Crítica genérica

TJ-RJ absolve advogado de calúnia e difamação contra juiz criminal

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31 de outubro de 2017, 18h45

Não há calúnia se a crítica é feita de forma geral, sem se referir especificamente a alguém. Da mesma forma, não ocorre difamação sem a imputação de um fato determinado e ofensivo à reputação da pessoa.

Com base nesse entendimento, a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitou parcialmente apelação e absolveu o advogado Marino D'Icarahy Junior dos delitos de calúnia e difamação. Os desembargadores mantiveram a condenação por injúria, mas substituíram a pena privativa de liberdade pelo pagamento de três salários mínimos.

O profissional foi denunciado pelo Ministério Público, que entendeu que ele ofendeu a honra do juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio, ao defender 23 manifestantes acusados de associação criminosa nos protestos de junho de 2013.

Em uma audiência do caso, um dos acusados, após terminar de depor, se dirigiu a D'Icarahy Junior e ergueu o punho cerrado. Parte do público presente imitou o gesto. O juiz então foi a banheiro e, quando retornou, ordenou que as pessoas que apoiaram o depoente se retirassem da sala. Nicolau também determinou que o MP investigasse se houve crime de desacato.

O advogado criticou a medida. Em voz alta e com o dedo em riste, ele disse que “que toda a acusação de desacato estaria intrinsecamente ligada à prática de abuso de autoridade”. Em seguida, D'Icarahy Junior disse ao juiz: “Esse é o seu caráter, esse é o seu perfil”.

O magistrado respondeu que era honesto e trabalhador: “O meu caráter é de um homem de bem, honesto, trabalhador, mas se o senhor não tem caráter o problema é do senhor” — e ouviu do advogado que era “arbitrário”.

Devido a esse diálogo, o MP denunciou Marino D'Icarahy Junior por calúnia, difamação e injúria. Ele foi condenado em primeira instância, mas apelou. Luciano Bandeira, presidente da Comissão de Prerrogativas da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, reforçou a defesa do profissional.

Para o relator do caso no TJ-RJ, desembargador Claudio Tavares de Oliveira Junior, o advogado não cometeu calúnia. Isso porque, ao afirmar “que toda a acusação de desacato estaria intrinsecamente ligada à prática de abuso de autoridade”, ele não estava dizendo que Flávio Nicolau praticou este delito próprio de funcionários públicos, mas, sim, criticando a permanência daquele crime no ordenamento jurídico.

Segundo o magistrado, o uso do pronome indefinido “toda” deixa claro que ele não teve a intenção de caluniar o juiz — requisito para a configuração desse crime contra a honra.

O relator também concluiu que D'Icarahy Junior não cometeu difamação ao dizer “esse é o seu caráter, esse é o seu perfil”. A razão disso, na visão de Oliveira Junior, é que o advogado não imputou fato determinado ao juiz. Sendo assim, sua conduta se enquadra como injúria.

“Embora tenha se excedido no uso de suas prerrogativas funcionais, quando fez uso de oratória agressiva para defender os interesses de seu assistido, dúvida não há de que o advogado não imputou um fato determinado, mas apenas emitiu afirmações que se restringem ao mero conceito desfavorável, o que se amolda ao tipo penal previsto no artigo 140 do Código Penal [injúria], e não ao delito de difamação”, ressaltou o desembargador, avaliando que o advogado também injuriou Nicolau ao dizer que ele era “arbitrário”.

Como as palavras usadas por D'Icarahy Junior na audiência “se mostraram excessivamente desmedidas e indecorosas”, não estão protegidas pela imunidade profissional dos advogados, destacou o desembargador. Dessa maneira, ele votou por aceitar parcialmente a apelação, absolvendo o réu dos crimes de calúnia e difamação e substituindo sua pena pela injúria para o pagamento de três salários mínimos. O entendimento do relator foi seguido pelos demais integrantes da 8ª Câmara Criminal.

Recurso ao STJ
Luciano Bandeira, da OAB, disse à ConJur que eles irão recorrer ao Superior Tribunal de Justiça contra a condenação por injúria. De acordo com o conselheiro da Ordem, é preciso proteger a atuação profissional do advogado, pois isso fortalece o direito de defesa do acusado.

“O legislador buscou proteger a atuação do advogado quando do exercício da defesa, primando pelo fortalecimento do processo democrático. Se não houver respeito ou houver relativização desta prerrogativa, o advogado entrará na tribuna com temor de desagradar. Palavras são os instrumentos de trabalho do advogado, não podendo ser limitado pelo Judiciário, sob pena de se permitir limitar o direito de defesa daquele cidadão.”

Bandeira defendeu D'Icarahy Junior em outro processo por calúnia, difamação e injúria contra Flávio Nicolau. Nesse caso, ele foi absolvido de todos os crimes pela 5ª Câmara Criminal do TJ-RJ. Para os desembargadores, advogado não comete delito contra a honra ao se manifestar no exercício de sua profissão. 

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Processo 0388807-90.2015.8.19.0001

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