Luta por igualdade

Ministros do Supremo lamentam assassinato de vereadora do Rio de Janeiro

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15 de março de 2018, 20h40

A morte da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol) se tornou pauta na sessão do Supremo Tribunal Federal desta quinta-feira (15/3). A destinação de verbas do Fundo Partidário às candidatas mulheres foi a pauta do dia, o que aproximou o tema em debate com o assassinato.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Artigo 5º da Constituição precisa de algumas interrogações, diz Cármen Lúcia.
Rosinei Coutinho/SCO/STF

A ministra Rosa Weber falou diretamente às advogadas que fizeram sustentação oral na sessão: “Marielle, presente!”, como na frase que tem sido entoada nas manifestações sobre o caso. “Nós, mulheres, temos que de fato não abandonar a luta. Por nossas mortas, nenhum minuto de silêncio, mas uma vida de luta”, disse a ministra.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, havia divulgado uma declaração: “Morre uma mulher. No caso de Marielle, morre um pouco cada uma de nós. Fica viva sua luta por Justiça e igualdade. E o nosso compromisso de continuar com ela. Assim, ela continua conosco. Para sempre Marielle!”.  

Pouco antes de encerrar a sessão, a presidente do Supremo retomou o assunto. Segundo ela, a despeito de as mulheres terem avançado quanto à igualdade, ainda falta muito. “Chegamos sim a alguns cargos, mas nem por isso deixamos de sofrer discriminação. Não se enganem quanto a isso”, afirmou depois de alguns colegas mencionarem que a presidência do Supremo e a do Superior Tribunal de Justiça, com a ministra Laurita Vaz, além da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria-Geral da União, com Grace Mendonça e Raquel Dodge, serem encabeçadas por mulheres.

Interrogações
Cármen respondeu que deveriam ser colocadas algumas interrogações no artigo 5º da Constituição, que trata dos direitos fundamentais, e em grande parte nunca concretizado. “Todos são iguais perante a lei? Homens e mulheres são iguais perante direitos e obrigações?”

"Como diria Caetano Veloso, alguma coisa está fora de ordem”, continuou a presidente, falando sobre como as mulheres não são levadas a sério de maneira cotidiana, inclusive nas carreiras jurídicas. “Quando falo que a gente sofre preconceito, estou usando o verbo correto: é um sofrimento. É um sofrimento ser tratado diferente no campo do direito não porque não trabalhe da mesma forma, mas porque é mulher. Já se olha com discriminação. O preconceito passa pelo olhar”, continuou.

O ministro Luís Roberto Barroso se disse abalado. “É a combinação medonha de desigualdade, corrupção e mediocridade. Um círculo vicioso difícil de romper que estamos enfrentando. É imensa a sensação de pesar e desalento, sobretudo para quem é do Rio”, disse o ministro, que é de Vassouras, no Rio de Janeiro. Barroso afirmou ainda que a única homenagem a ser prestada a quem luta por justiça e igualdade é continuar a luta.

Ao afirmar que, nos últimos 20 anos não houve nenhum avanço na ideia de igualdade da participação das mulheres na política, o ministro Alexandre de Moraes disse que a vereadora do Psol foi “alvo da mais cruel forma de discriminação, que é a eliminação física”. Luiz Fux enfatizou a morte do motorista Anderson Gomes.

Ricardo Lewandowski se somou às manifestações de repúdio “ao brutal assassinato”. Ele lembrou ainda que, para além das mulheres e pessoas negras, como é o caso de Marielle, outras minorias também estão suscetíveis ao “ódio e intolerância”. “É função, e até missão do Supremo, estarmos atentos e contribuir com a resolução deste problema”, disse.

Veja o discurso da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia:

Num dia como hoje, quando lembramos de Marielle Franco, a gente não coloca ‘por quem os sinos dobram?’ Eles dobram por mim, dobram em mim. Queria muito que eles dobrassem de alegria, e não de tristeza como tenho que tantas vezes escutar dentro de mim, de minha alma. Mas tenho certeza que todas as indignidades, as injustiças, as iniquidades, os preconceitos, fazem com que a gente tenha é coragem para lutar mais, para que outras Marielles venha, para que a gente tenha outros momento e que isso não precise ser aventado. E que a Constituição brasileira possa ser lida, por homens e mulheres, com a igual certeza da eficácia dos direitos ali postos.

Portanto, quando tratamos de igualdade de direitos material, como o aqui analisado, sabe-se que, mesmo quando em artificialismos, como aqui colocados, não é porque a mulher quer que assim seja, mas porque não tem condições de se apresentar, não tem acesso ao Fundo Partidário. É porque os dirigentes partidários são homens, e é por isso estamos discutindo esse assunto. É porque ela não tem tempo de televisão, porque não se acredita nela, e porque às vezes se convida não mulheres que querem efetivamente disputar, mas apenas para cumprir formalmente, e não materialmente a lei, como é comum no Brasil. Aliás, isso se passa até com a Constituição.

Então, todas essas formas de dar tratamento positivo, no sentido de afirmar direitos, é porque queremos que se chegue a um momento que não seja preciso falar em ação afirmativa, porque a democracia está amadurecida.

Todas nós continuamos a sofrer preconceitos. Eles vão desde um deboche, uma zombaria que desqualifica mulheres — e que não acontece da mesma forma, com homens.

Mas todas nós continuamos a sofrer preconceitos, e de grande, enorme, gravidade. Eles vão desde uma brincadeira, um deboche, que é uma forma, pela zombaria, de desqualificar as mulheres, desmoralizar mulheres, o que, na mesma situação, não acontece com os homens. Até na forma de violência, que agora é lembrada em quase todos os votos aqui. Esse caso do Rio dessa madrugada, de forma crua, perversa, cruel faz com que a gente tenha que ter muita força para continuar acreditando no marco, não civilizatório, mas de humanidade do período que estamos vivendo.

A maioria dos eleitorado é composto de mulheres e somos o penúltimo em termos de mulheres eleitas. Como diria Caetano Veloso, alguma coisa está fora de ordem. Não é possível que isso seja uma coisa que homens e mulheres não queiram.

Gilmar Mendes: Tivemos uma presidente da República mulher.

Cármen: Eu sou a segunda em uma história que vai de 1889, quando proclamada, até agora. O ministro Marco Aurélio fez uma referência a mim, às ministras Ellen Grace e Rosa Weber, o que não significa que todas as mulheres tenham igual acesso. Até porque, a nossa forma de atuação é realmente mais acanhada, recatada, diferente. E isso é de uma cultura. É um registro, ministro Gilmar, porque quando falo que a gente sofre preconceito, eu estou usando o verbo correto: é um sofrimento. É um sofrimento ser tratado diferente no campo do direito não porque não trabalhe da mesma forma, mas porque é mulher. Já se olha com discriminação. O preconceito passa pelo olhar.

Marco Aurélio: Com toda certeza, as colegas não chegaram pela cota.

Cármen: Não chegamos por cotas. Mas em muitas ocasiões se não houver a cota, como já tivemos aqui para várias minorias, aquele que tem preconceito continua naquela condição de rigidez mental e não se abre, para a convivência.

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