Governo do RJ

Como juiz, Witzel era dito rigoroso pelos pares e autoritário por advogados

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26 de outubro de 2018, 19h15

Em sua primeira eleição, o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC) é o favorito para vencer a disputa pelo governo do Rio de Janeiro. De acordo com pesquisas do Ibope e do Datafolha, ele tem 56% das intenções de voto no segundo turno, contra 44% de seu concorrente, o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM).

TV PUC-Rio
Witzel defende criação de força-tarefa para combater o crime no Rio de Janeiro.
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Como candidato, Witzel promete agir da mesma que forma exerceu a magistratura: duro na aplicação da lei e rigoroso com a defesa. É uma postura que por vezes transbordou em autoritarismo, contam advogados, mas que resultou em boa fama entre os pares.

Witzel também coleciona polêmicas por ter acumulado benefícios recebidos como juiz e como professor.

Juiz por 17 anos, Witzel afirmou à ConJur que, se eleito, sua experiência com processos penais irá ajudá-lo a combater o crime organizado. “O Rio de Janeiro sofre com uma violência absurda e uma corrupção em níveis jamais vistos. Ao longo de 17 anos como juiz federal, julguei centenas de processos criminais nos estados do Rio e do Espírito Santo e atuei também em varas de execução fiscal. Entendo bem a dinâmica desses dois mecanismos que assolaram e assolam o Rio de Janeiro e sei como ir fundo na raiz desses problemas, como investigar a lavagem de dinheiro e sufocar o crime organizado.”

Para isso, o ex-magistrado promete criar uma força-tarefa “nos mesmos moldes da operação ‘lava jato’” para investigar tráfico de drogas, de armas, a milícia e a corrupção. Ele também diz querer implantar no Rio uma versão das propostas de reforma do Código de Processo Penal sugerida ao Congresso pelo Ministério Público Federal. Entre elas, o “teste de integridade”. O objetivo, diz o MPF, é “verificar se os agentes políticos estão agindo de acordo com os princípios legais e morais do cargo público”.

Nos últimos anos, o Judiciário vem aumentando a interferência na política brasileira. Embora esse movimento seja criticado por especialistas, Witzel gosta. “Estou certo de que juízes e membros do Ministério Público podem contribuir, e muito, na administração pública. Assim como defendo que qualquer cidadão de bem ingresse na vida política. Há um mito no país que juiz não pode ser político. E se for político vai passar a perseguir o adversário. Mas essa é uma régua com que o político quer medir o Judiciário”, acredita.

Para ele, juízes não deveriam ser obrigados a deixar a carreira para seguir carreira política, como ele teve de fazer. A atividade partidária é proibida tanto pela Lei Orgânica da Magistratura, de 1979, quanto pelo Código de Ética da Magistratura, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008.

“Em vários países há a possibilidade de juízes serem candidatos, como na Espanha, em Portugal e na França. O fato de ser juiz e deixar a magistratura para um cargo executivo não significa que, quando retornar ao Judiciário (se a lei permitisse), vai ter um julgamento favorável ao seu governo, por exemplo", analisa Witzel. "Até porque", continua, "existem instituições como o MP e os tribunais superiores que não permitem interferência ideológica no Judiciário. Há mecanismos de controle”.

Ameaças de morte
Witzel foi da Marinha de 1989 a 1992, onde exerceu a função de oficial de pessoal do Grupo de Artilharia. Após deixar a corporação, foi assessor da presidência do Instituto de Previdência do Município do Rio de Janeiro (Previ-Rio). Quando concluiu o curso de Direito no Centro Universitário Metodista Benett, o ex-juiz passou a estudar para concursos e, em 1997, foi aprovado para a Defensoria Pública do Rio de Janeiro. A experiência na entidade o motivou a querer ser juiz, conta.

Em 2001, ele passou no concurso para juiz federal da 2ª Região e foi alocado em Vitória, na área criminal. Nove anos depois, Witzel voltou para o Rio e tornou-se diretor do da subseção de São João do Meriti.

Durante o tempo que foi juiz criminal, Witzel atuou em grandes operações, como a “propinoduto”. No caso, foi descoberto que um secretário do então governador Anthony Garotinho e fiscais da Fazenda estadual montaram um esquema de extorsão e lavagem de dinheiro. Outra investigação importante em que o juiz trabalhou foi a “poeira no asfalto”, que apurou crimes de policiais rodoviários. Esses dois casos foram os que mais marcaram Witzel em sua carreira de magistrado.

