Júri é anulado após promotor criticar silêncio de réu e fazer apartes "infundados"
2 de agosto de 2021, 19h59
A atuação de um promotor durante sessão do júri foi objeto de recurso de apelação de um advogado. Por unanimidade, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) deu provimento ao apelo e anulou o julgamento. Conforme o acórdão, o representante do Ministério Público "extrapolou limites legais" ao criticar o silêncio do réu no plenário e causou prejuízo à plenitude de defesa por apartes "repetidos e infundados".
Atribuída ao promotor de justiça Ariomar José Figueiredo da Silva, a infringência a tais dispositivos constitucional e legais foi apontada nas razões recursais do advogado Lúcio José Alves Júnior. Segundo o defensor, o representante do MP se valeu de um "claro discurso de autoridade" para incutir nos jurados o entendimento de que um inocente não permaneceria em silêncio, objetivando induzi-los a uma decisão condenatória.
O advogado também sustentou na apelação que houve cerceamento de defesa pelas "repetidas e infundadas interferências do promotor de justiça, mormente devido ao tom de menosprezo e deboche em suas palavras". Conforme mídia da sessão, presidida pela juíza Adriana Silveira Bastos, os apartes de Ariomar ocorreram quando Lúcio citava casos de inocentes condenados pelo júri para destacar a responsabilidade dos jurados.
"Consciência ética"
A própria Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), que representa o MP em segunda instância, deu parecer favorável ao provimento do recurso de apelação da defesa. "Vale ressaltar que o réu tem direito ao respeito; praticando uma conduta delituosa merece também ser punido, é evidente, mas não lhe retirando garantias processuais e faltando-lhe com a consideração devida", afirmou.
Ainda conforme a manifestação da PGJ, "se o promotor de justiça não tiver essa consciência ética, e considerando as atuais condições que são inteiramente propícias ao endurecimento do tratamento penal dos acusados, é evidente que diversos direitos e garantias processuais (muitos dos quais previstos na Carta Magna), podem ser esquecidos, revelando atitude, do ponto de vista ético, extremamente reprovável".
"Escárnio e pilhéria"
De acordo com os desembargadores Inez Maria Brito Santos Miranda (relatora), João Bosco de Oliveira Seixas (revisor) e Antônio Cunha Cavalcanti (3º juiz), da Segunda Turma Julgadora da Segunda Câmara Criminal do TJ-BA, o promotor "extrapolou os limites legais ao proceder digressão opinativa e crítica, direta e indiretamente, sobre o uso do direito ao silêncio". O acórdão foi publicado no último dia 28 de julho.
Para o colegiado, agir com "escárnio e pilhéria" em relação à argumentação de advogados, com o objetivo de desqualificá-la perante os jurados, configura "dano insanável à essencial plenitude de defesa". A relatora observou que Lúcio recorreu em favor do cliente, mas o teor da sua apelação também se aplica ao outro réu, de modo que o júri deve ser anulado para ambos. Ainda não está definida a data do novo julgamento.
Denúncia por 3 crimes
A sessão ocorreu no Fórum de Guanambi, cidade a 676 quilômetros de Salvador, em 13 de abril de 2018. Segundo o MP, por causa de dívida do tráfico de drogas, A.M.P.L. e C.G.S. mataram G.S.N. com três tiros nas costas em 31 de outubro de 2013. Os réus também foram acusados de extorsão e ocultação de cadáver por terem constrangido um homem a lhes entregar um carrinho de mão para levar o corpo até um terreno baldio.
Os jurados absolveram os réus da extorsão e ocultação de cadáver, mas os condenaram pelo homicídio qualificado por motivo torpe e emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Lúcio e a defensora pública Walmaria Fernandes Silva defenderam A.M.P.L. e C.G.S., respectivamente. As suas penas foram fixadas em 14 anos e 12 anos e seis meses de reclusão, em regime fechado, com o direito de recorrer em liberdade.
Declaração polêmica
Em julho de 2019, em julgamento realizado na cidade de Feira de Santana, a cerca de 100 quilômetros da capital baiana, ao saudar a defensora pública Fernanda Nunes Morais da Silva que faria a sua estreia no plenário do júri, Ariomar José Figueiredo da Silva disse para ela ficar calma, porque "a primeira vez com um negão não dói". Na época, o caso repercutiu na mídia e viralizou nas redes sociais.
Nota conjunta da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) e da Associação de Defensores Públicos do Estado da Bahia (Adep-BA) repudiou a fala do representante do MP. Segundo as entidades, o promotor "maculou a ética da profissão e se utilizou de frase e comportamento indiscutivelmente machistas, com teor sexualizado, para constranger a defensora pública, a qual exercia seus misteres funcionais na aludida sessão".
*Texto originalmente publicado no Vade News.
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