Olhar Econômico

Registro internacional de marcas está prestes a ser facilitado no Brasil

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

11 de julho de 2019, 11h22

Spacca
O fato de vários exibidores terem deixado de comparecer à Exposição Universal de Viena, em 1873, por receio de terem seus inventos copiados e lançados comercialmente, à sua revelia, teve uma consequência útil. Os seguintes tratados internacionais foram concluídos intencionando proteger em outros países, que não o de origem, a propriedade industrial, literária e artística: (i) Convenção para a Proteção da Propriedade Industrial, em Paris, em 1883, que dizia respeito a marcas, patentes e desenhos industriais; (ii) Convenção para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas, em Berna, em 1886; e (iii) Acordo sobre Registro Internacional de Marcas, em Madri, em 1891. Este último tratado, conhecido como Sistema de Madri para Registro Internacional de Marcas, foi a primeira ação internacional para favorecer o registro de marcas em vários Estados.

Os secretariados da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (1883) e da Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas (1886) fundiram-se, em 1893, criando a Secretaria para a Proteção da Propriedade Intelectual, com sede em Berna. Essa secretaria transformar-se-ia na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi), em 26 de abril de 1970, por força da entrada em vigor da Convenção de Estocolmo, concluída em 14 de julho de 1967. A Ompi, com sede em Genebra e com 192 membros, é agência especializada da ONU, desde 1974.

O Acordo de Madri sobre Registro Internacional de Marcas (1891), por apresentar falhas estruturais, não logrou ter entre seus membros os Estados mais relevantes para o comércio internacional. Em vez de se reformar o referido acordo, preferiu-se negociar um novo tratado, com o objetivo de estabelecer um sistema fácil e econômico de registro internacional de marcas, tanto de produtos, como de serviços. Sob os auspícios da Ompi, concluiu-se, então, em 1989, o Protocolo ao Acordo de Madri, em vigor internacional desde 1º de dezembro de 1995, que começou a ser aplicado em 1 de abril de 1996. Inobstante intitular-se “protocolo”, trata-se de um tratado internacional autônomo.

Atualmente, o Sistema de Madri para Registro Internacional de Marcas (Sistema de Madri), que objetiva permitir o registro de marcas em grande número de Estados, é constituído por dois tratados internacionais distintos, autônomos, com regras e membros próprios: o Acordo de Madri (1891) e o Protocolo de Madri (1989). O Brasil foi membro do acordo de 1891, por alguns anos, de meados da segunda década do século XIX até a promulgação da denúncia, efetivada pelo Decreto 196, de 31 de dezembro de 1934, assinado por Getúlio Vargas. O Acordo de Madri chegou a possuir 55 Estados-membros, mas, atualmente, todos eles passaram a fazer parte, também, do Protocolo de Madrid. Dessa forma, de um lado, várias disposições do Acordo de Madri tornaram-se, praticamente, sem efeito; e de outro, o protocolo passou a ser válido e efetivo em todo Sistema de Madri. O protocolo de 1989 conta com 104 membros, que em sua totalidade corresponde a 80% da economia mundial. Grande reforço foi dado ao protocolo, em 2003 e 2004, quando, respectivamente, os Estados Unidos e a União Europeia a ele aderiram.

Os Estados-partes em ambos os tratados compõem e são tidos como partes contratantes da União de Madri para o registro de marcas, nos termos do artigo 19 da Convenção de Paris de 1883[1].

O Sistema de Madri: (i) é administrado centralmente pela Secretaria Internacional da Ompi, que se encarrega do registro internacional e publica a Gazeta de Marcas Internacionais; e (ii) possui um regulamento comum de execução, que é atualizado de tempos em tempos. O texto em vigor foi adotado em 31 de janeiro de 2019, tendo passado a vigorar, internacionalmente, no dia seguinte.

A edição pelo Senado Federal do Decreto Legislativo 49, de 28 de maio de 2019, possibilitou a adesão do Brasil ao Protocolo de Madri e ao respectivo Regulamento Comum de Execução. Três meses após o recebimento, pela Ompi, do requerimento de adesão enviado pelo governo brasileiro, isto é, a 2 de outubro de 2019, o Brasil passará a ser, internacionalmente, membro do protocolo. Entretanto, este somente será válido e executório no território nacional quando houver a publicação do decreto executivo e do texto do protocolo no Diário Oficial da União[2].

Estando o Brasil prestes a se tornar membro do Protocolo de Madri, importa verificar o sumo dos artigos desse protocolo que dizem respeito à dinâmica do registro internacional:

Nos termos do artigo 1º, cujo nome é “Membros da União de Madri”, os Estados e as organizações internacionais partes no protocolo são membros da União de Madri.

O artigo 2º (“Obtenção da proteção mediante o registro internacional”) assevera que marca registrada junto à administração de uma parte contratante (registro de base) pode conseguir a proteção da sua marca no território das partes contratantes por meio do registro dessa marca no registro da Secretaria Internacional da OmpiI (registro internacional), desde que presentes certos pressupostos.

