Deixa como está

Para evitar judicialização, STJ mantém estelionato judicial como conduta atípica

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25 de agosto de 2021, 18h50

Por maioria de votos, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça afastou, nesta quarta-feira (25/8), uma proposta de revisão da jurisprudência pacífica da corte segundo a qual é atípica a conduta do chamado estelionato judiciário (ou judicial).

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Acusada falsificou declaração de endereço para pedir na Justiça Federal do PR algo que a Justiça Federal do DF já havia negado

Essa prática consiste no uso de documentos particulares com informações inconsistentes, não condizentes com a realidade. A figura do estelionato judiciário não existe no ordenamento jurídico, mas foi assim chamada pela praxe jurídica.

Sua ocorrência configuraria, em teoria, os crimes dos artigos 299 (falsidade ideológica) e 304 (uso de documento falso) do Código Penal, mas sua aplicação vem sendo há muito descartada pelo Judiciário, tendo em vista o Direito Penal como a última ratio (último recurso).

Nesta quarta-feira, o ministro Rogerio Schietti propôs, em voto divergente, que esse entendimento fosse superado para os casos em que se identifique que o uso de documentação falsa foi intencional para induzir o juízo a erro e obter vantagens.

O caso trata de uma médica baiana que ajuizou ação visando obter liminar para permitir o exercício da medicina, mas teve o pedido negado pela Justiça Federal do Distrito Federal. Depois, ajuizou a mesma demanda na Justiça Federal do Paraná. Para isso, falsificou declaração de endereço, indicando que residia em Foz do Iguaçu.

“Quando se usa de documento falso para obter vantagem em juízo a partir da mudança de competência não simplesmente por isso, mas para obviar uma decisão anterior já definitiva, não vejo como afastar a possibilidade do crime de falsidade ideológica”, afirmou Schietti, no voto divergente.

José Alberto
Ministro Rogerio Schietti propôs mudança jurisprudencial para as hipóteses de tentativa de induzir o Poder Judiciário ao erro
José Alberto

Indução ao erro
Para o ministro Rogerio Schietti, as situações de ocorrência de estelionato juridicário podem ser dividas em dois grupos. No primeiro, estão condutas em que manobras processuais violam o dever das partes dispostos no Código de Processo Civil, em comportamentos antiéticos que merecem reproche.

Nessa hipótese, os atos são combatidos por multa de litigância de má-fé prevista no CPC e são inclusive puníveis pela OAB. Mas não há crime.

No segundo grupo estão as condutas que, além de ferir esses deveres das partes, também atingem bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal. É quando há a indução do juízo em erro para obtenção de vantagens, gerando lesão à administração da Justiça e tentativa de lesão ao erário, já que busca obter benefício que já foi negado.

A jurisprudência, no entanto, vem afastando a ocorrência de crime sem delimitar essas duas hipóteses. Para Schietti, a prática contida no segundo grupo deve ser repudiada não apenas por ser imoral e antiética, mas contrária ao Direito, configurando os tipos penais descritos.

Esse posicionamento ficou vencido, mas foi acompanhado pela ministra Laurita Vaz e pelo ministro João Otávio de Noronha, que criticou o surgimento de uma indústria de advogados que propõem milhares de demandas idênticas, capazes de induzir o Judiciário ao erro.

“Neste caso, produzir essa informação falsa no documento teve ou não o propósito prejudicar direito de outrem? Evidente que teve. Alterou a verdade de fato jurídica relevante? Alterou, pois mudou o juízo natural. Como posso ver atipicidade em algo tão claro?”, indagou.

Emerson Leal
Processar casos de estelionado judicial levaria a explosão de causas bobas incompatível com a ideia do Direito Penal como última ratio, segundo ministro Dantas
Emerson Leal

Deixa como está
Venceu a proposta do relator, ministro Sebastião Reis Júnior, que votou por manter a jurisprudência, absolvendo a médica. No caso julgado, o reconhecimento da atipicidade da conduta fora negado tanto pelo juízo federal de primeiro grau, como pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

O ministro Ribeiro Dantas concordou e explicou que abrir as portas para o processamento penal de casos de estelionato judiciário pode ensejar um festival de discussões desnecessárias toda vez que alguma pessoa entender que um documento apresentado no processo, o qual é facilmente verificável, não for correto ou verdadeiro.

"Vamos ver uma quantidade imensa de causas bobas que não mereceriam o crivo da jurisdição penal sendo trazidas ao Judiciário a todo instante", adiantou.

"É muito melhor que se faça o inverso: quando um juiz verificar que, sob sua jurisdição, se está praticando efetivamente um crime, ele manda extrair peças e envia para os órgãos competentes para investigarem ou denunciarem", resolveu.

O ministro Saldanha Palheiro destacou que a quantidade de pequenos deslizes que ocorrem nessa seara não justificam a ocorrência de persecução penal.

"Ao submeter essa médica a processo criminal por falsidade ideológica, não consigo avaliar com a precisão desejada o elemento subjetivo de uma ação dessa. Mas certamente a intenção não foi fraudar a fé pública. Era obter o diploma", justificou.

O voto do relator também foi acompanhado pelos dois desembargadores convocados em atuação na 3ª Seção, Olindo Menezes e Jesuíno Rissato.

A ré no processo foi representada pelos advogados Daniel Allan Burg e Beatriz Callegari, respectivamente sócio e associada do Burg Advogados

"A decisão não poderia ter sido mais acertada. O STJ, em casos exatamente análogos, já havia exarado decisões no sentido de que documentos sujeitos a posterior verificação — como, por exemplo,  petições apresentadas em juízo — não possuem, por  si só, relevância jurídica apta a configuração do crime de falso, entendimento que fica ainda mais consolidado, haja vista a importante decisão proferida, na data de ontem, pela colenda 3ª Seção do STJ”, disse Daniel. 

HC 664.970

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