Ameaças
Durante a carreira, foi ameaçado de morte duas vezes, segundo ele mesmo contou ao portal G1, em 2011. Desde 2004, conta, usa colete à prova de balas e checa diariamente o sistema de segurança de sua casa antes de sair para trabalhar.

Witzel diz que deixou a área criminal por causa das ameaças. “Uma vez, conseguiram visualizar os criminosos fotografando minha família. Anotaram a placa, mas era uma placa falsa. Ali foi a gota d’água. Minha segurança e da minha família estava à mercê dos bandidos. Foi ali que eles me venceram e eu deixei a Vara Criminal”, contou o ex-juiz ao G1.

Por causa do pedido de mudança de área, o concorrente de Witzel no segundo turno, Eduardo Paes (DEM), o chama de covarde. No debate da Band, o ex-prefeito do Rio disse que seu oponente é um “falso caçador de bandidos valentão”. “Na oportunidade que o candidato Witzel teve de combater o crime ele pediu para sair. Ele não teve capacidade de enfrentar os que o ameaçavam”, atacou Paes. Witzel rebateu afirmando que covarde era Paes, que não buscou dar armas de fogo à Guarda Municipal fluminense.

PSL
Após o assassinato da juíza Patrícia Acioli por milicianos, em 2011, em Niterói, Witzel pediu que o Congresso aprovasse em projeto que cria uma guarda especial para segurança dos magistrados. Ele foi um dos autores da proposta, apresentada pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe), da qual foi diretor.

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Após ser ameaçado de morte, Witzel pediu para deixar a área criminal.
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Aliado de Witzel e impulsionador de sua candidatura ao governo do Rio, o recém-eleito senador pelo estado Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) – a quem o ex-juiz faz questão de demonstrar apoio sempre que pode —, criticou Patrícia Acioli após sua morte. No Twitter, Flávio disse que a juíza executada “humilhava” os réus que interrogava, e que essa postura teria contribuído para ela construir desafetos.

"Que Deus tenha essa juíza, mas a forma absurda e gratuita com que ela humilhava policiais nas sessões contribuiu para ter muitos inimigos", escreveu o filho de Jair Bolsonaro. “Cansei de receber em meu gabinete policiais e familiares, inocentados (sic) por ela, acusando-a de chamá-los de 'vagabundo' e 'marginal' nas oitivas. Orientava sempre que deveriam formalizar denúncia no CNJ contra ela, por abuso de autoridade, nunca para tomar atitude violenta”, disse, certa vez, no Twitter.

No período em que esteve no Espírito Santo, Wiztel proferiu 20.210 despachos, 6.860 decisões e 2.499 sentenças. Destas, 424 foram emitidas em ações penais.

De volta ao Rio de Janeiro em 2010, Witzel passou a atuar em uma vara de execuções fiscais. Em 2012, foi transferido para a 1ª Turma Recursal. No ano seguinte, foi eleito presidente das Turmas Recursais do Rio de Janeiro. Nessa função, era responsável por administrar as quatro turmas e fazer o juízo de admissibilidade de recursos especiais e extraordinários e pedidos de uniformização para a Turma Nacional de Uniformização (TNU). Witzel integrou esta seção de 2014 a 2016. Depois disso, passou a ser o titular a 6ª Vara Federal Cível do Rio de Janeiro, onde ficou até pedir exoneração em fevereiro.

Nos 17 anos que foi magistrado, Witzel não teve predileção por algum campo do Direito. “Ser juiz era um sonho antigo. Gostei de atuar tanto na área criminal, como na área fiscal. Sempre estudei muito e me orgulho das áreas que escolhi para atuar ao longo de quase duas décadas na magistratura”, afirmou à ConJur.

Polêmicas da magistratura
Witzel não escapa da polêmica dos benefícios recebidos por magistrados. Em palestra a juízes do Trabalho, ele explicou uma “engenharia” para receber o adicional por acúmulo de função. De acordo com a Lei 13.093/2015, a gratificação é paga a magistrados federais por “acumulação de juízo e acumulação de acervo processual”, e equivale a um terço do salário.

“A gratificação de acúmulo, que é de R$ 4 mil, eu recebo, expulsei o juiz substituto da minha vara. Disse: 'Ô, negão, ou você vai viajar lá para ficar um ano fora, ou vou te expulsar da Vara'. Brincadeira, adoro meu juiz substituto. Mas, se ele ficar, eu não recebo. Aí a gente faz uma engenharia… Todo mês, 15 dias por mês, o juiz substituto sai da vara”, afirma Witzel no vídeo.

