Opinião

Em defesa da plena liberdade para o exercício da advocacia

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11 de outubro de 2020, 12h06

Em agosto de 1974, na V Conferência Nacional da OAB, no Rio de Janeiro, Antonio Evaristo de Moraes Filho lançou pronunciamento com o título deste texto, que foi publicado pelo jornal Tribuna da Imprensa, de 21 de agosto do mesmo ano e editado em separata pela José Álvaro, Editor S.A.

A tese, aprovada por aclamação pelo plenário da Conferência, visava à revogação do Decreto n. 74.000, segundo o qual a Ordem dos Advogados ficou “subordinada, ou vinculada, no eufemismo usado no parecer oficial, ao Ministério do Trabalho”.1

Contrário à dita vinculação, Evaristo, “em testemunho de como é indeclinável não ficar o advogado sujeito a qualquer subordinação aos domini do poder político”, tracejou episódios de sua trajetória profissional, exemplificando o quão fundamental o livre exercício da advocacia, sem amarras, para a distribuição de justiça.

Recordou-se de processo, ladeado por George Tavares e Mário de Figueiredo, em que defendeu “diretor de jornal que, sofrendo pena de confinamento, escrevera um artigo atacando o próprio Ministro da Justiça, que o mandara confinar. Sem estarmos subordinados a ninguém, não sentimos qualquer constrangimento no exercício do direito de defesa”, acrescentando:

“De outra feita, já na vigência do Ato n. 5, patrocinei as razões de um jornalista, que fora enquadrado, perante a Justiça Militar, na Lei de Segurança Nacional, em virtude de ofensas resultantes de quizílias havidas entre ele e o então todo-poderoso Ministro da Fazenda. Verdade se diga que a Auditoria de primeira instância, em decisão confirmada pelo Superior Tribunal Militar, deu pela improcedência da acusação, acolhendo a tese da defesa de que não era possível confundir-se querelas particulares de um Ministro de Estado, com matéria de interesse da Segurança Nacional”.2

Pelas lides memoradas, exaltou Evaristo “Sobral Pinto, George Tavares, Heleno Fragoso e Augusto Sussekind, isto para citar apenas alguns colegas que pontificaram na defesa dos chamados crimes políticos”, concluindo que, com a independência subtraída pelo Decreto n. 74.000, “qualquer advogado teria de munir-se de uma bravura excepcional e inquebrantável, sempre que se encontrasse, como nos casos acima lembrados, na iminência de litigar contra interesses pessoais de um detentor do poder”.3

E por falar em Sobral Pinto, foi ele quem prefaciou “Um atentado à liberdade — Lei de Segurança Nacional” e, precisamente, a respeito do posicionamento “Em defesa da liberdade da advocacia”, pontuou aquele que cunhou a frase “Advocacia não é profissão para covardes”:

“Finalmente, no último estudo, Evaristo de Moraes Filho defende, adequada e veementemente, a independência da advocacia, pugnando, por tal motivo, a revogação, pura e simples, do Decreto n. 74.000 do Poder Executivo, que estabelecia, atrevidamente, a subordinação da Ordem dos Advogados do Brasil ao Ministério do Trabalho.

Recordando palavras de José Ribeiro de Castro Filho, então Presidente do Conselho Federal da Ordem, na instalação da V Conferência Nacional dos Advogados do Brasil, realizada nesta cidade do Rio de Janeiro, focaliza, com razão, o autor que o judiciário é um Poder inerme, que necessita de provocação do advogado para atuar convenientemente em defesa dos direitos da pessoa humana.

Mas para que o advogado possa exercer, com eficiência e firmeza, essa sua função de defensor dos direitos da pessoa humana, é indispensável e necessário que ele seja absolutamente independente, não podendo, por isto, estar sujeito à autoridade do Poder Excutivo”.4

Traz-se à superfície o tema devido ao início do julgamento do RE 1.182.189, Como noticiado por esta revista, “o recurso que discute se a OAB deve ser submetida à fiscalização do TCU será julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. O caso começou a ser analisado no Plenário virtual da corte nesta sexta-feira (9/10), mas foi retirado de pauta por pedido de destaque do ministro Ricardo Lewandowski. O placar estava empatado. O relator, ministro Marco Aurélio entende que a entidade deve se submeter à fiscalização do Tribunal de Contas da União. De acordo com o vice-decano, embora a OAB não seja ente estatal, é uma entidade pública, de natureza autárquica e, portanto, deve haver controle”.5

O ministro Edson Fachin divergiu do relator Marco Aurélio, ressaltando Sua Excelência, em seu voto já disponibilizado e inserto na matéria de Fernanda Valente, o seguinte:

“Como se vê, o embate aqueles que entendem pela necessária submissão da Ordem ao Tribunal de Contas, como se componente da burocracia estatal fosse, e aqueles que defendem o mais elevado grau de liberdade para exercício das atribuições institucionais da Ordem é antigo e conformou, em grande medida, seu regime jurídico, de modo a desvinculá-la, em definitivo, de qualquer ingerência a ser praticada pelo TCU ou qualquer outro órgão governamental.

Não acolho, portanto, os argumentos que levam à confusão entre a natureza das funções públicas, institucionais e constitucionalmente indispensáveis cumpridas pela OAB com a necessária submissão da instituição ao controle que paira sobre as demais instituições públicas.

Sublinho, ademais, que essa conclusão não se contrapõe à necessária e salutar exposição à crítica dos fundamentos democráticos da atuação constitucional, que é dever não apenas da OAB, mas de todos os órgãos, instituições e pessoas que que exercem funções públicas, com vistas à garantia a democracia, que se interconecta à exigência de accountability da atuação estatal”.

E arremata:

“Ante o exposto e homenageando as conclusões diversas, peço vênia para manifestar divergência e voto pelo desprovimento do recurso, com a fixação da seguinte tese, tal como sugerida em parecer pelo Professor Doutor José Afonso da Silva: ‘O Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não estão obrigados a prestar contas ao Tribunal de Contas da União nem a qualquer outra entidade externa’”.

Mais uma vez, andou bem o ministro Ricardo Lewandowski ao pedir destaque e retirar do Plenário Virtual o julgamento da questão.

“Triste, porém, o Estado em que os advogados devam ser heróis para executar o seu labor”, dizia Evaristo.

O propósito destas linhas é iluminar a discussão que se avizinha na Suprema Corte pela voz de Sobral Pinto e de Antonio Evaristo de Moraes Filho, advogados/cidadãos que dignificaram e dignificam a luta pela democracia e pela justiça.


1 Antonio Evaristo de Moraes Filho, “Um atentado à liberdade – Lei de Segurança Nacional”, Zahar Editores, 1982, p. 107.

2 Ob. cit., p. 109.

3 Ob. cit., p. 111.

4 Ob. cit., ps. 19/20.

5 Em https://www.conjur.com.br/2020-out-09/submissao-oab-controle-tcu-julgada-plenario; acessado em 10/10/2020.

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