Justiça tributária

Nesta crise não se deve aumentar tributo — simples assim

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

6 de abril de 2020, 8h00

Spacca
Esta crise econômica é diferente das anteriores que, de forma quase decenal, assolam o mundo. Lembro, por volta de 2000, da crise das empresas “ponto com”, que fez submergir o índice Nasdaq, da Bolsa de Nova York. Lembro também da crise dos créditos “subprime” em 2008, que teve como marco inicial a quebra do banco Lehman Brothers.

A crise atual decorre de uma questão sanitária que atingiu o planeta e fez a economia parar. A rigor, o dinheiro não desapareceu, ele simplesmente empoçou, está parado nos mesmos lugares, como em uma poça d’água, e não circulando como deveria. A isso se chama de armadilha da liquidez.

O ponto central a ser abordado são as mirabolantes soluções tributárias que estão surgindo para enfrentar esta crise econômica, decorrente do coronavírus.

Ouve-se aqui e ali notícias sobre a criação de um empréstimo compulsório (que já foi objeto de análise por Evandro Azevedo), aumento do imposto sobre a renda das grandes empresas e de bancos, extinção da isenção dos dividendos, retorno da CPMF durante a crise e muitas outras hipóteses que visam aumentar a carga tributária. Existe até quem proponha uma tributação “especial” sobre os salários dos servidores públicos, disfarçada de redução de salários — isto em plena crise!

Sabe-se que no Brasil a carga tributária é alta e mal distribuída, concentrada nos mais pobres, fruto da exagerada tributação da sobre o consumo. Ocorre que nem mesmo as duas PECs — Propostas de Emenda Constitucional que tramitam no Congresso para tratar da Reforma Tributária aliviam esse problema — na verdade, o intensificam.

Discordo de quem advoga as teses acima, que poderiam ser adequadas para debate em períodos de normalidade, e não de um Estado de Emergência Financeira. Estamos em período de crise pandêmica, e os remédios tributários não surtirão efeitos positivos, apenas ajudarão a matar o paciente.

O que as pessoas físicas e jurídicas precisam neste momento é de: (1) mais prazo para pagar os tributos; (2) afastamento de multas e juros em razão do atraso que já ocorreu e dos que virão a ocorrer, se o pagamento não for postergado; (3) suspensão do pagamento das parcelas dos parcelamentos em curso, qualquer que seja o nível federativo e o regime adotado para sua concessão; (4) sistema ágil e imediato de compensação de créditos (ICMS dos exportadores, Pis e Cofins calculados sobre o ICMS, contribuição previdenciária sobre parcelas trabalhistas etc.); (5) expressa e imediata possibilidade de troca de garantias processuais, liberando o dinheiro que está judicialmente depositado por fianças bancárias ou seguro garantia (isso vale para as Justiças Estaduais, Federal e do Trabalho); (6) incentivos fiscais para as atividades econômicas diretamente envolvidas no esforço de guerra contra o vírus, tais como a produção de álcool em gel, máscaras hospitalares, ventiladores pulmonares, equipamentos médicos, e todo o arsenal necessário ao combate; (7) forte redução das obrigações acessórias nos três níveis de governo.

As medidas apontadas são meramente exemplificativas, e alcançam várias frentes de ação. José Tostes, Superintendente da Receita Federal, corretamente fez sua parte, alargando o prazo para a entrega da declaração de imposto sobre a renda das pessoas físicas, quando o Congresso pretendia fazer uma Emenda Constitucional para isso. Também o Banco Central agiu bem, ao prorrogar o prazo para entrega da Declaração de Capitais no Exterior. Vários Estados e Municípios também seguiram esta linha. Nesse sentido o Brasil segue a trilha adotada por vários países. O temor é que as vozes pró-tributação como solução para a crise aumentem e prevaleçam.

Observe-se que não se trata de uma reforma tributária. Definitivamente não é esse o escopo. São sugestões de medidas de emergência que devem ser adotadas para dar um fôlego à sociedade acossada por diversos medos, desde o de contrair a doença, até perder o emprego e a renda para se sustentar e à sua família.

O enfrentamento deve ocorrer pelo lado da despesa e não da receita pública. Deve-se aumentar o gasto com saúde pública – pois até os planos de saúde privados excepcionam em suas cláusulas contratuais o custeio de seus segurados em caso de pandemias. Deve-se mesmo aumentar o gasto com as equipes que estão à frente do combate – médicos, enfermeiros etc. Bônus e novas contratações são medidas a serem cogitadas. Porém certos gastos são inadmissíveis, ainda mais em períodos de crise, no que agiu bem o ministro Dias Toffoli ao coibir tal dispêndio estabelecido pelo TJ-CE.

O Brasil vai se endividar, mas isso é para ser combatido em um segundo momento. Talvez nem seja o caso de apenas fazer dívidas, mas também usar parte dos US$ 350 bilhões de reservas que o Brasil acumulou por vários anos e que se encontram depositadas no exterior. Porque não usar parte desse dinheiro, ao invés de emitir títulos públicos, o que aumentaria a dívida? Não se trata da caixa forte do Tio Patinhas, conforme ouvi de uma amiga, mas é um montante considerável para este combate.

Não há dúvida que haverá enorme contração econômica, que deve ser enfrentada posteriormente, com as medidas adequadas e necessárias no futuro, quiçá seja próximo. Agora é hora de salvar vidas, e não de aumentar a carga tributária, que fará com que as empresa percam o pouco fôlego que ainda lhes resta e acabem aumentando o problema, demitindo seus empregados, e não pagando seus fornecedores, o que piorará a crise em curso, como já comentei anteriormente. Os governos precisam agir, e não apenas prometer agir — entre o discurso e o fato existe um enorme abismo.

O enfrentamento desta crise não passa pelo aumento de tributos. Trata-se de um erro de perspectiva que pode ceifar vidas.

Autores

  • é Professor Titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados.

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