Ao comentar a gravação, o candidato declarou que não há ilicitude na prática. "A gratificação não é indevida, ilegal ou tem falcatrua nisso. Naquela ocasião, eu falava sobre previdência e essa gratificação não é incorporada à aposentadoria. Essa gratificação foi criada por lei e aprovada pelo Tribunal de Contas. Quem recebe, recebe pela lei”, comenta.

Além disso, Witzel recebeu auxílio-moradia mesmo tendo casa própria no Rio de Janeiro, informou o jornal Folha de S.Paulo. Mais uma vez, o ex-juiz pondera que a lei não proíbe o recebimento — embora a Loman proíba o pagamento do benefício a quem tenha imóvel funcional à disposição.

Aguerrido na defesa dos magistrados, Wilson Witzel defendeu, em 2010, uma greve de juízes federais. Isso pela demora na publicação de um acórdão do Conselho Nacional de Justiça, que reconheceu à categoria os mesmos benefícios do Ministério Público Federal.

“Se essas questões remuneratórias não forem resolvidas em curto espaço de tempo, o que é desejável, a categoria dos juízes federais não elimina a possibilidade de até fazer uma greve. Será a primeira da história”, disse Witzel. Além da simetria, os juízes buscam um reajuste, que já tramitando no Congresso. “Não é aumento de salário, mas uma simples recomposição salarial”, afirmou o juiz à ConJur na ocasião.

Comentários de colegas
Quem conviveu com Wilson Witzel o descreve como uma pessoa cordial e prestativa, mas rigoroso. O juiz federal Francisco de Assis Basilio de Moraes, atual gestor das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Espírito Santo, disse à ConJur que o candidato a governador é “agradável, sincero, sempre pronto a ajudar, sem esperar nada em troca”.

Já a jornalista e advogada Luísa Borges Pontes, ex-assessora de comunicação e editora da revista da Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Ajuferjes), contou que, como presidente da entidade, Witzel apoiou a criação de um setor de comunicação e de uma revista de conteúdo jurídico.

“Um belo dia ouvi dele a frase fatídica: ‘Eu vou ser governador!’", lembra Luísa. "Minha primeira reação foi de susto, achando uma ousadia ele não querer começar a carreira política como vereador ou deputado. Daí caiu a ficha: ‘Meu Deus! Ele vai ter que largar a magistratura (e a aposentadoria) para fazer isso!’."

Witzel chegou a querer se candidatar sem deixar de ser juiz, mas foi advertido, conta Luísa: "Numa ocasião, estávamos eu ele e o João Ricardo Moderno, presidente da Academia Brasileira de Filosofia, lá na Academia Brasileira de Letras, quando fomos apresentados à Ellen Gracie. Quando ele comentou sobre a vontade vocacionada de se candidatar, ela respondeu que seria inconstitucional exercer o cargo de juiz e político, então deveria escolher um dos caminhos. Mas não seria uma decisão fácil, afinal, ele teria que deixar para trás quase vinte anos de carreira na Justiça Federal e outros tantos em cargos, como o de defensor público”.

Mas Witzel seguiu em frente. Certo dia, ele e Luísa se reuniram com o juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da operação “lava jato” no Rio, para conversar sobre a relação com a imprensa. Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal da capital fluminense, é amigo do candidato a governador. No dia 15 de outubro, já com o segundo turno definido entre Wilson Witzel e Eduardo Paes, o juiz federal condenou Alexandre Pinto, ex-secretário de Obras de Paes, a 23 anos, 5 meses e 10 dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Na sentença, Bretas menciona que Pinto disse que as ordens para desvios vinham do então prefeito. Em resposta, Paes declarou que a “divulgação às vésperas da eleição” teria o “claro objetivo de influenciar o processo eleitoral”.

Alguns advogados afirmam que Witzel era autoritário na condução de audiências. Um advogado de Vitória relata que, numa audiência, o então juiz pressionou seu cliente a aceitar uma oferta de transação penal. Conforme o advogado, parecia que a proposta era mais do magistrado do que do MPF, a quem cabe fazê-la. Como o criminalista discordou da sugestão, Witzel, com truculência, passou a dizer que iria revogar a procuração se ele não aceitasse a transação — juízes não podem revogar procurações, só o cliente pode destituir seu procurador.

