Ministério da Justiça deve informar se houve cooperação entre "lava jato" e EUA
31 de agosto de 2020, 20h30
O ministro Sérgio Kukina, do Superior Tribunal de Justiça, ordenou nesta segunda-feira (31/8) que o Ministério da Justiça, pasta chefiada por André Mendonça, informe se houve cooperação formal entre procuradores da "lava jato" em Curitiba e autoridades dos Estados Unidos.
A decisão responde a um mandado de segurança ajuizado em 20 de julho pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nele, os advogados do petista pediram acesso integral a eventuais intercâmbios de informações, provas, procedimentos e investigações entre as autoridades brasileiras e norte-americanas no que diz respeito a seis ações contra Lula.
Subsidiariamente, a defesa solicitou que o Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação (DRCI), esclareça e certifique se participou da atuação conjunta na condição de autoridade central.
O ministro do STJ deferiu, em caráter liminar, apenas o segundo pedido, determinando que Mendonça informe, dentro do prazo de cinco dias, se há pedidos de cooperação internacional formulados pelo Brasil ou pelos Estados Unidos.
"Parece não haver óbice a que a autoridade central brasileira (DRCI), sem o encargo de franquear o acesso ao conteúdo da correlata documentação, possa disponibilizar à parte impetrante, única e tão somente, informações que revelem a existência, ou não, de pedido de cooperação internacional", afirmou o ministro na decisão.
Kukina também destacou que a Constituição Federal assegura o direito à informação e à ampla defesa, e que a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.257/11) determina que a publicidade é um preceito geral, enquanto o sigilo é exceção.
No entanto, no que diz respeito ao pedido de acesso ao intercâmbio de informações, o ministro disse ser compreensível "o zelo da autoridade ministerial em restringir a liberação de informações em torno das ações do DRCI", rejeitando a solicitação.
Formal ou informal?
O Decreto 3.810/01, que internaliza o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, prevê que a cooperação internacional passe pelas autoridades centrais designadas pelos dois países — no caso do Brasil, o Ministério da Justiça; no caso dos EUA, o Departamento de Justiça (DoJ) — e que todos os documentos recebidos possuam um comprovante de entrega.
Com o pedido, a defesa de Lula pretende saber se de fato a cooperação entre "lava jato" e EUA ocorreu de modo formal. Se assim o foi, há registro. Caso contrário, sustentam os advogados, a atuação conjunta entre os países foi informal e, portanto, ilegal.
"A inobservância de tais regras previstas no acordo firmado entre o Brasil e os Estados Unidos deve resultar no reconhecimento da nulidade das investigações e dos processos suportados por elementos coletados", afirmou a defesa do ex-presidente no mandado de segurança. A peça é assinada pelos advogados Cristiano Zanin, Valeska Martins, Maria de Lourdes Lopes e Eliakin dos Santos.
No ação, a defesa de Lula cita declarações feitas por Kenneth Blanco, ex-vice-procurador geral adjunto do Departamento de Justiça norte-americano, e por Trevor McFadden, ex-secretário-geral de Justiça adjunto interino do DoJ.
Em uma de suas falas, Blanco admitiu a existência de uma rede de colaboração entre Brasil e EUA para "construir casos" e aplicar punições aos acusados, especialmente nos processos em trâmite na "lava jato".
O membro do DoJ também fez referência ao processo do tríplex do Guarujá, em que Lula foi condenado por supostamente receber um imóvel como propina da OAS. Em troca, o ex-presidente facilitaria contratos da construtora com a Petrobras.
Histórico
O mandado de segurança representa mais um capítulo da saga de Lula para obter dados relacionados à cooperação internacional. O primeiro pedido foi feito em 16 de março deste ano, via Lei de Acesso à Informação.
Na ocasião, os advogados citaram o Provimento 188/18 do Conselho Nacional da OAB, que permite que a defesa solicite documentos diretamente de órgãos públicos e privados, sem passar pelo Judiciário.
Em 27 de março, Fabrizio Garbi, diretor-adjunto do DRCI, negou o pedido de acesso aos documentos. Ele argumentou que não seria possível avaliar a necessidade de sigilo do material. Dessa forma, disse, o compartilhamento poderia atrapalhar investigações em andamento.
A defesa de Lula recorreu e o caso caiu na mesa de Vladimir Passos, então secretário nacional de Justiça do ex-ministro Sergio Moro. Ele negou o pedido sob o mesmo princípio: poderia haver a necessidade de sigilo com relação aos documentos.
O terceiro pedido, desta vez encaminhado ao ministro da Justiça, André Mendonça, foi negado em 26 de junho. Mendonça acolheu parecer da Advocacia-Geral da União, afirmando que o DRCI possui "funções institucionais relacionadas apenas ao acompanhamento das peças necessárias à instrução do pedido de cooperação internacional, não tendo acesso à integralidade das informações constantes nos processos".
A AGU também disse que o fornecimento das informações poderia comprometer medidas judiciais eventualmente em andamento, tais como apreensão de passaportes, prisões e operações de busca e apreensão.
MS 22.627
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