visão de quem julga

Desembargadores federais fazem balanço da operação "lava jato"

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5 de novembro de 2019, 7h11

A operação “lava jato” vem dividindo a opinião de desembargadores federais. Entrevistados para a próxima edição do Anuário da Justiça Federal 2020, que será lançando no dia 28 de novembro no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, alguns reconheceram a importância da operação como marco de combate à corrupção em setores de infraestrutura do Brasil, outros a veem apenas como mais uma entre tantas operações da Polícia Federal em curso, e outra parcela de desembargadores faz críticas contundentes ao modo de atuação de delegados, procuradores, juízes e a mídia na forma de narrar os acontecimentos dos últimos quatro anos.

Para o desembargador federal Roy Reis Friede, atual presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), operações do porte da “lava jato” só foram possíveis por uma preparação iniciada há quinze anos, quando o Conselho da Justiça Federal anteviu a necessidade de criar varas especializadas em organizações criminosas e, por iniciativa do ministro Gilson Dipp, editou a Resolução 314, de 2003.

A segunda observação de Friede é que a operação está servindo como “laboratório” para o aperfeiçoamento de institutos como o da colaboração premiada. “Nos Estados Unidos, por exemplo, o prosecutor tem liberdade estratégica para firmar acordos, definindo os termos da colaboração. Diferentemente, no Brasil ainda há muita burocracia judicial e os benefícios e limites da colaboração dependem de homologação do juiz, podendo, ainda, ser revistos em instância superior”, comenta.

A terceira observação que o desembargador faz é comportamental: as autoridades que conduzem a investigação, a acusação, a instrução dos processos e o julgamento têm de estar atentas aos riscos da exposição pública. “Transparência não é sinônimo de espetáculo, até porque há prescrições explícitas da lei sobre manifestações na imprensa e nas redes sociais”, adverte Reis Friede.

Simone Schreiber, desembargadora também do TRF-2, diz que a “lava jato” inaugurou um novo patamar de relação de juiz com a imprensa. "O que a imprensa divulga não pode influenciar o desfecho do processo. O julgamento justo tem que se basear na verdade processual”, diz.

A desembargadora conhece do assunto: é autora do livro A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais, resultado de sua tese de doutorado, defendida em 2008. Ela explica que a publicidade opressiva se caracteriza quando o noticiário sobre um processo fica tão ostensivo que a situação dos réus ou investigados fica prejudicada. A campanha midiática torna-se tão agressiva que um julgamento imparcial se torna impossível, diz.

Observa que na operação “lava jato”, o ex-juiz federal e hoje ministro da Justiça Sergio Moro claramente recorreu à imprensa e à opinião pública. “Numa palestra de 2016, em São Paulo, ele disse o seguinte: ‘Eu me disponho a ir até o final nos meus casos, mas esses casos envolvendo graves crimes de corrupção e figuras públicas poderosas só podem ir adiante se contarem com o apoio da opinião pública e da sociedade civil organizada. Esse é o papel dos senhores’. Ao mesmo tempo em que ele diz que julgará de acordo com a lei, conclama a sociedade a apoiá-lo. E é evidente que o papel da imprensa na condução e no desfecho desses processos foi fundamental em vários momentos”, afirma.

Para Schreiber, a exposição de pessoas também foi uma forma de pressioná-las a fechar acordos. “Não só a prisão, mas a divulgação de informações privadas, vazamentos de conversas telefônicas constrangedoras e a exposição são bem importantes para que ela se sinta compelida a assinar o acordo de colaboração. E mesmo que a denúncia seja rejeitada ou a pessoa seja absolvida, já se criou um estigma”, avalia.

A desembargadora vai além e critica o status que o Ministério Público alcançou: “O MP conseguiu um espaço de poder de investigação que não está na Constituição, mas eles foram fazendo e, em determinado momento, depois que já tinham feito investigações importantes, mesmo sem previsão constitucional ou legal, foram autorizados. Então é uma atuação institucional de obter prestígio junto à sociedade”.

“É engraçado: os juízes que prendem mais sempre partem da premissa de que o juiz mais rigoroso precisa de uma dose extra de coragem. E agora, com essa onda de punitivismo apoiada pela mídia que apareceu com a ‘lava jato’, o juiz que manda soltar também precisa de uma dose extra de coragem. O que vejo, na verdade, é uma coisa muito ruim, que é o MP acossar a imprensa para atacar juiz que concede liberdade, como aconteceu. E isso fica sendo insuflado pela imprensa, o que é difícil”, diz Simone Schereiber. “Até que ponto essas manifestações são legítimas e até que ponto são indevidas por impedirem o Judiciário e as instituições de funcionar como deveriam?”

O desembargador federal Otávio Peixoto Júnior, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS), manifesta total reprovação à operação: “Pela forma como foi conduzida, nunca tive simpatia pela denominada operação e no atual cenário de revelações o sentimento é de repulsa. A questão principal é a imparcialidade, que na minha opinião em mais de um processo não foi observada, notadamente no do ex-presidente [Lula], o que além do desrespeito a direitos das pessoas atingidas também prejudica a imagem do Poder Judiciário.”

