Fim do mandato

TJ-RJ contraria entendimento do STF ao manter foro especial de Flávio Bolsonaro

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26 de junho de 2020, 17h31

A decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de tirar a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) da primeira instância e atribui-la ao Órgão Especial da corte contraria o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre foro por prerrogativa de função.

Fotos Públicas/Vitor Soares
Flávio Bolsonaro é investigado por um suposto esquema de "rachadinha"
Fotos Públicas/Vitor Soares

Nesta quinta-feira, a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ concluiu que Flávio Bolsonaro tem foro privilegiado na investigação sobre um esquema de "rachadinha" em seu gabinete na Assembleia Legislativa o Rio porque era deputado estadual à época dos fatos.

Em 2018, o Plenário do Supremo restringiu o alcance do foro por prerrogativa de função. Para os ministros, parlamentares só têm foro especial se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato, em função do cargo. No caso de delitos praticados antes disso, o parlamentar deve ser processado pela primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Com o fim do mandato, também acaba o foro privilegiado, fixou a corte.

Dessa maneira, a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ contrariou o entendimento do STF ao mandar a investigação contra Flávio Bolsonaro para o Órgão Especial. O jurista Lenio Streck afirma que a competência para a apuração é da primeira instância.

"O TJ-RJ errou. O foro de Flávio Bolsonaro é o primeiro grau. O fato de ter sido eleito senador não tem nenhuma importância. Os fatos são do tempo de Flávio Bolsonaro deputado. Terminou o mandato, volta ao primeiro grau. Aliás, um dos desembargadores, Paulo Rangel, escreveu sobre isso. Só que votou ao contrário do que disse. A matéria não se apresenta complexa. [Flávio] Itabaiana, o juiz, é competente. Nos dois sentidos, se me permite um elogio a ele usando a ambiguidade do conceito jurídico", diz Lenio.

Aury Lopes Jr., professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, lembra que a prerrogativa de Flávio ser investigado e julgado pelo Órgão Especial caiu quando acabou seu mandato de deputado estadual. O caso só poderia continuar com esse colegiado se a instrução já tivesse sido concluída — o que não ocorreu no caso, destaca o jurista

O criminalista também diz que não faz sentido decidir que a competência para a investigação é do Órgão Especial, mas manter os atos já praticados pela primeira instância. "Se o juiz é absolutamente incompetente, os atos por ele praticados são nulos. Competência absoluta é assim. Então a decisão é contraditória."

Nessa mesma linha, o professor da Universidade de São Paulo Gustavo Badaró opina que o caso de Flávio Bolsonaro não se encaixa na exceção que permite a continuidade do foro especial.

"No caso, era deputado estadual e havia regra de foro por prerrogativa de função, no TJ-RJ. O ato teria sido, em tese, praticado no exercício da função e relacionado com a função (receber parte do salário dos funcionários de confiança de seu gabinete). Mas ele deixou o cargo de deputado estadual e não há sequer processo. Portanto, não se verificou a exceção. Logo, não há mais prerrogativa de função e ele deveria ser julgado em primeiro grau, como estava sendo."

Outros casos
O STF já enviou para a primeira instância casos semelhantes ao de Flávio Bolsonaro. Em 2018, o ministro Dias Toffoli mandou para o primeiro grau do Paraná ação penal contra o então deputado federal Takayama (PSC) pelo emprego de pessoas que lhe prestavam serviços particulares em seu gabinete enquanto era deputado estadual.

Caso semelhante ocorreu com o atual deputado federal Édio Lopes (PL-RO). O ministro Gilmar Mendes remeteu para a primeira instância de Roraima processo em que ele é acusado de nomear funcionários fantasmas durante seu mandato na Assembleia Legislativa. Porém, a Procuradoria-Geral da República pediu para o caso seguir no STF, por risco de prescrição. O requerimento ainda não foi avaliado.

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