"Ineficaz e covarde"

Se ordenar "abate", Witzel pode responder por homicídio, afirma procurador

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9 de novembro de 2018, 14h29

Se, quando assumir o governo do Rio de Janeiro, o ex-juiz Wilson Witzel (PSC) ordenar formalmente que policiais atirem para matar quem estiver portando fuzil, ele pode ser denunciado por homicídio.

Tânia Rego / Agência Brasil
Wilson Witzel promete adotar "linha dura" no combate ao crime no Rio.
Tânia Rego / Agência Brasil 

Witzel entende que, ao disparar contra quem está armado com um fuzil, o policial agiria em legítima defesa. "A autorização está no artigo 25 do Código Penal: o policial estaria agindo em legítima defesa de si próprio e da sociedade para repelir uma agressão iminente. Não é sair atirando para matar. Acontece que quem está portando uma arma de guerra certamente não está disposto a conversar ou negociar com as forças policiais e está na iminência de matar pessoas inocentes", disse o governador eleito. "Como professor e conferencista de Direito Penal há muitos anos, esta é a minha posição. Como governador, vou orientar que os policiais ajam desta forma, exatamente nos termos da lei. Mas a polícia será mais bem treinada e preparada, as operações serão mais cirúrgicas e filmadas, para evitar ilegalidades”, explicou o ex-juiz à ConJur.

A interpretação não faz muito sentido, segundo especialistas ouvidos pela ConJur. O artigo 25 do Código Penal define legítima defesa como reação a uma "injusta agressão, atual ou iminente".

“O discurso da autorização administrativa é absurdo. Quem vai avaliar se o policial agiu em legítima defesa é o promotor. E se o promotor discordar dele? O policial vai ficar jogado à própria sorte”, afirma o procurador da República Eduardo Santos de Oliveira Benones, coordenador do Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro.

Nenhuma leitura do dispositivo, diz ele, permite a policiais atirarem em quem estiver armado com fuzil com base na defesa da sociedade, se não houver disparos ou ameaças.

“Não estou sugerindo que o policial receba um tiro primeiro. Quem tem que avaliar o ambiente operacional é o policial. Mas é preciso estar na iminência da agressão. Isso vai ser objeto de prova", explica o procurador. "Essa afirmação de que o policial age em legítima defesa é uma interpretação, mas o policial pode depois responder por homicídio, perder a carreira e até a vida, porque pode iniciar conflitos.”

Como a Constituição Federal proíbe a pena de morte, qualquer ato administrativo ou lei que autorizasse a “execução sumária” de pessoas seria “flagrantemente inconstitucional”, analisa o procurador. E qualquer integrante do Ministério Público poderia provocar a Procuradoria-Geral da República a pedir a anulação da norma no Supremo Tribunal Federal.

E não só: se ficar provado que um policial matou alguém por ordem expressa e direta do governador, o governador também pode ser denunciado por homicídio, diz Benones. Witzel seria acusado de coautoria.

Além disso, o coordenador do Controle Externo da Atividade Policial do MPF-RJ considera a proposta do governador eleito ineficaz e “covarde”. “Não podemos transformar um problema econômico, urbano e social em um mero problema de ordem militar. Considero uma atitude covarde com o policial. Quem vai sofrer as consequências, ficar na linha de frente, é o policial – o praça, não o coronel; o investigador, não o delegado”, criticou Benones.

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