Privacidade e Dignidade

Dados pessoais de criança que engravidou após estupro devem ser retiradas do ar

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17 de agosto de 2020, 16h53

O juiz Samuel Miranda Gonçalves Soares, designado para o plantão da Comarca de São Mateus, no Espírito Santo, ordenou que o Google, o Facebook e o Twitter retirem do ar, em até 24 horas, informações pessoais sobre a menina capixaba de dez anos que engravidou após estupro. 

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A decisão liminar foi tomada depois que a Defensoria Pública do Espírito Santo entrou com uma ação civil pública. A peça indica links de postagens e notícias que colocam a criança e seus familiares em risco.

A ação, ajuizada pela defensora pública Maria Gabriela Agapito cita, entre outras coisas, uma publicação feita pela extremista Sara Giromini, que divulgou o nome da criança e o hospital em que ela estava internada. Giromini também aproveitou para criticar Olímpio Moraes, diretor-médico da unidade em que a menina fez o aborto.

"Quando a Defensoria se deparou com a exposição dos dados sigilosos dos processos — a indicação do nome da criança, o estado em que ela se encontrava e até mesmo o hospital que seria internada — considerou que houve uma violação aos direitos da intimidade, privacidade e dignidade da pessoa humana e até mesmo a colocação da menina em risco quanto à sua integridade física e psicológica, já que pessoas foram instadas a comparecer ao hospital", afirmou à ConJur a defensora. 

Inicialmente, Google, Twitter e Facebook foram notificados extrajudicialmente. A Defensoria, no entanto, considerou ser necessário o ajuizamento de ação, com pedido de tutela inibitória, para que o material saísse do ar.

"Essa é uma decisão importante para demonstrar que existe a responsabilidade dos provedores em fazer um filtro dos conteúdos que tenham discurso de ódio e violem direitos. Acima de quaisquer questões jurídicas a respeito do caso, a iniciativa da Defensoria Pública primou pelo resguardo do direito fundamental e inafastável à intimidade e privacidade da criança, que agora precisa seguir com sua vida sem essa exposição, para se recuperar dos traumas vividos", conclui Agapito

ECA
Os direitos à intimidade e privacidade da criança, mencionados pela defensora pública, são preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na própria Constituição Federal. 

É o que explica Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em direitos humanos pela PUC-SP, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Conadepe) e ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O artigo 17 do ECA determina que seja respeitada a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescentes, o que abrange a prevenção da imagem, da identidade, autonomia, valores, ideias e crenças, espaços e objetos pessoais. 

O estatuto também estabelece como dever da família, comunidade, sociedade em geral e do poder público "assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária".

"O direito ao respeito e a dignidade da criança foram violados com a divulgação das informações. Também incita ao crime, uma vez que impulsiona pessoas a irem ao hospital para praticarem violência contra a criança e contra os profissionais da saúde", diz Alves. 

Ele também ressalta que funcionários que vazam informações sigilosas cometem crime previsto no Decreto Lei 2.848/40. Segundo o artigo 325 da norma, é passível de pena de detenção de seis meses a dois anos "revelar fato que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação".

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