Já o colega de corte, desembargador federal José Lunardelli, trata a operação como mais uma e diz que é precipitado falar em legado. “A ‘lava jato’ é uma entre as centenas de operações realizadas pela Polícia Federal, tem sua importância no combate à corrupção, como as outras também têm na prevenção e punição de vários crimes. Todas operações têm acertos e erros. Dada a dimensão que a ‘lava jato’ alcançou, fica mais exposta e ainda é cedo para saber quais os resultados que deixará para a sociedade”, afirma.

O desembargador Nino Toldo disse não opinar sobre a “lava jato”, mas destaca a importância do que se descobriu no âmbito da operação e diz que “a lei deve ser respeitada sempre, por todos aqueles que atuam nas investigações e no processo penal, polícia, membros do Ministério Público, advogados e juízes, de qualquer grau de jurisdição”.

Também do TRF-3, Marli Ferreira destaca que “a transparência e publicidade das operações foram bons resultados, com as punições adequadas, de molde a desestimular as ações de agentes corruptos e corruptores. A investigação foi perfeita”, avalia. Sobre a troca de mensagens revelada pelo portal The Intercept Brasil, diz que “em tese, entendo que as questões levadas a conhecimento público pelo hacker, ajustado com o jornalista, não se constitui em conduta apta a impor censura às partes em diálogo”.

O desembargador Johonsom di Salvo segue a mesma linha e diz que não é preciso colocar limites ao Ministério Público. “O MP não está abusando do seu poder; pelo contrário, o órgão age em estrita observância da lei. No ponto, criminosas interceptações telefônicas não podem ser usadas contra as vítimas (procuradores, juízes, autoridades) em favor de criminosos e dos próprios malfeitores que burlaram a Constituição e a Lei 9.296”, diz.

Sobre a lei de abuso de autoridade, diz que “o que se busca agora é cabrestar o Judiciário, a polícia e o MP, num período em que, com amplo apoio popular, essas instituições vêm combatendo a corrupção que se encastelou no país e teima em sair. Todos os resultados obtidos com a operação foram bons, especialmente a revelação para a sociedade brasileira da corrupção encontrada nas investigações”.

O desembargador Fausto De Sanctis, em evento da Faculdade de Direito de Santo André (Fadisa), considera que a operação "não foi exitosa". Culpou a prerrogativa de foro, e chamou de “esdrúxula” a função do Supremo Tribunal Federal em ser o único órgão competente para julgá-lo. “Decisões do nosso Supremo, divorciadas da realidade, não servem para nada. Nossas instituições não estão funcionando quanto ao crime organizado econômico,” criticou.

Os desembargadores do TRF-1 (DF mais 13 estados) adotaram um tom de prudência quando perguntados sobre a operação “lava jato”, mas alguns deles já externaram, por meio de declarações, posição sobre algumas decisões relacionadas à operação. O desembargador Ney Bello, colunista da ConJur, tem sido um dos mais enfáticos, não apenas em suas decisões como também em declarações dadas desde o ano passado.

Em abril de 2018, Bello afirmou, por meio de nota, que o então juiz federal Sergio Moro tinha determinado às autoridades públicas a “descumprir ordem judicial” ao peitar o juiz convocado do tribunal Leão Aparecido Alves e manter a extradição de Raul Schmidt, alvo da Lava Jato preso em Portugal.

“A instigação ao descumprimento de ordem judicial emitida por um juiz autoriza toda a sociedade a descumprir ordens judiciais de quaisquer instâncias, substituindo a normalidade das decisões judiciais pelo equívoco das pretensões individuais”, afirmou o desembargador.

Em relação ao episódio de quando dois ou mais juízes se entendem competentes para decidirem sobre o mesmo caso o ordenamento jurídico brasileiro prevê solução para a controvérsia, em procedimento denominado conflito de competência, explica. “É inimaginável, num Estado Democrático de Direito, que a Polícia Federal e o Ministério da Justiça sejam instados por um juiz ao descumprimento de decisão de um tribunal, sob o pálido argumento de sua própria autoridade”, comentou.

Para Carlos Moreira Alves, presidente do TRF-1, o que se convencionou denominar de operação “lava jato” nada mais é que uma em um conjunto de operações que se voltam ao combate de desvios de conduta de agentes do poder público. “Em se tratando de Poder Judiciário, cada caso concreto envolve situação individual, suscetível de ser analisada e decidida à luz da prova em relação a ela, com respeito ao devido processo legal, pois em um Estado Democrático de Direito, temos de ter todos os instrumentos de defesa a serviço das partes, respeitados e sopesados pelo órgão julgador. As avaliações quanto ao balanço parcial das operações do poder público, quaisquer que sejam as gradações hierárquicas, mostram que o Poder Judiciário está exercitando seu papel nesse momento difícil de nossa história democrática. Tudo demonstra aprimoramento das nossas instituições”, comentou Alves.

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