Punitivismo em SP

Contrariando ECA, juízes privilegiam sanções mais duras contra jovens

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9 de setembro de 2020, 7h46

Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente privilegie o convívio familiar como forma de ressocialização e liste medidas socioeducativas brandas para punir atos infracionais cometidos por jovens, parte do Judiciário de São Paulo está optando por aplicar ou manter penalidades mais gravosas.

Reprodução/Fundação Casa
Segundo defensor, jovens frequentemente são punidos de forma mais dura que adultos
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Em decisão recente, por exemplo, o juiz Ubirajara Maintinguer, da Vara da Infância e da Juventude de Bauru, negou pedido para extinguir internação, progredindo o paciente apenas para a semiliberdade. 

O jovem foi institucionalizado em 2016 — entre penas de internação e semiliberdade — depois de furtar um celular e um isqueiro. De acordo com relatório da Fundação Casa, ele já estava apto a ser colocado em liberdade. 

Para negar a solicitação, o magistrado argumentou que o paciente "não tem boa escolarização" e "fez apenas dois cursos, sem caráter de profissionalização, o que não lhe garante sustento". 

Em 25 de agosto, a determinação acabou revertida pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu o caráter excepcional da internação, liberando o jovem.

Em outro caso, ignorando Laudo Técnico Conclusivo emitido pela Fundação Casa, o Departamento de Execuções da Vara Especial da Infância e Juventude de São Paulo rejeitou pleito para que um paciente progredisse para meio aberto na modalidade de liberdade assistida. A determinação também teve que ser revertida pela Câmara Especial do TJ-SP. 

Nas duas ocasiões, o Ministério Público de São Paulo, por meio de manifestações assinadas pelo procurador Saulo de Castro Abreu Filho, se posicionou em favor dos jovens. Nas peças, ele pontua haver um claro punitivismo por trás de grande parte das decisões envolvendo jovens infratores. 

"O magistrado, há muitos anos na mesma função, ao que parece, acredita que encarcerado numa fundação para infratores, o paciente alcançará o nível educacional e profissional que sua decisão parece exigir. Não fica claro qual o nível de exigência do magistrado, mas parece que é alto, até porque não há o que o paciente possa fazer para após quatro anos convencer o juiz para deixá-lo em paz", diz, a respeito da decisão de Bauru. 

Ainda segundo o procurador, o juiz paulista parece achar que "está cuidando do futuro do paciente com punição além do razoável, quando mantém a internação, longe da família, do trabalho, estigmatizando ainda mais o jovem perante sua pequena comunidade". 

Já sobre a determinação da Vara Especial de São Paulo, o procurador pontua que "a manutenção da medida socioeducativa imposta não se revela apropriada para o processo de recuperação do jovem". 

Internação
Segundo o artigo 122 do ECA, a internação de jovens só pode ocorrer quando atos infracionais forem cometidos mediante violência ou grave ameaça, quando houver reincidência, ou se o paciente descumprir sanções anteriormente impostas. 

O artigo 4º, por outro lado, define como dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, os direitos à convivência familiar e comunitária. Desta forma, as medidas mais gravosas devem ser excepcionais e não uma regra. 

Ainda assim, de acordo com o defensor público Daniel Palotti Secco, é perceptível a existência de uma cultura punitivista por parte do Poder Judiciário de São Paulo.

Segundo explica, ao impor penas como a internação, por exemplo, é necessário mostrar que qualquer outra medida socioeducativa é inadequada, o que na prática ocorre com menos frequência do que deveria. 

"O que a gente vê é que nenhuma das regras gerais são seguidas de maneira estrita. Em primeiro lugar, vemos medidas de internação que não se amoldam ao que está descrito no artigo 122. Vemos, por exemplo, a aplicação de internação de primários por tráfico de drogas. Também vemos tal aplicação em casos em que não há violência ou grave ameaça, banalizando punições mais gravosas", diz. 

Ele também ressalta que, por vezes, é possível observar nos magistrados um comportamento que não se amolda às previsões do ECA, como, por exemplo, o de confundir medidas protetivas com medidas punitivas. 

Antes do Estatuto, diz, a diferença não era muito clara. Assim, o magistrado poderia acabar restringindo a liberdade de alguém pelo simples fato da pessoa ser hipossuficiente. No entanto, desde a vigência do ECA, essa não é mais uma opção. 

"Há uma cultura menorista, que é típica do Código de Menores. Vemos isso muito claramente quando uma situação que deveria gerar no máximo uma medida de proteção serve para justificar uma medida protetiva", prossegue. 

Por fim, ele ressalta que os adolescentes frequentemente são punidos de forma mais gravosa do que os adultos, uma vez que crianças e adolescentes têm a mesma responsabilidade que pessoas maiores de 18 anos, mas uma quantidade menor de garantias. 

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