Revolução invisível

TJ-SP investe em tecnologia e qualificação para aumentar a produtividade

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11 de agosto de 2018, 8h00

*Reportagem de abertura da edição 2018 do Anuário da Justiça São Paulo,  que será lançado na próxima quarta-feira (15/8), na sede do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Atender às demandas por justiça da população em tempo razoável, como manda a Constituição, é, há algum tempo, o grande desafio do Judiciário paulista. Dono de um quarto do acervo de processos à espera de julgamento em todo o país, o esforço para limpar as prateleiras e dar resposta aos jurisdicionados tem duas frentes de batalha, com perspectivas diferentes de resultado: a segunda instância já julga mais processos do que a quantidade que ingressa no tribunal; a primeira instância está longe de atingir pelo menos esse ponto de equilíbrio, e o seu acervo, que já passou dos 20 milhões de casos pendentes, continua com tendência de crescimento.

Na segunda instância, os processos antigos estão com os dias contados. Grande parte dos recursos à espera de decisão é recente (registrados entre 2016 e 2017), a quantidade de casos julgados voltou a subir e, com isso, a necessidade de continuar com as câmaras extraordinárias tem sido questionada.

Há nove anos o Conselho Nacional de Justiça define metas a serem alcançadas anualmente pelos tribunais. Desde o início, juízes e desembargadores são convocados a julgar mais processos do que a quantidade de casos novos distribuída no ano, além de identificar as ações mais antigas e priorizá-las. Em 2009, a Meta 2 era identificar e julgar todos os processos anteriores a 2005. Em 2018, a Meta 2 para os desembargadores da Justiça Estadual é julgar pelo menos 80% dos processos distribuídos até 2015.

Em maio de 2018, números do TJ paulista mostravam que as decisões em recurso saem em dois anos, em média. São poucos os casos anteriores a 2015 nos gabinetes. E aqueles que ainda estão lá são alvo do trabalho das câmaras extraordinárias, criadas em 2013 justamente para dar respostas aos casos mais antigos. Elas são formadas por desembargadores com o acervo em dia e por juízes convocados “voluntários” – com direito a três dias de compensação por semana pelo serviço extra, que podem ser pagos em dinheiro ou acrescentados às férias.

Nas três seções que compõem o tribunal (Privado, Público e Criminal), as câmaras extraordinárias já julgam casos com entrada em 2017. Das 15 criadas por resolução de 2016, apenas seis continuavam com sessões regulares até maio de 2018 – os encontros das demais passaram a ser esporádicos, para finalizar processos remanescentes.

O presidente do TJ-SP, desembargador Manoel Pereira Calças, afirma que essas câmaras “fizeram um trabalho excepcional” nos últimos anos. Ele entende que o acervo é de responsabilidade do tribunal, e não problema de desembargadores específicos. Hoje, de acordo com o presidente, a análise sobre a continuidade desses colegiados cabe a cada seção do tribunal.

Como reforço à segunda instância, em julho, o Legislativo paulista aprovou a criação de 30 cargos de juiz substituto em segundo grau, além de 90 cargos de assistentes jurídicos e 90 de escreventes técnicos judiciários, necessários para a estrutura dos gabinetes.

Na primeira instância, a produtividade dos juízes cresceu nos últimos anos, mas ainda não permite julgar mais casos do que a quantidade de processos novos. Em 2017, foram distribuídas mais de cinco milhões de ações e o número de decisões sequer chegou a quatro milhões. O acervo nas varas passa dos 20 milhões de processos – 11,5 milhões dos quais são de execuções fiscais. Investimentos em tecnologia, na padronização dos procedimentos cartorários e também na qualificação das equipes das varas têm sido feitos pela direção da corte.

O corregedor-geral da Justiça, Geraldo Pinheiro Franco, afirma que o órgão está preparado para auxiliar julgadores na primeira instância. “Existem magistrados com poder de trabalho muito grande e que dão conta desse trabalho; outros magistrados têm poder de trabalho menor, demoram um pouco mais. Não há solução caída do céu para isso. O que posso dizer é que, no estado de São Paulo, os juízes de primeiro grau trabalham muito, trabalham na maioria expressiva das vezes bem, mas evidentemente há atrasos, que procuramos resolver com auxílio da Corregedoria.”

O aumento gradual na produtividade dos juízes é atribuído principalmente à implantação do processo 100% digital em gestões anteriores. Para Pereira Calças, substituir papéis pela plataforma eletrônica e capacitar profissionais para o novo sistema aperfeiçoaram o exercício da função jurisdicional. “Está comprovado que mais de 45% de produtividade foi obtido em primeiro grau com a adoção do processo digital”, diz o presidente da corte. Ações cíveis já dão entrada digitalmente no estado desde 2013. Na esfera criminal, as denúncias deixaram de ser físicas em 2015 e o Ministério Público ficou responsável por digitalizar inquéritos. O objetivo agora é tornar eletrônicos os casos policiais desde a origem.

