Garantia de dignidade

Pena cumprida em situação degradante deve ser contada em dobro, decide juiz

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18 de agosto de 2021, 11h52

Quem está preso, sem um colchão para dormir ou um sabonete para tomar banho, sem um remédio para aplacar uma dor de dente, precisa de respostas e ações imediatas, pois sua condição é de violação da dignidade da pessoa, a partir de submissão a tratamento desumano.

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Superlotação e falta de oportunidades de trabalho caracterizam cumprimento de pena em situação degradante
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Com esse entendimento, a 3ª Vara Criminal de Joinville (SC) ordenou que se compute em dobro cada dia de privação de liberdade de um apenado que cumpre pena no Presídio Regional de Joinville.

No caso, um homem condenado a sete anos de reclusão, que cumpre a pena em regime fechado, entrou com ação para que fosse aplicado ao seu caso o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus 136.961. Nele, a Corte determinou que o período de cumprimento de pena de forma degradante deve ser computado em dobro.

O apenado alegou que o presídio regional de Joinville, onde está preso, sofre com grave superlotação, com problemas estruturais e com mortes resultantes de conflitos com facções.

O juiz João Marcos Buch afirmou que de acordo com a última inspeção feita no presídio, em julho de 2021, a situação de superlotação e falta de recursos humanos é "trágica". Muitas celas com oito vagas são ocupadas por mais de 20 pessoas. Além disso, apenas 20 detentos trabalham na unidade e não há ensino formal.

De acordo com o magistrado, quando alguém é submetido à custódia do Estado, por meio do Estado-juiz, há obrigação de se fornecer a esse alguém condições mínimas de vida, envolvendo alimentação, vestuário, acomodação, ensino e profissionalização. "Se isso não for feito, há que se compensar de alguma forma", disse.

Ele lembrou que as Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela), as quais o Brasil aderiu, determinam que nenhum recluso deverá ser submetido a tortura ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Buch apontou que na realidade concreta do Brasil de 2021, a lei tem sido ignorada, assim como a Constituição e os tratados e pactos internacionais sobre direitos humanos. "Nunca se oportunizou trabalho e estudo aos presos, ressalvadas raras exceções aqui e acolá, assim como a pena nunca teve função ressocializadora, mantendo somente as funções intimidadora e neutralizante, como projeto político de controle dos indesejáveis."

Penas degradantes
O juiz explicou que o tratamento desumano ou degradante ocorre quando o apenado é colocado em ambientes de instituições prisionais que violam as condições mínimas de saúde física e mental para sobrevivência, ou seja, em locais superlotados e insalubres, sem atividades e com confinamento permanente em cubículos.

Assim, concluiu que, no caso concreto, o apenado encontra-se preso há mais de um ano e cinco meses em situação degradante. Nesse sentido, ele ressaltou que o Conselho Nacional de Justiça lançou informe que dizia: "Estar um ano preso em um presídio com ocupação dentro da capacidade e em condições regulares não deve ser equivalente a estar um ano em uma unidade superlotada e degradante. Esse é o pressuposto que rege a ideia de compensação penal."

Diante do exposto, Buch entendeu que, até que o presídio garanta um mínimo existencial para os encarcerados, é preciso compensar o apenado. E isso porque a dignidade da pessoa humana, no que concerne à integridade física e mental, implica na inafastável obrigação do estado de tratar prisioneiros como seres humanos. Com base na proporcionalidade, o juiz determinou que sejam seguidos os parâmetros do HC 136.961 do STJ.

Processo 5035476-56.2020.8.24.0038

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