Por atuar na produção de provas, Moro não poderia ter julgado caso Banestado
25 de agosto de 2020, 19h07
O magistrado que homologa acordo de delação não deve participar das negociações feitas entre as partes, muito menos tomar depoimento de um dos envolvidos. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou a sentença condenatória proferida pelo então juiz Sergio Moro no caso Banestado, a operação que o deixou famoso, em 2003.
Empatado, o julgamento desta terça-feira (25/8) foi resolvido com aplicação do in dubio pro reo. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entenderam que Moro pulou o balcão para se tornar acusador por ter colhido depoimento da delação premiada de Alberto Youssef e por ter juntado documentos aos autos depois das alegações finais da defesa.
Já o relator, ministro Luiz Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia, entenderam que o então juiz não estava impedido. De acordo com Fachin, ainda que fosse o caso de questionar os limites dos poderes instrutórios do juiz, não seria o caso de declarar a imparcialidade judicial e afastá-lo do processo.
Não faltaram críticas ao método de trabalho de Moro. O ministro Gilmar Mendes foi enfático e disse que o então juiz "atuou verdadeiramente como um parceiro do órgão de acusação na produção de provas que seriam posteriormente utilizadas nos autos da ação".
Mesmo que essa essa atuação não fosse suficiente para configurar a quebra de imparcialidade de Moro, Gilmar Mendes considerou que a atuação foi alinhada com a estratégia da acusação sobre as alegações finais da defesa.
"Os documentos juntados não poderiam ter sido utilizados para a formação do juízo de autoria e materialidade das imputações, uma vez encerrada a instrução processual", explicou o ministro.
Agora à superfície
"Coisas muitas estranhas aconteceram em Curitiba, naquela Vara Federal", disse o ministro Ricardo Lewandowski, sem citar diretamente a série de reportagens do site The Intercept Brasil, conhecida como "vaza jato".
De acordo com o ministro, somente agora o Supremo tem condições de "lançar um olhar mais verticalizado do que ocorreu efetivamente em determinados processos, apartando-se daquela interpretação mais ortodoxa e literal das hipóteses de impedimento e suspeição".
O ministro defendeu que o caso trata estritamente de analisar se houve ou não parcialidade de Moro. Segundo ele, "pouco importa que os atos processuais tenham sido praticados antes da lei que disciplinou a colaboração premiada", já que é sabido entre os magistrados da impossibilidade de atuar junto dos órgãos de acusação.
A atuação de Moro, disse, não se limitou à homologação dos acordos e a supervisão da colheita de prova. "Muito pelo contrário, o juiz exerceu funções típicas dos órgãos competentes para investigação e acusação. (…) Atuou concretamente para produção da prova de acusação em sede de investigação preliminar".
Politização prejudicial
Foi no caso Banestado que Alberto Youssef tornou-se parceiro dos investigadores do Paraná: o doleiro fez acordo de delação premiada e entregou diversos concorrentes do mercado de venda ilegal de dólares. A partir das declarações e documentos apresentados por Youssef, os investigadores — procuradores da República e agentes da Polícia Federal reunidos na chamada força-tarefa CC-5 — acusaram diversas pessoas de evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
O caso que a 2ª Turma julgou é de um dos alvos da força-tarefa, o doleiro Paulo Roberto Krug. O caso foi levado ao STF pelo advogado Cal Garcia, com base em parecer feito pelo professor da UFRJ Geraldo Prado. O julgamento havia sido iniciado em setembro de 2019, no Plenário virtual. No entanto, foi levado ao Plenário físico após o ministro Gilmar Mendes pedir vista.
A corrente de entendimento do relator, ministro Luiz Edson Fachin, foi que a participação de autoridade judicial na homologação do acordo de delação “não possui identidade com a hipótese de impedimento prevista aos casos de atuação prévia no processo como membro do Ministério Público ou autoridade policial”.
A oitiva dos colaboradores no juízo, disse Fachin, é uma tarefa “ínsita à própria homologação do acordo”, de forma que não pode configurar impedimento ou ser “equiparável às funções desempenhadas pelo Ministério Público ou pela autoridade policial, cujas atividades encontram-se intrinsecamente relacionadas à própria entabulação do acordo e à iniciativa probatória”.
O ministro votou para negar o recurso do doleiro, mantendo a compreensão de seu voto anterior, no qual ele critica a “politização por que têm passado os esforços por mais eficiência na justiça”.
“A polarização impõe um falso dilema à sociedade: ou se combate o ‘punitivismo’, ou retomaremos o arbítrio, como se o estado de coisas anterior, no qual grassou por anos a ineficiência e deitou raízes o cupim da República, fosse o único apanágio da democracia”, afirmou o ministro, que ressaltou a importância de não se afastar os precedentes da corte.
Não participou do julgamento o ministro Celso de Mello, afastado por licença médica.
Além de Cal Garcia, atuaram no processo os advogados Daniel Müller Martins, Eduardo Toledo e Maurício Dieter.
"A decisão do STF não inova. Ela reafirma a jurisprudência da Corte iniciada no julgamento da ADI 1.570, que declarou a vigência do sistema acusatório no país e, portanto, a separação entre as funções de acusar e julgar. No caso particular, foi reconhecida a violação de direitos fundamentais do acusado. O direito a ser julgado por juiz imparcial, como exigem a Constituição e o Pacto de San José da Costa Rica. O STF reconheceu que o juiz atuou como investigador e acusador — houve quebra da imparcialidade objetiva que determina o impedimento. Fez-se justiça e garantiu-se o devido processo ao Senhor Paulo Krug", afirma Cal Garcia.
Para Maurício Dieter, foi "uma vitória importante e histórica do devido processo legal contra delações temerárias e injustas, convalidadas de modo abusivo por magistrados que não sabem se distanciar da acusação".
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RHC 144.615
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