Numa parceria com a Secretaria da Segurança Pública do estado, todas as delegacias acabaram com termos circunstanciados físicos – registros de ocorrências consideradas de menor potencial ofensivo. Desde maio de 2018, os documentos transitam por meio digital entre as repartições policiais e as varas competentes. A meta de Pereira Calças é tornar realidade o inquérito eletrônico até o fim da sua gestão, em dezembro de 2019, e acabar com o transporte diário de malotes da Polícia Civil para os fóruns. Hoje, a iniciativa é testada em Santos e Sorocaba e na Vara de Violência Doméstica do Butantã, na capital.

Em 2017, de janeiro a agosto, o número de processos digitais aumentou em 17%, passando dos sete milhões. No mesmo período, houve redução de 9% no número de processos físicos: de 14 milhões em janeiro para quase 13 milhões em agosto. Com essa mudança de paradigma, o juiz passa a receber processos com maior rapidez. A saída encontrada pela administração do tribunal foi enviar ao Legislativo projeto de lei para a criação do cargo de juiz auxiliar e mais um de assistente judiciário.

Em março passaram a vigorar a Lei Complementar do estado 1.298/2017 e a Lei Estadual 16.393/17, que tratam, respectivamente, da criação de 150 cargos de juiz de Direito auxiliar (juízes que são móveis, de entrância intermediária), com 50 deles já providos, e 2.419 cargos de assistente judiciário. No primeiro semestre de 2018, 457 juízes já trabalhavam com dois assistentes. Em julho, a corte nomeou outros 519 servidores para o cargo de segundo assistente.

Desde que assumiu a Presidência da corte, Pereira Calças tem desenvolvido uma política de austeridade. Reduziu o número de secretarias de 12 para oito, acabou com 300 cargos em comissão e está adiando o preenchimento das vagas criadas. A previsão é economizar R$ 500 milhões nos próximos cinco anos.

Em sentido contrário, a corte comemora a destinação de 60% do valor arrecadado com as taxas judiciárias para o fundo especial de despesas do TJ-SP. A alteração na Lei Estadual 11.608/2003, proposta pelo governador Márcio França, foi aprovada pela Assembleia Legislativa em julho de 2018. Até então, a corte recebia apenas 30%.

Essa alteração vai aumentar em R$ 60 milhões por mês, em média, o orçamento do tribunal. O primeiro investimento da corte foi justamente na nomeação de servidores para o cargo de segundo assistente, que auxiliarão juízes da primeira instância. Haverá ainda investimentos em tecnologia, especialmente, em inteligência artificial. Para Pereira Calças, trata-se de importante passo para concretizar a independência financeira da corte. "Investiremos, cada vez mais, na atividade-fim, que é a distribuição de justiça, sempre dentro dos preceitos constitucionais da razoável duração do processo."

Ricardo Lo/TJ-SP
Foto: Ricardo Lo/TJ-SP

Entre os projetos que receberam investimentos, em 2017, está o Cartório do Futuro, que adéqua os ofícios judiciais ao processo digital e unifica cartórios, dando nova divisão de tarefas e melhor distribuição dos profissionais e do espaço. As primeiras unidades de processamento judicial (UPJ), instaladas em 2015 no Fórum João Mendes, indicam aumento de produtividade de até 60% em comparação ao modelo tradicional.

Em abril de 2018, foi inaugurada a quarta unidade do Cartório do Futuro no fórum central, abarcando da 31ª até a 35ª Vara Cível. O TJ paulista instalou outras 14 em todo o Estado. Agora, a Corregedoria-Geral da Justiça estuda viabilizar o modelo nas varas criminais, mas de forma diferente por conta das peculiaridades da área.

Mérito da decisão
O Tribunal de Justiça de São Paulo investe também na qualidade de suas decisões, para solucionar novos tipos de conflito e pacificar antigas divergências.

A Seção de Direito Público aposta nos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDRs) para unificar os entendimentos das câmaras e dar solução mais rápidas aos casos iguais. Desde que entrou em vigor o novo CPC, em março de 2016, até junho de 2018, 15 temas já foram escolhidos, indicados pelas partes, pela Fazenda ou mesmo pelos desembargadores. Cinco IRDRs foram julgados no mérito, todos eles relacionados a remuneração, gratificações e benefícios de policiais militares e servidores públicos.

