HC Coletivo

PM de SP é autorizada a apreender armas em caso de "resistência seguida de morte"

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15 de julho de 2020, 13h40

O juiz Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, concedeu Habeas Corpus coletivo permitindo que todos os oficiais da PM ignorem uma resolução da Secretaria de Segurança Pública e possam, em caso de morte decorrente de intervenção policial, apreender os instrumentos e objetos que tenham relação com o fato, além de colher provas que sirvam para esclarecê-lo.

Reprodução/PM-SP
Com a decisão, policiais poderão ignorar resolução de 2015
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A sentença, que foi proferida em 8 de julho, acata a um pedido da Associação de Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar (Defenda PM).

Na ação, a autora contesta a Resolução 40/2015, que visa a controlar a letalidade das polícias que atuam no estado e atribui a uma autoridade específica — o delegado de Polícia — a função de apreender armas e objetos nos casos de resistência seguida de morte (atualmente chamado de "morte por intervenção policial"). 

A diretriz, editada em 2015 pelo então Secretário de Segurança Pública Alexandre de Moraes, hoje ministro do Supremo, determina que os policiais preservem o local do crime até a chegada do delegado responsável e providenciem o estado de conservação do local para a adequada realização da perícia. 

Uma ordem do subcomandante-geral da PM, coronel Marcus Vinícius Valério, havia estabelecido, em junho deste ano, o cumprimento da norma da SSP, sob pena de responsabilização criminal dos policiais.

Segundo a ação, a determinação impacta no número de inquéritos abertos contra oficiais, que poderiam ser processados e punidos por descumprirem a diretriz. 

Ao julgar o HC, Roth afirma que a resolução é inconstitucional, "pois não cabe ao estado-membro cuidar de matéria processual penal, que é exclusiva da União, e igualmente é ilegal, pois confronta-se com o artigo 12, alínea "b" do CPPM (Código de Processo Penal Militar), e afasta, em concreto, a atuação dos oficiais PM de seu dever de Polícia Judiciária Militar, assegurado pela Constituição Federal e disciplinado pelas normas cogentes em vigor do CPPM". 

Assim, para o juiz, o CPPM atribui ao oficial responsável pelo comando, direção ou chefia a competência para que sejam tomadas as providências preliminares ao inquérito em caso de infração penal militar. Portanto, a Resolução 45 não poderia dispor de maneira diversa, atribuindo tal competência a delegado de Polícia. Além disso, a competência legislativa para tanto, segundo ele, é da União, e não estadual.

Além de permitir que a resolução seja descumprida, o magistrado também ordenou que eventuais procedimentos instaurados contra oficiais sejam suspensos. 

Teratológica
Para Adilson Paes de Souza, tenente-coronel da reserva da PM, mestre em direitos humanos e doutorando em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pelo instituto de psicologia da USP, a decisão de Roth é teratológica. 

Isso porque, por um lado, o HC não é o meio adequado para questionar a legalidade da resolução. Por outro, a Constituição Federal, em seu artigo 142, parágrafo 2º, veda a utilização do HC em casos de transgressão disciplinar militar. 

"Essa ordem aos PMs é um equívoco. Se a associação quer contestar a constitucionalidade da resolução, devem no mínimo buscar a via correta para isso. O HC é bem feito, mas entre ser bem feito e ser cabível há uma grande diferença. Esse despacho sequer deveria ter sido apreciado pelo juiz, porque ele viola a Constituição", afirma. 

Souza também ressalta que a decisão veio em péssima hora, considerando o aumento dos casos de violência policial em São Paulo. De acordo com levantamento feito pelo G1 e Globonews, com base em dados da Corregedoria da PM, 442 pessoas foram mortas por oficiais entre janeiro e maio deste ano. 

Trata-se de um recorde que não era ultrapassado desde 2003, quando 409 pessoas morreram em decorrência de intervenção policial, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

"Não podemos generalizar, mas para alguns policiais, a decisão do dia 8 pode servir como um estímulo à impunidade. Ela restringe, em muito, as autoridades que podem investigar a polícia. São manobras feitas para ajudar a PM e, ao meu ver, se trata de uma determinação teratológica", afirma o policial aposentado. 

Competência
Sem comentar o caso concreto, Ivana David, juíza de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo, explicou não caber à justiça militar, mas à justiça comum, analisar atos normativos que não foram emanados de órgãos militares, como é o caso da Resolução 40/2015. 

Como se não bastasse isso, diz, "o parágrafo 4º, do artigo 125, da Constituição Federal, estabelece que compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos estados, nos crimes militares definidos em lei, e as ações judiciais contra atos disciplinares militares", diz. 

Desta forma, não há constrangimento ilegal em investigações contra policiais que descumprem a diretriz da SSP e retiram objetos das cenas de crimes, pois o ato não configura crime militar.

A desembargadora também lembra que em janeiro de 2019, o Órgão Especial do TJ-SP declarou a inconstitucionalidade de norma que permitia que a PM apreendesse provas em cenas de crime. 

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