O “bate-papo secreto” do procurador da República Deltan Dallagnol foi com bancos que também são réus na ação coletiva ajuizada contra a Petrobras nos Estados Unidos. O encontro foi bancado pela XP Investimentos, mas o procurador nega que tenha recebido para falar com os representantes dos bancos. E diz não ver conflito de interesses no encontro, já que, segundo ele, o Ministério Público Federal não se envolveu na ação dos EUA e o assunto não foi discutido no dia.

MP-RJ
A conversa com representantes dos bancos aconteceu em São Paulo em junho de 2018. As informações estão em mensagens de Telegram trocadas entre Deltan e uma consultora da XP, divulgadas pelo site The Intercept Brasil.
Segundo a consultora, participariam do encontro representantes dos seguintes bancos: JP Morgan; Morgan Stanley; Barclays; Nomura; Goldman Sachs; Merrill Lynch; Credit Suisse; Deutsche Bank; Citibank; BNP Paribas; Natixis; Société Générale; Standard Chartered; State Street Macquarie; Capital; UBS; Toronto Dominion Bank; Royal Bank of Scotland; Itaú; Bradesco; Verde e Santander, conforme o Intercept
E os bancos que foram arrolados como réus na ação coletiva contra a Petrobras nos EUA são: BB Seguradora; Citigroup; J.P. Morgan; Itaú BBA USA Securities; Morgan Stanley; HSBC Securities; Mitsubishi UFJ Securities;, Merrill Lynch; Pierce, Fenner & Smith; Standard Chartered Bank; Bank of China (Hong Kong); Bradesco BBI; Banca IMI S.p.A. and Scotia Capital (USA); e PricewaterhouseCoopers (“PwC Brazil”), conforme consta do processo, divulgado neste site.
Em negrito, os bancos que constam das duas listas.
Na ação contra a Petrobras em território norte-americano estão acionistas da empresa que negociaram papeis na Bolsa de Nova York. Eles acusam a empresa de ter negligenciado seus sistemas de controle interno, o que permitiu que um esquema corrupto se instalasse na estatal. Esse esquema corrupto foi descoberto pelas investigações da “lava jato”, coordenadas por Deltan a partir de Curitiba.
Os bancos foram arrolados como réus porque deram aval ao sistema de controle interno da Petrobras durante o período investigado e chancelaram as auditorias feitas na companhia. Mas nenhum deles arcou com a multa paga no processo, como parte do acordo assinado com os acionistas.
A Petrobras pagou, sozinha, os US$ 3 bilhões. A PwC, auditora contratada pela estatal, fez um acordo separado em que pagou multa de US$ 50 milhões.
Mas, para Deltan, não houve conflito de interesse. O encontro com os bancos na capital paulista não discutiu a ação que corria nos EUA, mas aconteceu apenas para “tratar da pauta anticorrupção”, conforme disse a assessoria de imprensa do MPF no Paraná à ConJur.
“Na ocasião, o procurador tratou de informações de domínio público e não abordou o tema da class action [ação coletiva, nos EUA]. Dadas as circunstâncias descritas, especialmente a gratuidade do encontro e o tema abordado, não há qualquer sombra de conflito de interesses na referida atividade”, afirma o MPF paranaense.
Unidos contra a corrupção
Segundo o MPF, o encontro de Deltan com os bancos foi para tratar da campanha “Unidos contra a Corrupção”, capitaneada pelo procurador. Ele também diz ter levado com ele um representante de Transparência Internacional, “ONG” internacional financiada por vários governos da Europa e por agências governamentais dos EUA que apoiou a “lava jato” e seus protagonistas.
A campanha era, na verdade, parte da campanha política dos procuradores da “lava jato” encabeçada por Deltan. Conforme mensagens de Telegram obtidas pelo Intercept e divulgadas pela Folha de S.Paulo, o procurador pretendia usar a fama que conseguiu com as investigações para ganhar dinheiro com palestras e lançar a si e a colegas candidatos ao Senado.
Deltan não se candidatou ao Senado, mas comemorou o resultado das eleições de 2018 ao Congresso.
Em junho de 2018, um mês depois de ser convidado pela XP para falar com bancos internacionais, Deltan convidou Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, para dar um curso na faculdade Damásio de Jesus. O objetivo era divulgar a campanha “Unidos contra a Corrupção”, disse, numa mensagem.
Quando foi convidado pela XP, em maio de 2018, Deltan chegou a perguntar à consultora que o convidou se havia remuneração, mas a conversa tomou outro rumo e ela não respondeu. Mas, para provar que os encontros eram secretos, disse que encontros daquele tipo já haviam acontecido com os ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, todos do Supremo Tribunal Federal, e nunca foram noticiados.
Barroso e Alexandre negaram ter participado de encontros do tipo. Ambos deram palestras públicas, transmitidas pela internet, em eventos da XP.
Fundação sem fundos
Tanto o MPF quanto a Petrobras negam que a ação coletiva tenha ligação com a “lava jato”. Formalmente, não existe conexão mesmo. Mas foi o acordo assinado com a Petrobras na ação coletiva que criou uma fundação a ser alimentada com dinheiro do acordo para financiar iniciativas de combate à corrupção, conforme mostrou reportagem da ConJur.