Na edição 2018 do Anuário da Justiça São Paulo, a novidade é o "Placar de Votação", que apresenta como se posicionaram os desembargadores e os colegiados no julgamento de temas de grande repercussão e com alto número de processos em tramitação.

 

 

 

 

 

A incidência de ICMS sobre a tarifa de transmissão (TUST) e a de distribuição (TUSD) de energia elétrica estão entre os temas pesquisados na Seção de Direito Público. Neste caso, apenas a 1ª e a 10ª Câmaras entendem que sim, o imposto incide sobre as tarifas. O tema foi admitido como IRDR, em 2017, pela Turma Especial e também está em discussão no Superior Tribunal de Justiça.

As execuções fiscais também ocupam grande parte da pauta e os desembargadores votam contra o contribuinte no que diz respeito à compensação da dívida tributária com créditos de precatórios. Apenas a 3ª Câmara tem maioria para votar em sentido contrário. A reviravolta no entendimento aconteceu com a chegada ao colegiado do desembargador José Antonio Encinas Manfré.

A Seção de Direito Privado admitiu apenas seis IRDRs, até junho de 2018. Entre os quatro temas que decidiu, está aquele que definiu sete teses sobre o atraso na entrega de imóveis. Números do tribunal confirmam a importância na definição de casos envolvendo compra e venda de imóveis, que, em 2017, apareceram em terceiro lugar entre os processos mais julgados pelos desembargadores: foram 24.206 decisões. As discussões sobre promessa de compra e venda apareceram em 9o lugar no ranking: somaram 13.519 decisões.

Concluiu-se que é válido o atraso de 180 dias na entrega de imóvel comprado na planta; que quando há atraso o comprador tem o direito de ser indenizado “pela privação injusta do bem”; e que não se aplica a multa prevista no artigo 35, parágrafo 5º da Lei 4.591/1964 no caso de atraso na entrega, entre outros.

Entre as 16 câmaras criminais, a imagem do TJ-SP continua a ser a de um tribunal rigoroso com o réu. Principalmente com os envolvidos em crimes relacionados ao tráfico de drogas, delito que domina a pauta: em 2017, foram 52 mil casos julgados, um aumento de 20% em relação a 2016. Para 11 dos 16 colegiados, o tráfico de drogas impõe o regime fechado como único possível para cumprimento de pena. E para nove deles, mesmo quando aplicado o redutor do “tráfico privilegiado”, mantém–se a hediondez da conduta, apesar de decisões em sentido contrário proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Juízes especializados
A especialização de varas está entre as estratégias em andamento na corte. A primeira experiência surgiu com a 1ª e a 2ª Varas Empresariais e de Conflitos Relacionados à Arbitragem, no Fórum João Mendes. Até dezembro de 2017, litígios na capital paulista sobre franquias, marcas e patentes, cumprimento de contratos e pendências societárias, por exemplo, eram distribuídos a diferentes varas. Desde então, esses temas passaram a ser analisados por juízo especializado, na busca de maior segurança jurídica para o empresariado, como já acontece em segunda instância desde 2011. As duas câmaras reservadas de Direito Empresarial passaram a contar, em 2018, com desembargadores exclusivos, que deixaram de acumular funções e foram substituídos temporariamente nas câmaras ordinárias.

Nos próximos capítulos da especialização, o tribunal planeja criar uma vara que reúna processos sobre organização criminosa e lavagem de dinheiro, além de delitos relacionados, como crimes contra a ordem econômica e a Lei de Licitações, quando não envolverem a União.

Pereira Calças afirma que, na falta de juízos especializados, varas distintas receberam processos sobre a “máfia dos fiscais” (sobre servidores da Prefeitura de São Paulo que cobravam propinas de empreiteiras para reduzir o valor do ISS). “Isso não é bom, até porque pode haver decisões conflitantes”, afirma.

Até 2017, tramitavam em São Paulo 1.405 processos relacionados a esses delitos, segundo levantamento da Secretaria de Primeira Instância do tribunal. A ideia é concentrar ações penais e investigações em andamento na 32ª Vara Criminal de São Paulo, por ser a mais nova dentre as unidades do Fórum Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda.

Também está nos planos implantar varas regionais pelo Estado, focadas em questões agrárias, interesses difusos e coletivos do consumidor, registros públicos e execuções fiscais, por exemplo. Uma proposta nesse sentido foi apresentada à Assembleia Legislativa em 2012, durante a Presidência do desembargador Ivan Sartori. O projeto de lei complementar visa a atender assuntos “que, por sua natureza, especificidade, volume de feitos ou complexidade, recomendem julgamento célere e uniforme”.

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