Princípio da impessoalidade

Advogados divergem sobre ataque da Secom à brasileira que concorre ao Oscar

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3 de fevereiro de 2020, 23h22

Indicada ao Oscar pelo documentário “Democracia em Vertigem”, a cineasta Petra Costa concedeu entrevistas nos Estados Unidos críticas ao governo de Jair Bolsonaro e passou a ser vista como inimiga pública por órgão do Governo Federal.

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Perfil oficial da Secom classificou a cineasta Petra Costa de "militante anti-Brasil"
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Ao menos na avaliação dos servidores da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Eles usaram o perfil oficial do órgão público no Twitter para atacar a documentarista. Petra foi tachada de “militante anti-Brasil” e seu ponto de vista classificado como “difamatório”.

A ConJur consultou especialistas para saber se o uso do aparato estatal para desacreditar uma única pessoa não configuraria uma quebra do princípio da impessoalidade sobre a Administração Pública.

Para o jurista Lenio Streck, o uso do perfil oficial da Secom para atacar a cineasta deveria ser alvo de investigação do Ministério Público. “O governo não pode usar a máquina pública desse modo. Por óbvio quebra o princípio da impessoalidade. Ora, o governo pessoalizou. Abriu guerra contra uma pessoa que, paradoxalmente, representa o Brasil no Oscar. O governo não só torce contra a cineasta, como usa da máquina da Secom para desacreditá-la. Caberia uma intervenção do Ministério público por desvio de função da Secom. A ver”, argumenta.

O constitucionalista Paulo Peixoto também enxerga a ação governamental desta segunda-feira (3/2) de modo parecido. “A manifestação da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República a respeito da entrevista de Petra Costa à televisão americana tende a desbordar da impessoalidade que o Poder Público deve observar. Conquanto o documentário e opiniões da cineasta sejam em tom crítico ao país, estão guardadas pela liberdade de pensamento”, comenta.

Já o advogado Eduardo Arruda Alvim tem um entendimento diverso. “Ouvi um pouco da entrevista. O problema é que se ouve um lado só da história. Tanto maior a penetração do meio de comunicação, com mais razão deveria haver a bilateralidade. Nada impede, segundo penso, que um meio de comunicação assuma uma posição ideológica, como no editorial de um jornal, mas deve fazê-lo claramente.  Apresentar fatos graves como verdadeiros, no caso, aparentemente sem contraditório ou comprovação, me parece errado”, afirma.

Para o constitucionalista Eduardo Mendonça, o governo chegou perto, mas não quebrou o princípio da impessoalidade. “Se fosse uma campanha de ataque pessoal, eu não teria dúvida em classificar como violação à impessoalidade. Por exemplo, se o foco da crítica fosse a pessoa da cineasta ou a qualidade artística. No caso, o documentário afirma que o atual governo foi eleito de forma ilegítima por um processo de degradação institucional. É direito dela achar isso e afirmar. Mas acho que o governo também pode se posicionar. É um assunto público, atinente ao processo político, à legitimidade do governo e até a determinadas políticas públicas”, argumenta.

Para Mônica Sapucaia Machado, especialista em direito administrativo e professora da pos-graduação da EDB, o artigo 37 da Constituição Federal deixa claro que a Administração Pública se submete aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e determina ainda que a publicidade dos Governos terá caráter educativo, informativo ou de orientação social. "Esse post fere vários desses princípios, e explicitamente o parágrafo primeiro, expondo a artista e a ofendendo, o que não está autorizado à administração pública em nenhuma hipótese", diz Mônica. 

A especialista argumenta ainda que a Secom é a Secretaria Especial de Comunicação Social, um órgão ligado à presidência da República responsável por dar publicidade ao Governo Federal, e tem como missão ampliar o acesso à informação de interesse público. "Nunca deve se comportar como um instrumento de opinião sobre determinada obra cultural, até porque no Brasil a liberdade de expressão é um pilar constitucional."

A Secom tem se consolidado como um catalisador de crises no governo nas últimas semanas. Primeiro o chefe do órgão, Fabio Wajngarten, responsável pela distribuição de verbas para publicidade, sugeriu um boicote a publicações que desagradem à cúpula do Governo Federal.

Dias depois, o Ministério Público de Contas apresentou uma representação no Tribunal de Contas da União para pedir que se investigue a atuação de Wajngarten. O documento, assinado pelo subprocurador geral Lucas Rocha Furtado, pede apuração sobre uma possível violação da lei de conflito de interesse,s e se o chefe da Secom favoreceu emissoras de TV que são clientes de sua empresa ao distribuir verba pública de publicidade.

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