Limite Penal

Elogio à Defensoria Pública raiz que não fala para as paredes

Autores

  • Aury Lopes Jr.

    é advogado doutor em Direito Processual Penal professor titular no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

24 de agosto de 2018, 8h00

Spacca
Quantas vezes se fez um excelente arrazoado que simplesmente não é considerado? Uma sustentação oral para as paredes? Cada advogado/defensor precisa criar mecanismos para fisgar a atenção dos julgadores. E, nesse sentido, a Defensoria Pública tem um ganho em face do lugar (neutro) que ocupa, especialmente nos tribunais superiores.

A ideia de qualificar a defensores de modo interno é um desafio recorrente, especialmente pela qualidade e compromisso de seus membros, fazendo com que, estabelecida a lógica de funcionamento dos tribunais, haja um ganho de qualidade. Afinal de contas, a imensa maioria dos defensores tem a atitude de sustentar e lutar por direitos de modo inteligente, embora possa ter sempre um Nutella (ou que não passou para o Ministério Público e é recalcado).

Parece que a primeira fase de afirmação da instituição, ainda necessária em diversos locais, ganhou o influxo de sustentação de um saber específico e qualificado. A crescente ampliação da tutela de direitos, o reconhecimento pelos tribunais da condição de garantia de vulneráveis (aqui, aqui e aqui), bem como o acometimento de novas funções e legitimidade, fez com que a Defensoria Pública seja uma das poucas alavancas democráticas em que se pode apostar atualmente. Isso porque a aposta em outras instituições pela Constituição da República acabou se transformando em pautas repressivas ingênuas, cínicas e/ou de má-fé. No vácuo democrático surge todo o talento e capacidade de uma gama de defensores públicos que nascem com a opressão ao seu lado, na luta cotidiana por direitos (Eduardo Newton, por todos).

O Judiciário, por outro lado, em geral, é refratário por concepções equivocadas e/ou ultrapassadas, exigindo que se tenha técnicas e estratégias sofisticadas, como a constante luta cirúrgica em tribunais superiores. Paralelamente, em cada foro ou tribunal, a capacidade de reinvenção, de compreensão do jogo processual, se renova.

Recentemente, a experiência de defensores no tribunal do júri ganhou força em livro em que se buscou discorrer sobre os (des)caminhos tomados por defensores que se dedicam ao tribunal do júri. Ao mesmo tempo em que representam a defesa, há um intrincado jogo no tribunal do júri em face de rivalidades decorrentes de julgamentos antecedentes (tem lugar que se diz: oito a sete para mim; parece Fla-Vas; Gre-Nal etc.). Além do que, em algumas vezes, a função de defensor não é bem entendida por alguns poucos membros do Ministério Público que não compreendem a função democrática do devido processo legal (alguns usam depoimentos produzidos no inquérito: ou foram tão incompetentes que não conseguiram reproduzir em juízo ou são inquisidores medievais vestidos aparentemente de Ministério Público; em ambos os casos usam o que não podem para obter uma condenação viciada pelo jogo sujo).

O mais curioso, todavia, é que o defensor ganha ingrediente singular e imprevisível, dada a capacidade de preparação em cada julgamento. Por isso a relevância do livro a ser lançado pelos defensores Bruno de Almeida Passadore, Renata Tavares da Costa e Vitor Eduardo Tavares de Oliveira, cuja seleção de 15 autores faz toda a diferença, justamente porque mescla prática, teoria e muito material para ser usado por defensores de todo o país. Contam até o caso de um morto julgado…

Apostamos muito na Defensoria Pública, e o compartilhamento de novas perspectivas de quem já está na estrada, com novos profissionais e a qualificação teórica de todos os metidos em processo penal, auxilia na compreensão da instituição do júri, nas manhas e dilemas de todos os dias. Pode-se dizer que nos tribunais superiores o papel da Defensoria Pública tem se mostrado fundamental ao penal (abraços ao defensor João Alberto Franco). O efeito é o de sustentar com defensores que vivenciam o dia a dia dos tribunais, dos seus ministros, e, assim, conseguem ser mais ouvidos. Os advogados privados hoje dependem, em boa medida, da expertise dos defensores postados nos tribunais de cobertura (afinal, chamam os juízes de piso). Claro que advogados podem fazer a diferença, o que se aponta é apenas uma tendência.

É preciso lutar pelo fortalecimento da Defensoria Pública em todas as esferas, até porque não se pode nunca esquecer que incumbe ao Estado criar e manter um serviço de defensoria pública tão bem pago e estruturado como ele criou e mantém o serviço de acusação pública. Enquanto são chegarmos nesse nível de isonomia, é puro golpe de cena falar em paridade de armas no processo penal.

O principal desafio, quer de defensores públicos ou advogados, é democratizar, em um país com dimensões continentais, os modos de enfrentamento da violência processual que campeia, até porque o trabalho da defesa é quase o de Sísifo. Jogar bem é uma qualidade que se nasce ou se aprende, embora raiz ou Nutella dependa da atitude e engajamento de cada um. E a Defensoria Pública tem sido um player importante. Precisamos de defensores públicos conscientes da relevância da sua missão e do seu real papel no processo penal. Não há espaço para aventureiros, do estilo "enquanto eu não passar em outro concurso…". Esse é um lugar sagrado, da defesa pública, que exige engajamento e vocação. E você, é Nutella ou raiz?

Autores

  • é doutor em Direito Processual Penal, professor titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.

  • é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor de Processo Penal na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

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