Situação Excepcionalíssima

Supremo debate se presidente da Corte pode suspender liminar de ministro

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14 de outubro de 2020, 20h20

A suspensão de liminar proferida por ministro do Supremo Tribunal Federal pelo presidente da Corte levou o debate sobre a legitimidade desse tipo de ato ao Plenário na sessão desta quarta-feira (14/10). De forma geral, os ministros concordaram que não há previsão legal expressa que autorize a intervenção, mas que no caso concreto a atuação de Luiz Fux se justificava.

Nelson Jr./SCO/STF
Na Suspensão de Liminar que estava sendo julgada, Fux acatou um pedido da Procuradoria-Geral da República contra decisão do ministro Marco Aurélio, que havia determinado a soltura de André Oliveira Macedo, o "André do Rap", acusado de tráfico internacional, por excesso de prazo da prisão preventiva. A Corte formou maioria para referendar a decisão de Fux, mas fazendo ressalvas aos limites de atuação do presidente em relação a decisões monocráticas de outros ministros.

Fux apresentou previsão legal (artigo 4º, caput, da Lei 8.437/1992; artigo 15 da Lei 12.016/2009 e artigo 297 do Regimento Interno do STF) e precedentes para justificar a suspensão. Os dispositivos têm aproximadamente a mesma redação; o mais restritivo é o do regimento interno.

O artigo 297 do Regimento Interno do STF prevê que "pode o Presidente, a requerimento do Procurador-Geral, ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar, ou da decisão concessiva de mandado de segurança, proferida em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais".

O problema é o final do artigo: a autorização é válida para decisões de tribunais "locais ou federais", e não autoriza a suspensão contra decisões de ministros. Fux explicou que a adoção dessa medida se justifica em situações "excepcionalíssimas", como era o caso em debate, obedecendo a duas premissas: que tenha havido desconsideração dos pronunciamentos já exarados pelos colegiados da Corte; e a "potencialidade de gravíssima insegurança jurídica e conturbação da ordem pública".

Apesar do vácuo na previsão legal, já houve outros episódios em que o então presidente da Corte suspendeu decisões de seus colegas, conforme lembrou o próprio Fux. Carlos Velloso, por exemplo, suspendeu liminar que autorizava a libertação de Salvatore Cacciola, também autorizada pelo ministro Marco Aurélio, em julho de 2000. Mais recentemente, em 2018, Dias Toffoli também suspendeu liminar de Marco Aurélio no Habeas Corpus 1.188, que tratava sobre execução imediata da pena após condenação em segunda instância.

Na sessão desta quarta, o ministro Alexandre de Moraes defendeu que o colegiado debatesse o tema, constatando "inexistência da previsão expressa da suspensão de liminar de ministro pelo presidente" e elogiando Fux pelo respeito à colegialidade, por trazer o caso a Plenário na sessão imediatamente posterior à decisão monocrática.

"Inexiste hierarquização institucional entre a presidência e qualquer das turmas, ou entre o presidente e qualquer dos ministros da corte. A análise do cabimento ou não dessas hipóteses, mesmo em situações absolutamente excepcionais, jamais chegou a ser analisada detalhadamente pelo Plenário da corte", pontuou. Segundo o ministro, no entanto, Fux não "inovou" ao suspender a liminar, pois há um vácuo regimental sobre a hipótese, e o presidente se apoiou em atos anteriores. Portanto, considerou cabível a suspensão, no caso concreto.

Luiz Edson Fachin, por sua vez, defendeu que o presidente detém a prerrogativa de suspender liminar de ministro apenas nos "casos em que há orientação majoritária do colegiado" afrontada pela decisão questionada. Fachin ressaltou que "a ausência de previsão de hierarquia não faz surgir franquia para violação de regras processuais e aquelas que tratam do funcionamento das instituições".

Ele disse que admitia a intervenção de Fux diante da premissa de que a presidência tem o papel de "manter a coerência de uma orientação a todos os membros do Judiciário que corresponda a uma opinião majoritária do tribunal". "No caso", prosseguiu o ministro, "tendo em vista que há pronunciamento majoritário de ministros em sentido contrário àquele adotado pela liminar deferida monocraticamente, caberia, segundo entendo, ao presidente velar pelo respeito e integridade da posição majoritária e, ato contínuo, submeter a questão ao exame do tribunal pleno, o que Vossa Excelência vem precisamente fazer".

Luís Roberto Barroso também defendeu a legitimidade do ato de Fux, "por entender que há manifesto interesse público e há, sim, uma questão de proteção da ordem pública". "Esta é uma situação excepcionalíssima, e que jamais pode se transformar na regra", ressaltou.

"Nas excepcionais situações em que isso ocorra, o procedimento deve ser exatamente vir imediatamente a Plenário. Acho extremamente atípico e indesejável que um colega possa se sobrepor a outro colega", pontuou.

Rosa Weber também entendeu que, apesar de Fux não ter inovado ao suspender a liminar, não há autorização legal para esse tipo de procedimento. "Os dispositivos não autorizam a compreensão de que possa o presidente suspender a eficácia de liminar proferida por ministro da Corte, decisão que comporta revisão, sim, mas por órgão colegiado", pontuou a ministra.

Dias Toffoli, citado nos precedentes, ressaltou que as decisões tomadas quando era presidente ocorreram no recesso judicial. "Eu tomei decisões, sim, como foram citadas, na época de recesso, na época em que a presidência incorpora a corte, dentro da excepcionalidade desse momento. Todavia, eu entendo o tamanho da cadeira que ocupa o presidente do Supremo, e sabemos das responsabilidades que recaem sobre aquele que ocupa essa cadeira", afirmou.

"Mas quando se chega a uma provocação, no sentido de peticionamento, ao eminente presidente, o sujeito já estava empreendendo fuga. Então, ele estava desrespeitando a própria decisão do relator", que havia advertido o réu a permanecer na residência indicada ao juízo, conforme explicou Toffoli. "Ele já estava em absoluto descumprimento de decisão da autoridade da Suprema Corte. É exatamente na necessidade de manutenção do cumprimento de decisão que o senhor [Fux] acabou por atuar", justificou.

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