Sem debate
Um exemplo dessa postura autoritária estaria na ameaça de Witzel de mandar prender Paes em flagrante por injúria se ele “falar mentiras” em debate. Em resposta, o ex-prefeito do Rio disse que, no debate eleitoral, não há espaço para “carteirada”.

O juiz Basilio de Moraes afirma que a atuação de Wiztel como magistrado era “rigorosa e séria, não se confundindo com qualquer viés autoritário”. “Ele respeitava e se fazia respeitar. Respeitoso com os advogados, públicos e privados, do meu conhecimento, que teciam elogios sobre ele. Com membros do MPF, da Defensoria Pública da União, com os servidores, com os estagiários. Agia com muita fidalguia para com todos os operadores do Direito”, lembra o ex-colega.

“Abate” de criminosos
Na linha de Bolsonaro, Wilson Witzel defende pessoas armadas com fuzis, mesmo sem estar em situação de confronto, possam ser “abatidas” por policiais sem que estes respondam por homicídio. Para ele, nesse tipo, o agente de segurança estaria agindo em legítima defesa.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Tal como Bolsonaro, Wilson Witzel defende que policiais atirem para matar.
Fernando Frazão/Agência Brasil

“A autorização está no artigo 25 do Código Penal: o policial estaria agindo em legítima defesa de si próprio e da sociedade para repelir uma agressão iminente. Não é sair atirando para matar. Acontece que quem está portando uma arma de guerra certamente não está disposto a conversar ou negociar com as forças policiais e está na iminência de matar pessoas inocentes. Como professor e conferencista de Direito Penal há muitos anos, esta é a minha posição. Como governador, vou orientar que os policiais ajam desta forma, exatamente nos termos da lei. Mas a polícia será mais bem treinada e preparada, as operações serão mais cirúrgicas e filmadas, para evitar ilegalidades”, explica à ConJur.

Em evento na segunda-feira (22/10) na Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio de Janeiro, o ex-juiz deixou claro que não se preocupará com as mortes do que chama de “bandidos”. “A partir do dia 29, estará declarada guerra ao crime organizado. Mas guerra feita por quem entende. Tem prazo para acabar essa bandidagem do nosso estado. E não vai faltar lugar para colocar bandido. Cova a gente cava, e presídio, se precisar, a gente bota navio em alto mar”, declarou, repetindo ideia já tentada pelo ex-governador de São Paulo Franco Montoro.

Jair Bolsonaro tem proposta semelhante. Ele quer criar uma “excludente de ilicitude” para policiais que matarem em serviço não terem que prestar contas à Justiça. A ideia do presidenciável não é nova. O Exército e o governo Michel Temer vêm pedindo mais proteção jurídica para os militares que atuarem na intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. O objetivo é que eles não sejam punidos por atos e mortes em operações. Porém, as normas atuais já são suficientes para resguardar policiais e integrantes das Forças Armadas em situações de conflito ou de risco. Assim,  disseram especialistas ouvidos pela ConJur, uma mudança na área colocaria policiais e militares acima da lei e lhes daria uma espécie de “carta branca”.

Como juiz criminal, Witzel era rigoroso, afirmou o seu colega Basilio de Moraes. De acordo com ele, o candidato ao governo fluminense entende que a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) deveria ser mais dura. “A lei atual é muito leniente, gerando uma sensação de impunidade, inclusive entre os magistrados”, opinou o juiz federal do Espírito Santo, que concorda com a visão de Witzel.

Críticas de alunos
Em 2014, Wilson Witzel foi professor substituto na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Alunos dele de Teoria Geral do Processo não têm boas recordações. Falam que ele demonstrou despreparo e "descompromisso acadêmico".

Em manifesto contra sua candidatura ao governo do Rio, os alunos da Uerj disseram que Witzel “não dominava os principais institutos de Processo Civil, era frequentemente corrigido pelos alunos e faltou inclusive no dia de aplicação da prova escrita”.

“Ao contrário da narrativa defendida pelo candidato, inclusive em debate televisivo, Wilson Witzel foi um professor medíocre e tem uma vida acadêmica totalmente inexpressiva – conta com apenas um artigo publicado em revistas jurídicas, segundo o seu currículo Lattes”, destacaram os estudantes, ressaltando que uma turma se mobilizou para que ele fosse substituído no meio do semestre.

*Texto alterado às 13h18 do dia 27/10/2018 para acréscimo de informações.

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