Honra ferida

MP-SC pede divulgação de vídeo de audiência para mostrar que protegeu influencer

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4 de novembro de 2020, 19h09

O Ministério Público de Santa Catarina pediu o levantamento do sigilo do vídeo de audiência de instrução e julgamento da ação penal em que o empresário André de Camargo Aranha foi absolvido da acusação de ter estuprado a influencer Mariana Ferrer. Segundo o órgão, a gravação foi editada para excluir as intervenções feitas pelo promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira, pelo juiz Rudson Marcos e pelo assistente de acusação em favor de Mariana.

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Influencer acusou empresário de estupro
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Na audiência, cujas imagens foram publicadas em reportagem do site The Intercept Brasil e viralizaram nas redes sociais, o advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, apresenta fotos produzidas pela influencer e publicadas em seu perfil no Instagram que ele classificou como "ginecológicas" e disse, entre outras coisas, que "jamais teria uma filha" do "nível de Mariana".

O advogado também afirmou que Ferrer estava fazendo um "showzinho" e que o seu "ganha pão era a desgraça dos outros". O modo como Rosa Filho inquiriu Mariana, a atuação do Ministério Público e do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, foram objetos de crítica do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e de diversos profissionais do Direito.

Tanto que o seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil pediu esclarecimentos a Rosa Filho. O Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, e o Conselho Nacional do Ministério Público irão investigar as condutas do juiz e do promotor do caso.

Em nota, o MP-SC afirmou que o vídeo divulgado pelo Intercept não mostra que, após o advogado adotar "atitude desrespeitosa" com relação à influencer, o promotor interveio para evitar que ela fosse constrangida.

"Além dessa manifestação, a íntegra do vídeo apresenta inúmeras outras interrupções promovidas pelo promotor de Justiça, pelo defensor público que atuava como assistente de acusação e pelo juiz, presidente do ato, inclusive nos momentos que foram editados para, propositalmente, excluir as intervenções realizadas em favor de Mariana", disse o MP-SC.

O órgão declarou que repudia a atitude do advogado e ressalta que "a exploração de aspectos pessoais da vida de vítimas de crimes sexuais não pode, em hipótese alguma, ser utilizada para descredenciar a versão fornecida por ela aos fatos".

Leia a nota do MP-SC:

O Ministério Público de Santa Catarina reafirma sua solidariedade a Mariana Ferrer e reitera que os promotores de Justiça que atuaram no caso adotaram, ao longo de todo o processo, os necessários respeito e sensibilidade que a questão exigia, a fim de evitar qualquer possibilidade de revitimização ou ofensa à intimidade da vida privada da vítima.

Ao longo de todo o processo, o Ministério Público tem respeitado, como não poderia deixar de ser, o sigilo conferido por lei às questões envolvendo crimes contra a dignidade sexual, o que impede a Instituição de divulgar detalhes sobre o processo ou, ainda, a íntegra do vídeo da audiência de instrução e julgamento.

É imprescindível esclarecer, entretanto, que a audiência de oitiva de Mariana durou cerca de três horas e, justamente com o objetivo de resguardar sua integridade em um momento tão sensível, o ato foi realizado em dois dias distintos.

As perguntas feitas pelo promotor de Justiça a Mariana atentaram aos princípios de acolhimento e respeito que devem pautar a atuação das partes no Sistema de Justiça, especialmente em se tratando de delitos dessa espécie.

No primeiro momento em que o advogado de defesa adotou atitude desrespeitosa em relação a Mariana, o promotor de Justiça interveio para que ela não fosse exposta a situação de constrangimento. Além dessa manifestação, a íntegra do vídeo apresenta inúmeras outras interrupções promovidas pelo promotor de Justiça, pelo defensor público que atuava como assistente de acusação e pelo juiz, presidente do ato, inclusive nos momentos que foram editados para, propositalmente, excluir as intervenções realizadas em favor de Mariana.

O Ministério Público reitera seu repúdio à atitude do advogado e ressalta que a exploração de aspectos pessoais da vida de vítimas de crimes sexuais não pode, em hipótese alguma, ser utilizada para descredenciar a versão fornecida por ela aos fatos.

É absolutamente lamentável que esse tipo de argumento ainda seja apresentado por defensores e essa postura é amplamente combatida pelo Ministério Público de Santa Catarina, inclusive por meio de programas institucionais de apoio especializado às vítimas de violência. Entretanto, uma alteração legislativa promovida no Código de Processo Penal passou a permitir que as perguntas sejam formuladas diretamente à testemunha (artigo 212) e, como é do conhecimento de todos, diversas iniciativas legislativas têm buscado responsabilizar promotores de Justiça e juízes por abuso de autoridade sob o fundamento de cerceamento de defesa dos acusados, o que representa flagrante retrocesso à garantia de uma atuação firme e contundente na defesa da vítima e da sociedade pelo Ministério Público.

Por fim, o Ministério Público de Santa Catarina lamenta o fato de instituições e integrantes do Sistema de Justiça terem adotado juízo de valor precipitado sobre os fatos, especialmente a partir de reportagem jornalística com informações inverídicas e sem conhecimento das provas constantes do processo, fato que tomou repercussões ainda maiores diante da impossibilidade legal de divulgação da íntegra das informações.

O site The Intercept Brasil, por sua vez, alterou sua versão após nota oficial do MP-SC e após veículos jornalísticos, formadores de opinião e influenciadores terem demonstrado nas redes sociais que as informações veiculadas pelo site estavam equivocadas. Publicou uma nota no fim da reportagem sobre o caso reconhecendo que havia utilizado de forma imprecisa a expressão "estupro culposo", tipo penal que não existe no ordenamento jurídico, sob o argumento de artifício usual ao jornalismo para tornar o processo mais acessível ao público. O que ocorreu, no entanto, foi a difusão proposital da desinformação em um ambiente que todos sabemos ser propício para a propagação de informações sem a devida e necessária checagem de sua veracidade.

Diante desse contexto, o promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira requereu ao Poder Judiciário o levantamento do sigilo do vídeo da instrução criminal, a fim de que os órgãos de controle possam ter acesso à integra do ato processual e, com base nessas informações, avaliar adequadamente a postura adotada, de modo que a garantia do sigilo, que é justificada na preservação da vítima, não inviabilize o direito à informação da sociedade, sem edições ou manipulações.

Com informações da Assessoria de Imprensa do MP-SC.

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