Chapa quente

Julgamento de suspeição de Moro tem embate sobre legado da "lava jato"

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22 de abril de 2021, 21h07

O julgamento em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira (22/4), formou maioria para manter a decisão da 2ª Turma da Corte que declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro para julgar o ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá (SP) teve embates de ministros sobre o legado da operação "lava jato" para o país e sobre o andamento do processo. 

Fellipe Sampaio/STF
Presidente da Corte, Luiz Fux, acompanha debate virtual do Plenário do STF
Fellipe Sampaio/STF

O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a "lava jato" revelou um "quadro impressionante" de corrupção estrutural, sistêmica e institucionalizada no Brasil. O magistrado indicou que a operação teve, no Paraná, 179 ações penais, com 553 denunciados e 174 condenações em primeira instância confirmadas em segunda instância. Além disso, teve 209 acordos de delação premiada e 17 acordos de leniência. Com isso, R$ 4,3 bilhões foram devolvidos aos cofres públicos.

"Não há como o Brasil se tornar um país desenvolvido com esses padrões de ética e integridade. É preciso firmar um pacto de integridade no país, baseado em duas premissas. No espaço público, não desviar dinheiro. No espaço privado, não passar os outros para trás", opinou.

Para Barroso, houve falhas da "lava jato", como a ida de Moro para o Ministério da Justiça do governo Jair Bolsonaro, opositor de Lula e do PT. Porém, "o saldo é extremamente positivo", disse. O ministro também ressaltou que as mensagens entre os procuradores de Curitiba e o ex-juiz é resultado de crime. Portanto, prova ilícita, que não pode ser usada em processo. Além disso, o magistrado classificou as ligações entre integrantes do Ministério Público Federal e Moro de "meros pecadilhos".

Em resposta a Barroso, o ministro Ricardo Lewandowski citou estudo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que apontou que a "lava jato" provocou o desmantelamento de inúmeros setores da economia, como o petrolífero e o de construção civil, tirando R$ 142,6 bilhões do PIB (Produto Interno Bruto).

"Vossa excelência acha então que o problema foi o enfrentamento da corrupção?”, questionou Barroso.

Lewandowski respondeu que não se pode aceitar os métodos empregados pela "lava jato". "O modus operandi da 'lava jato' levou a conduções coercitivas, prisões preventivas alongadas, prisões em segunda instância e outras atitudes incompatíveis com o Estado democrático de Direito", disse o ministro, citando que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega foi preso em um hospital de São Paulo quando acompanhava sua mulher no tratamento de um câncer.

O magistrado também declarou que as mensagens hackeadas não revelam "meros pecadilhos". "Juiz indicar testemunhas para a acusação, combinação do momento do oferecimento da denúncia e outras questões não me parecem pecadilhos."

"Pensei que fosse vossa excelência fosse garantista. Essa é uma prova ilícita. É produto de crime. Então o crime compensa para vossa excelência?", perguntou Barroso.

"Temos que combater um modus operandi incompatível com o Estado democrático de Direito. Estamos tratando de pecados mortais, que constituem, entre outras coisas, em colaboração à margem da lei com autoridades estrangeiras", retrucou Lewandoswki.

Ele também questionou o fato de, em julgamentos sobre a "lava jato", Barroso fazer parecer que outros ministros são coniventes com a corrupção. "Não disse nem insinuei isso", respondeu Barroso.

Barroso x Gilmar
Posteriormente, o ministro Gilmar Mendes comentou a declaração de Barroso de que o conflito de competência sobre a perda do objeto da suspeição de Moro entre o relator, Edson Fachin, e a 2ª Turma deveria ter sido resolvido pelo Plenário.

"A vista estava comigo. Cabia a mim colocar o processo para julgamento. E isso foi discutido na turma com toda a clareza e com toda a transparência. Bom, se falou em conflito de competência entre a turma e o plenário. Não sei como isso se faz. Há meios de trazer o tema para o pleno. Eu propus, inicialmente, no caso da suspeição, esse encaminhamento. Fiquei vencido. E nos submetemos a isso."

"O conflito não foi entre a turma e o plenário, foi entre o relator e a turma", corrigiu Barroso.

"Também eu quero aprender essa fórmula processual", disse Gilmar.

"A fórmula processual é: se os dois órgãos têm o mesmo nível hierárquico, um não pode atropelar o outro."

"Talvez isso exista no código do Russo", ironizou Gilmar, citando o apelido de Moro entre os procuradores.

"Estou argumentando juridicamente, não precisa vir com grosseria", afirmou Barroso, dizendo que tal medida "existe no código do bom senso, de respeito aos outros". "Se um colega acha uma coisa, e outro acha outra, é um terceiro que tem que decidir", acrescentou.

"Acabei de provar que o órgão que tinha competência para isso era a turma", informou Gilmar.

"O relator afetou ao Pleno, é pro Pleno. Vossa excelência sentou em cima da vista durante dois anos e se acha no direito de depois ditar regras aos outros", criticou Barroso.

"O moralismo é…" começou Gilmar, que foi interrompido por Barroso: "Nada de moralismo, é só respeitar os colegas". "É a pátria da imoralidade, vamos lá!", afirmou Gilmar.

"Não tem moralismo nenhum. Vossa excelência cobra dos outros o que não faz. Fica criticando o ministro Fachin depois de ter levado dois anos com o processo embaixo do braço, esperou a aposentadoria do ministro Celso, manipulou a jurisdição. Ora, depois vai e acha que pode ditar regras para os outros. Vossa excelência não tem esse papel", destacou Barroso.

"Vossa excelência perdeu!", declarou Gilmar.

O presidente da corte, Luiz Fux, resolveu colocar panos quentes na discussão e encerrou a sessão, cortando os microfones.

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