E foi Deltan Dallagnol quem criou uma fundação, com dinheiro da Petrobras, para financiar iniciativas de combate à corrupção. O controle dessa fundação ficaria com o MPF em Curitiba, mas o acordo que previu tudo isso foi suspenso pelo ministro Alexandre de Moraes, por desvio de função — o MPF não tem competência para decidir sobre o destino do dinheiro, que deveria ter para o Tesouro.
A fundação de Deltan seria alimentada pelo dinheiro pago pela Petrobras para encerrar as investigações nos EUA, tocadas pelo Departamento de Justiça daquele país (DoJ, na sigla em inglês).
A Petrobras nega que os fundos tenham relação entre eles, mas o cofre é o mesmo — o da estatal. E o acordo firmado na ação coletiva não dá detalhes sobre como é a gestão do dinheiro e nem que ficou a cargo de distribuí-lo.
Comentários de leitores
14 comentários
Destinação da recuperação do produto do roubo no brasil
João Batista de Assis Pereira (Administrador)
No Brasil é assim mesmo. A destinação da recuperação de parte do que foi roubado no Petrolão, ou a indenização por danos morais ou roubalheiras desenfreadas não vai para o lesado, mas para uma inusitada instituição ou colocada a disposição do governo para dar a destinação final. No caso dos 2,5 bilhões que foram devolvidos pelo DOJ dos EUA que deveria retornar a Estatal ou para o investidor privado que foi lesado vai ter sua destinação final para o Ministério da Educação para diminuir o contingenciamento nas despesas da educação, ou para o desmatamento da Amazônia Brasileira para diminuir o atrito do Bolsonaro com o Macron ou daqueles resultantes de outras falácias.
A Procuradoria-Geral da República, a Câmara dos Deputados e o Palácio do Planalto - por meio da Advocacia-Geral da União (AGU) - fecharam acordo para que R$ 1,06 bilhão do Fundo da Lava Jato seja direcionado às ações de prevenção, fiscalização e combate ao desmatamento e outros ilícitos ambientais nos Estados da Amazônia Legal, incluindo a faixa de fronteira. Outro R$ 1,6 bilhão será destinado para a Educação. Um requerimento conjunto para destinação dos valores ainda deverá ser homologado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)
Qualquer que seja a escolha, será bastante criticado por todos aqueles que conhecem os fundamentos quanto a correta destinação da recuperação de parte da roubalheira ocorrida no Petrolão. O que podemos dizer dessa prática?
Pois bem, a Dilma sofreu impeachment por conta de pedaladas fiscais, agora o Bolsonaro quer seguir a mesma sorte ao pedalar com recursos do investidor privado?
E os fundos de pensão, serão ressarcidos dos extravios?
João Batista de Assis Pereira (Administrador)
O fundo de pensão dos empregados da Petrobras a PETROS foi lesada no Petrolão a partir de uma Petrobras aparelhada, ocasião em que sindicalistas incrustados na estatal, lobistas, políticos corruptos e funcionários de péssima reputação do alto escalão, do nível de um Pedro Barusco, não se abstiveram de roubar apensa a Petrobras e partiram para assaltar a PETROS.
Não podemos esquecer casos emblemáticos como a compra superfaturada de bilhões de reais em ações da holding do Itaú, a Itaúsa (ITSA 3 e 4). Os negócios fraudulentos continuaram a ser operacionalizados em série na PETROS, aumentado o prejuízos bilionários, como por exemplo, as participações nas FIP's para aquisições de sondas para o pré-sal fruto da roubalheira instituída na Sete Brasil para extorquir fundos de Pensões e Bancos, além do nefasto envolvimento com o Grupo empresarial J&F na FIP Florestal da Eldorado Celulose. Ate o momento não foi relatada a devolução de valores substanciais dessa roubalheira generalizada à PETROS.
Inaplicabilidade da lei no ressarcimento dos prejuízos
João Batista de Assis Pereira (Administrador)
No Direito brasileiro a Petrobrás é definida como sociedade anônima de economia mista regida pelo direito privado – artigos 61 da Lei 9.478/1997 e 235 da Lei das Sociedades Anônimas (LSA).
É na esfera cível que se dá o ressarcimento dos prejuízos causados pela corrupção. Apesar de provocar menor comoção popular, a área cível é tão ou mais importante que a penal. Afinal, a maioria dos brasileiros não vive da esfera penal, mas, sim, do bom funcionamento da economia regida por normas de direito privado. Laureados com o Nobel, Ronald Coase e Douglass North demonstraram que o desenvolvimento econômico depende da segurança que as instituições jurídicas promovam ao proteger a propriedade privada, imobiliária ou mobiliária. A primeira refere-se à propriedade de bens imóveis e a segunda, à propriedade de valores mobiliários ou títulos de investimento, tais como ações de sociedades anônimas.
Não podemos jamais olvidar que o sucesso do combate à corrupção abrange necessariamente a compensação dos prejudicados, dependendo da correta identificação de quem é a propriedade lesada ou a quem pertence o dinheiro desviado. É justamente na reparação que a Lava Jato mais vem deixando a desejar e, particularmente nesse caso torna-se emblemático. É necessário rigor técnico ao distinguir o dinheiro público do privado desviado de sociedades anônimas, tais como Petrobrás, Eletrobrás e JBS.
Que estória é essa. A Petrobras não pode ser considerada dona singela e absoluta do dinheiro que foi recuperado e não poderia entregá-lo para a Lava Jato administrar.
Comentários encerrados em 23/10/2019.
A seção de comentários de cada texto é encerrada 7 dias após a data da sua publicação.