Improbidade em Debate

Declaração de patrimônio e ação de improbidade

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20 de março de 2020, 13h38

Spacca
Com raízes remotas nas Leis 3.164/1957 e 6.278/1979, a declaração pessoal de bens é condição para posse ou entrada em exercício de agente público e busca fornecer um marco inicial capaz de funcionar como parâmetro comparativo da evolução patrimonial do agente público[1], estendendo-se o compromisso com periodicidade anual de transparência acerca da variação até o momento em que deixa o cargo, quando, novamente, disponibiliza a informação. Atualmente prevista no artigo 13 da Lei de Improbidade, com regulamentação dada pelo Decreto 5.483/2005, a exigência seria mais minuciosamente detalhada logo em seguida, em 1993, pela Lei 8.730, aplicável aos estados, Distrito Federal e municípios como norma geral de Direito Financeiro, e replicada pelo artigo 11, parágrafo 1º, IV, da Lei 9.504/1997, fornecendo importantes instrumentos para aferição sobre possível incurso do agente no tipo do artigo 9º, VII, da Lei 8.429/1992.

Importante que o agente não apenas haja com transparência ao longo de suas declarações seguintes, mas, também, que faça constar desde a primeira declaração todos os bens que integram seu patrimônio, sob pena de incorrer, a par de falsidade ideológica, em ato de improbidade administrativa (ainda que por tipo diverso), como aliás decidiu o Superior Tribunal de Justiça em caso análogo de omissão dolosa pelo servidor, por ocasião de sua posse, de condenação criminal anterior, vulnerando assim o dever de honestidade e de legalidade.[2]

Naturalmente, não se veda ao agente público que enriqueça, mesmo porque, com as ressalvas legais, lhe será possível o exercício de outras atividades. O que se exige, nada obstante, é que qualquer incremento patrimonial seja, sempre, lícito.

Daí a obrigação de que se revelem, amplamente, bens móveis e imóveis, seja no país ou no exterior, podendo ainda ser o indivíduo compelido a fazer o mesmo quanto ao patrimônio de cônjuge (ou companheiro), filhos e dependentes financeiros, discriminando os valores de aquisição constantes dos respectivos instrumentos de transferência de propriedade, quando houver, e o venal (em não havendo instrumento, o valor será o venal histórico acompanhado do venal atual), excluídos apenas objetos e utensílios de uso doméstico de valor módico. Posições de direção em entidades públicas ou privadas, nacionais ou internacionais, nos últimos dois anos também devem constar.

Para além do ativo patrimonial, sem embargo, igualmente deverão figurar na declaração eventuais ônus incidentes, como hipotecas, fianças, penhoras etc., com indicação dos credores destacando-se, se o caso, a Fazenda Pública.

As declarações serão conservadas junto ao setor de pessoal, admitindo controle interno (no Executivo, via Controladoria-Geral da União) e sindicância patrimonial, e deverão igualmente ser remetidas, anualmente, em nível federal, ao Tribunal de Contas da União para controle nos termos de sua Instrução Normativa 63/2010 e dos artigos 71 da Constituição, 1º e 6º a 9º da Lei 8.443/1992 e 1º, 188, 189 e 197 do Regimento Interno da Corte de Contas, podendo o órgão, nesse particular, requerer esclarecimentos e comprovações adicionais ao agente. Aliás, não somente do agente, sendo também possível ao TCU, com fundamento no artigo 101 da Lei 8.443/1992, solicitar informações a outros órgãos, sem que isso configure quebra de sigilo. Em verdade, esse intercâmbio também poderá reverter em favor do Ministério Público, legitimado à propositura de improbidade, que poderá ser acionado quando se evidenciem suspeitas.

Abrindo uma digressão sobre o direito à intimidade, que poderia erigir óbice constitucional à exigência, vale registrar que o Supremo Tribunal Federal já teve reiteradas oportunidades de assentar racional no sentido de que na condição de agentes políticos, os indivíduos sujeitam-se a uma diminuição na esfera de privacidade a autorizar a revelação de fatos relacionados à sua evolução patrimonial (STF na SS 3.902, DJ de 3.10.2011). A posição seria reiterada tanto com a sobrevinda da Lei da Transparência (Lei 12.741/2012) como, também, por ocasião da edição da Resolução do Conselho Nacional de Justiça 151/2012.

Retomando, o regramento atual autoriza que a declaração periódica de bens possa ser reproduzida na declaração anual de ajuste de Imposto de Renda, atraindo controle também por parte da Receita Federal; a recíproca se verifica quando se nota a exigência de que da declaração junto ao órgão de pessoal conste o respectivo documento fiscal relativo ao exercício anterior. No ponto, válida a ênfase de que a proposta contida no Projeto de Lei 10.887/2018 opta por inverter as coisas, admitindo que a declaração de imposto de renda substitua a declaração formal de bens junto ao setor de pessoal.

As sanções pelo descumprimento são pesadas. Será nula a posse ou a entrada em exercício do agente que não houver apresentado a declaração, perderá o mandato ou será demitido, exonerado ou destituído, a depender do vínculo, ficando ainda inabilitado por até cinco anos para o exercício de função pública. No caso de agentes políticos, há crime de responsabilidade a admitir dupla apenação (à exceção do presidente da República). Seja como for, em qualquer hipótese (exceto a exoneração, que é livre mesmo sem motivo), naturalmente será necessária a observância do contraditório e da ampla defesa.

Concluindo: como já pudemos dizer noutra oportunidade, cremos positiva a proposta constante do Projeto de Lei 10.887/2018 ao alterar o artigo 9º, VII, para prever de forma mais contundente que seja assegurado previamente ao agente a demonstração da licitude da origem da evolução. Note-se, porém: a alteração não inverteria o ônus da prova a respeito da demonstração da desproporcionalidade entre evolução e renda, que seguiria sendo do autor; apenas possibilitaria ao agente demonstrar que nada de ilícito houve no incremento e que ser bem sucedido em atividades outras, lícitas, não deslustra sua vocação e contribuição públicas (até como forma de se preservar bons quadros e de se evitar a evasão).

[1] Estão abarcados agentes de todos os Poderes de todas as esferas federativas, tanto na administração direta, quanto na indireta,

[2] RMS 11.133, DJ de 8.4.2000.

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  • é sócio-fundador do Mudrovitsch Advogados, professor de Direito Público, doutor em Direito Constitucional pela USP e mestre em Direito Constitucional pela UnB. Membro do grupo de trabalho instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça destinado à elaboração de estudos e indicação de políticas sobre eficiência judicial e melhoria da segurança pública.

  • é sócio do Mudrovitsch Advogados, especialista em Direito Constitucional, mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, professor de Processo Civil do IDP e vice-presidente da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil.

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