Como pode pensar o juiz real que faz diferença no modo de argumentar
7 de outubro de 2016, 8h00
Uma música pode disparar uma sensação de alegria ou tristeza em face da memória e da relação que pode advir de momentos anteriores. A música isoladamente não consegue antecipar os sentidos que advirão. O mesmo se pode dizer em relação a uma conduta criminalizável que pode gerar, pela memória do jogador/julgador processual, a invocação de uma sensação (boa ou ruim). E a teoria da prova e da decisão decotam esta variável em nome da esotérica neutralidade do observador. O caráter dinâmico dos impactos das menores oscilações de humor, de atenção, enfim, da capacidade de percepção do agente processual do “caso penal” em julgamento, deveriam ser relevantes.
O sistema jurídico além do complexo número de normas jurídicas, com gradações e forças distintas, não depende exclusivamente da conformação semântica, pois será justamente no campo da interação humana, em que o processo se situa como arena, limitada pelo tempo, espaço e pelas regras reconhecidas, que se promoverá a interação humana pela linguagem, da qual virão as construções de significados/significantes. A informação trazida para dentro do processo penal será sempre decorrente de inferências, documentos, laudos, perícias, depoimentos, sempre inidôneos para transcrição completa do que se passou. O dispositivo do processo penal regulará a forma e validade do input de informações e guiará o output de conclusões, dependendo do intrincado mecanismo de sentido dos jogadores/julgadores.
A todo o tempo teremos que fazer suposições sobre o que se passa na cabeça dos jogadores/julgadores, testemunhas, peritos, etc., ou seja, da experiência subjetiva de cada um dos agentes que interagem por meio do processo penal. E o passado dos agentes processuais será relevante na atribuição de sentido, isto é, o mapa mental construído pela experiência prévia será fundamental para se poder compreender o que se passa na cabeça do agente e antecipar, probabilisticamente, suas deliberações. Há uma circularidade inerente entre os significantes trazidos aos autos e os agentes processuais, em que o diálogo entre o mapa mental individual, os sentidos coletivizados e o resultado processual, acontece no aqui e agora. As informações se retroalimentam e são cambiáveis.
As táticas adotadas gerarão táticas do adversário e do julgador. Os comportamentos processuais dependem da interação. Não existe um processo penal idealizado. O que há é a singularidade do momento.
A argumentação se importa com o relato (o conteúdo da informação) e dá relevo à relação (a ordem) pela qual serão apresentadas. Isso porque não importa somente a informação, mas a maneira (tempo e ritmo) pela qual será apresentada em face dos agentes processuais reais e as recompensas de cada um. Existirá um auditório ou autoridade investida do exercício do poder de dizer que a conduta se verificou ou não. Com isso, o discurso sobre a informação, em um contexto situado no tempo e espaço, com seus agentes processuais, é fundamental para o êxito processual. Será preciso saber pontuar as relações de informação e quanto mais se conhecer “como” pensa o julgador real, melhor se poderá fazer-se entender.
As “séries oscilantes infinitas” indicadas por Bozano podem nos auxiliar a compreender que o ponto de início das cadeias argumentativas pode ser diferenciado e um erro comum é dialogar sobre o mesmo significante (dignidade da pessoa humana, teoria do crime, do processo) sem se atentar o fato de o interlocutor compartilhar o mesmo mapa mental. Todo o discurso que virá depois será paradoxal a ambos, já que falam da mesma temática em diferentes relações/cadeias de significantes — verdadeiro ruído hermenêutico na comunicação. Argumentar adequadamente não é para amadores.
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