na impugnação ao menos já havia elementos probatórios, ainda que insuficientes, versando sobre os mesmos fatos a que se referem as supostas provas carreadas ao processo no recurso voluntário.

Por outro lado, no âmbito da 2ª Seção de Julgamento, embora não tenhamos identificado precedentes da 2ª Turma da CSRF sobre a matéria, as decisões das turmas ordinárias têm levado ao extremo o disposto no parágrafo 4º do artigo 16 do Decreto 70.235/72, não admitindo, fora das exceções legais, a apresentação de provas documentais depois de já impugnada a exigência.

Vê-se, assim, que embora o tema tratado conste da redação original do Decreto 70.235/72, ainda hoje as decisões das três seções do Carf divergem sobre o momento da preclusão na apresentação de provas no âmbito do processo administrativo fiscal, podendo-se concluir, ao menos, que afora as exceções previstas no artigo 16 do referido decreto, se houver a apresentação de provas documentais após a interposição de recurso voluntário, no cenário atual, tais elementos probatórios não serão admitidos no âmbito do Carf.


[1] Art. 16. A impugnação mencionará:
[…]
§4º A prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro momento processual, a menos que:
a) fique demonstrada a impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força maior;
b) refira-se a fato ou a direito superveniente;
c) destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos.
[2] Essa lei disciplina o processo administrativo em âmbito federal, e, nos termos de seu artigo 69, deve ser aplicada subsidiariamente às legislações específicas.
[3] Possibilidade de juntada de provas antes da tomada de decisão.

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    é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.

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