Decisão do TSE

Justiça Federal, não Eleitoral, julga advogado que gravou audiência sem autorização

Autor

1 de julho de 2020, 21h35

Advogado que contraria comando de juiz eleitoral e grava audiência não pode ser acusado do crime de recusar cumprimento a ordens da Justiça Eleitoral (artigo 347 do Código Eleitoral). Se for o caso, deve responder pelo delito de desobediência (artigo 330 do Código Penal).

Reprodução
Tribunal Superior Eleitoral teve empate para trancar ação contra Fernando Fernandes
Reprodução

Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral, nesta quarta-feira (2/7), por quatro votos a três, concedeu parcialmente Habeas Corpus para declarar a competência da Justiça Federal, e não da Justiça Eleitoral, para julgar acusação de gravar audiência contra o criminalista Fernando Augusto Fernandes, ex-procurador de Prerrogativas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Além disso, três ministros votaram para trancar a ação penal, e três foram contra. O ministro Sérgio Banhos não se manifestou sobre a questão.

Quando defendia o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, Fernandes quis gravar uma audiência na 100ª Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes. Isso porque a sessão não seria registrada por nenhum meio audiovisual. O juiz o proibiu de fazê-lo. Porém, como entendeu haver distorções entre os depoimentos e o que estava sendo registrado em ata, o advogado registrou a audiência e juntou o arquivo aos autos.

O objetivo, segundo Fernandes, foi produzir prova judicial, sem quebrar o sigilo — tanto que não divulgou seu conteúdo para fora do processo.

No entanto, o Ministério Público denunciou Fernando Fernandes por desobediência eleitoral. A seccional fluminense da OAB impetrou Habeas Corpus em favor dele, mas o pedido foi negado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.

A OAB-RJ interpôs recurso ordinário em Habeas Corpus ao TSE, representada, entre outros, pelo seu presidente, Luciano Bandeira, pelo jurista Lenio Streck e pelo ex-presidente do Conselho Federal da OAB José Roberto Batochio, que fez a sustentação oral na sessão de julgamento virtual.

Eles argumentaram que o artigo 367, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, permite que advogado grave audiências. Além disso, sustentaram que, como é essencial à administração da Justiça (artigo 133 da Constituição), o advogado tem o dever de defender o Estado Democrático de Direito, a cidadania, a moralidade pública, a Justiça e a paz social, incluindo o respeito ao devido processo legal e às garantias individuais.

"Frente a uma situação entendida como ilícita e prejudicial aos direitos de seu representado, o defensor jamais pode deixar de atuar em favor dos interesses, ainda que isso desagrade a autoridade ou a outra parte da relação processual ou a quem quer que seja. Esta é, inclusive, uma garantia da própria sociedade, uma vez que para que seja possível a efetivação da ampla defesa, é primordial a defesa peremptória das prerrogativas profissionais dos advogados", apontaram.

A proibição de gravação, para ser válida, deve ser fundamentada, ressaltou a OAB-RJ, citando precedentes do Superior Tribunal de Justiça. A entidade ainda disse que o criminalista não poderia responder pelo artigo 347 do Código Eleitoral. No máximo, pelo artigo 330 do Código Penal.

À ConJur, Lenio Streck afirmou que o advogado apenas se opôs a uma injustiça. "Mais do que mero direito à resistência contra decisões que se entenda ilegais, o advogado tem o dever cívico de resistir a elas, pois é a última barreira do indivíduo perante o poderio do estado penal. Nos Estados Unidos, o estatuto dos advogados prevê até mesmo o dever de indignação (duty of outrage) do defensor constituído. Ora, as circunstâncias em que se deu a gravação nada mais foi do que o exercício de um duty of outrage do paciente-recorrente, o aguerrido advogado Fernando Fernandes."

Batochio defendeu que magistrados respeitem a democracia. "É preciso resgatar no Judiciário os valores democráticos, o que passa, necessariamente e sempre, pelo respeito à advocacia. Há uma minoria que resiste."

Caso semelhante
No primeiro depoimento do ex-presidente Lula na operação "lava jato", em maio de 2017, o então juiz Sergio Moro proibiu a entrada de telefones celulares na sala de audiência. Ele justificou a medida com o argumento de que "já houve experiência negativa anterior em outra ação penal".

Responsável pela defesa do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, Fernando Fernandes ajuizou medidas contra a proibição da entrada de celulares. Ele impetrou um mandado de segurança no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e uma reclamação no Supremo Tribunal Federal.

Na petição, Fernandes afirmou que a medida atenta contra o princípio constitucional da publicidade dos atos processuais e viola o direito à comunicação dos advogados. "O advogado não pode ser mantido incomunicável durante o seu trabalho por determinação do juízo que preside audiência da qual o profissional participará em defesa de seu cliente — em todos os ramos do direito, mas sobretudo nas audiências realizadas sob a égide das regras e garantias do Direito Processual Penal."

A 8ª Turma do TR-4 reconheceu que esses aparelhos são instrumentos relevantes para o desempenho das atividades de magistrados, advogados e membros do Ministério Público, mas concluiu que o uso pode ser vetado em casos pontuais.

Clique aqui para ler a petição da OAB-RJ

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!