Denúncia recebida

Embargos de declaração mudam prescrição mesmo se rejeitados, diz STJ

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18 de dezembro de 2021, 15h15

A contagem de tempo para o Estado punir um criminoso vale a partir de quando a denúncia é recebida. Se essa decisão for alvo de embargos de declaração, é a data de julgamento desse recurso que deve ser considerada para a prescrição, mesmo que eles sejam rejeitados.

Rafael Luz
Ministro Benedito Gonçalves afastou prescrição com base no caráter integrativo do acórdão de embargos de declaração
Rafael Luz

Esse foi o entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça na manhã desta quarta-feira (15/12), ao apreciar ação penal oferecida contra Luis Cesar de Paula Espíndola, desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná.

O magistrado, que foi denunciado por lesão corporal contra as próprias irmãs e mãe, foi absolvido pela Corte Especial a pedido do Ministério Público Federal por absoluta falta de provas. Antes, no entanto, o colegiado precisou avaliar se a pretensão punitiva contra ele já estava prescrita.

Os fatos datam de 2016 e preveem pena máxima de um ano de reclusão. Assim, o prazo prescricional aplicável é de quatro anos, contados a partir do recebimento da denúncia, conforme o parágrafo 1º do artigo 110 do Código Penal.

A denúncia foi recebida pela Corte Especial em 29 de novembro de 2017, com acórdão publicado em 5 de dezembro de 2017. Se considerada essa data, a pretensão punitiva estaria prescrita.

Contra o recebimento da denúncia, a defesa interpôs embargos de declaração, julgados em 21 de março de 2018, com acórdão publicado em 4 de abril do mesmo ano. Se considerada essa data, a prescrição só se daria em 2022.

Relator, o ministro Benedito Gonçalves adotou a segunda opção. Citou doutrina segundo a qual a decisão que julga embargos de declaração passa a incorporar sentença ou o acórdão, formando com ele um conjunto incindível. Assim, antes dos embargos, não há decisão integral apta a produzir efeitos.

Logo, não transcorreu o prazo prescricional de quatro anos entre a data de publicação dos embargos de declaração, que foram rejeitados, e a do julgamento do mérito da ação penal.

Revisor do processo, o ministro Raul Araújo concordou e apontou que os embargos de declaração, independentemente do resultado que tiverem, sempre irão postergar a complementação do acórdão embargado.

"O entendimento de que não haveria interrupção da prescrição no caso de rejeição dos embargos levaria sempre ao interesse da defesa de interpor embargos de declaração contra qualquer decisão de recebimento de denúncia, porque obteria a postergação do inicio da instrução processual e, com isso, ensejaria uma prescrição futura", explicou.

Essa posição se sagrou vencedora e foi acompanhada pelos ministros Nancy Andrighi, Jorge Mussi, Herman Benjamin, Maria Thereza de Assis Moura, Laurita Vaz, Isabel Gallotti, Paulo de Tarso Sanseverino e João Otávio de Noronha.

Lucas Pricken
Ministro Salomão divergiu: prescrição só muda com embargos de declaração se forem acolhidos e, de fato, integrarem acórdão
Lucas Pricken

Divergência e impacto
Abriu a divergência o ministro Luis Felipe Salomão, que destacou a importância da discussão e o impacto dela no tribunal, visto que não havia precedentes sobre o tema na Corte Especial até então.

Segundo ele, sempre que o próprio STJ ou o Supremo Tribunal Federal entenderam que os embargos de declaração alteram o prazo prescricional, é porque eles foram acolhidos, efetivamente esclarecendo, integrando ou até alterando o acórdão embargado.

"Aqui, os embargos de declaração foram rejeitados. Portanto, com a devida vênia, com base na jurisprudência da casa, do Supremo Tribunal Federal e da boa doutrina, eu penso que aqui ocorreu a prescrição, dado que o julgamento dos embargos pouco importa para a definição da prescrição, uma vez que foram rejeitados", concluiu.

Somente o ministro Mauro Campbell acompanhou a divergência. Para a corrente vencedora, um aspecto prático da ação penal acabou pesando, também, na definição: o fato de o Ministério Público Federal pedir a absolvição do desembargador réu.

"Para o réu, é muito mais vantajosa a decisão de mérito. O Ministério Público sabe que não foi produzida prova. Por que insistir se os embargos vão ou não suspender o prazo prescricional, se podemos declarar a inocência do acusado?", indagou a ministra Maria Thereza de Assis Moura.

"Na espécie, sabedor que não foi colhida nenhuma prova no contraditório, a absolvição é um consectário dessa ação penal. É mais favorável ao réu o julgamento de mérito", concordou o ministro Jorge Mussi.

O ministro Herman Benjamin ainda acrescentou que o Brasil caminha, tanto na seara civil quanto no processo penal, na direção de impedir que recursos tenham o condão de, pela procrastinação, impedir a persecução penal e eventualmente a punição de ilícitos.

O ministro Mauro Campbell tratou do tema ao divergir. Disse que cabe ao juiz, na condução do processo, exercer o controle jurisdicional para evitar que a prescrição ocorra por manobras procrastinatórias das defesas, "sem submeter a nenhuma restrição constitucional a quem quer que seja".

APn 878

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