O artigo 3º, nomeado “Pedido internacional”, determina que o pedido internacional, acompanhado por várias certificações feitas pela administração de origem, precisa ser apresentado no formulário prescrito no regulamento de execução. Cabe ao requerente indicar: (i) os produtos e serviços para os quais requer a proteção da marca; (ii) bem como, em sendo possível, a classe ou classes correspondentes; e (iii) algumas especificações caso a cor seja elemento diferencial da marca. A secretaria internacional deve registrar as marcas depositadas de imediato, havendo algumas especificações quanto à data a ser atribuída ao pedido internacional

Ao teor do artigo 3º bis (“Efeito territorial”), a proteção derivada do registro internacional somente se estende à parte contratante por requerimento do depositante do pedido internacional ou do titular do registro internacional. O pedido de extensão pode ser efetuado tanto no pedido internacional quanto após o registro internacional. Essa extensão territorial produz efeitos a partir da data em que for inscrita no registro internacional, perdendo seu valor na data em que expirar o respectivo registro internacional.

Conforme o artigo 4º (“Efeitos do registro internacional”), a partir da data do registro ou da inscrição feita em conformidade com o protocolo, a proteção da marca em cada uma das partes contratantes interessadas é idêntica à da marca depositada diretamente junto à administração dessa parte contratante. Em não havendo notificação de recusa à secretaria internacional, a proteção da marca na parte contratante interessada é, a partir da referida data, idêntica à da marca registrada pela administração dessa parte contratante.

O artigo 4º bis, intitulado “Substituição de um registro nacional ou regional por um registro internacional”, reza que, preenchidos certos pressupostos, marca em nome da mesma pessoa, objeto de um registro nacional ou regional efetuado junto à administração de uma parte contratante e também objeto de um registro internacional, fará com que este registro substitua o registro nacional ou regional, sem prejuízo de direitos adquiridos em virtude deste último registro.

De acordo com o artigo 5º, cognominado “Recusa e invalidação dos efeitos do registro internacional a respeito de certas partes contratantes”, a administração de uma parte contratante à qual a secretaria internacional tenha notificado uma extensão a essa parte contratante, da proteção resultante do registro internacional, pode, motivadamente, declarar que tal proteção não pode ser concedida, na referida parte contratante, à marca que é objeto dessa extensão.

O artigo 6º, nominado “Duração da validade do registro internacional; dependência e independência do registro internacional”, consigna que o registro de uma marca na secretaria internacional possui a duração de dez anos, podendo ser renovado. Transcorridos cinco anos da data do registro internacional, este registro pode, em certas condições, tornar-se independente do pedido de base ou do registro resultante desse pedido de base; ou ainda do registro de base, conforme o caso.

No artigo 8º, chamado “Taxas relativas ao pedido internacional e ao registro internacional”, consta o regime das taxas a serem cobradas pela administração de origem e pela secretaria internacional, fixando para esta a destinação dos valores recebidos.

O artigo 9º, “Inscrição de uma mudança de titular do registro internacional”, permite que a pessoa em cujo nome está inscrito o registro internacional, ou a requerimento de uma administração interessada, a secretaria internacional pode, em certas circunstâncias, inscrever no registro internacional qualquer mudança do titular desse registro, em relação a todas ou algumas das partes contratantes em cujos territórios o referido registro produz efeitos e em relação a todos ou alguns dos produtos e serviços enumerados no registro.

No artigo 9º quater (“Administração comum a vários Estados contratantes”), autoriza-se aos Estados contratantes, que unificarem suas legislações nacionais em matéria de marcas, a notificar: i) que uma administração comum substitui a administração nacional de cada um deles; e ii) que o conjunto dos respectivos territórios deve ser considerado como um só Estado para a aplicação total ou parcial das disposições do protocolo.

O artigo 11, referido como “Secretaria Internacional”, afirma que as tarefas relativas ao registro internacional, bem como todas as outras tarefas administrativas, devem ser executadas pela secretaria internacional.

O artigo 14, chamado “Modalidades segundo as quais se pode ser parte do Protocolo”, diz que: (i) qualquer Estado parte da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial pode ser parte do presente protocolo; e (ii) qualquer organização intergovernamental, desde que preencha certas condições.

A guisa de conclusão, diga-se que o sistema do protocolo é solução simples, eficiente, transparente e vantajosa, inclusive em termos de prazo de tramitação e de custos, quer para registrar, quer para administrar marcas, internacionalmente. A solicitação de registro internacional, feita ao Escritório Internacional da Ompi pela administração de origem (no caso do Brasil, o Inpi), assim como a respectiva modificação, renovação ou expansão pode ser realizada com um único documento, conseguindo-se a proteção da marca no âmbito da União de Madri, que atualmente conta com 104 países. A maior fruição do protocolo depende da atualização da legislação marcária brasileira. Esse esforço valerá a pena, pois contribui para alavancar o comércio internacional do Brasil e, consequentemente, a economia brasileira.


[1] Art. 1 – “Os países a que se aplica a presente Convenção constituem-se em União para a proteção da propriedade industrial”.
Art. 19 – “Fica entendido que os países da União se reservam o direito de, separadamente, celebrar entre eles acordos particulares para proteção da propriedade industrial, contanto que, esses acordos não contrariem as disposições da presente Convenção”.
[2] “A ratificação internacional (ou a adesão) … feita pelo Executivo, depende de aprovação do tratado pelo Congresso Nacional …; tal ratificação (ou adesão) é sempre precedida de decreto do Executivo, assinado pelo Presidente do Senado Federal.
A incorporação do ato internacional à legislação dá-se pela sua promulgação através de decreto do Executivo, que torna público o seu texto e determina sua execução”. (…) A publicação, que se segue à promulgação, é condição de eficácia da lei …” Rodas, João Grandino, A Publicidade dos Tratados Internacionais, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1980, p. 203/204.

Autores

  • é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!