Acusação desconhecida

Mesmo com ordem do Supremo, MPF não deixa investigada ter acesso a autos

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4 de junho de 2016, 7h43

Uma mulher investigada pelo Ministério Público Federal há cerca de três meses não conseguiu até hoje saber do que é acusada,  mesmo depois de um ministro do Supremo Tribunal Federal determinar que ela tivesse acesso aos autos.

No dia 17 de março, Sandra Ferraz foi notificada para comparecer à Procuradoria da República em São Paulo , para prestar esclarecimentos. A tomada de depoimento, porém, não ocorreu pois,  quando a mulher compareceu à Procuradoria, a procuradora responsável pelo caso, Karen Louise Jeanette Kahn estava ausente. Diante do fato, a defesa protocolou um pedido de acesso aos autos, na tentativa de tomar conhecimento dos motivos da investigação.

123RF
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O pedido de cópias dos autos, contudo,  foi indeferido, dias depois. A procuradora da República alegou em sua decisão que a oitiva não havia acontecido porque a investigada não comparecera ao local no dia marcado e as cópias do inquérito não foram disponibilizadas porque o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) ainda dependia de “medidas investigatórias sigilosas”.

O advogado Marcelo Feller foi, então, ao Supremo, afirmando que a justificativa sobre a oitiva era inverídica, pois quem não estava presente era a própria procuradora. Sustentou, também, a decisão era uma afronta à súmula 14 do STF. De acordo com a norma, os advogados de investigados têm direito a acessar todos os elementos de prova de investigações que digam respeito ao direito de defesa.

A Reclamação apresentada ao Supremo diz que a súmula se aplica ao caso, uma vez que a condição de investigada da mulher está evidente, já que ela não foi apontada como testemunha. E afirma que mesmo que Sandra não tivesse comparecido à oitiva, a decisão seria inválida. “Se é direito do investigado ficar em silêncio, poderia se recusar a depor e, mesmo assim, conhecer o teor das investigações”, diz a peça.

O caso foi para as mãos do ministro Roberto Barroso, que determinou, no dia 19 de abril, que o Ministério Público Federal concedesse à defesa o acesso aos documentos do inquérito. “O mínimo que se pode exigir para o exercício da ampla defesa pelo investigado é o conhecimento dos fatos a ele imputados,” argumentou o ministro. Barroso ressalta ainda “que a reclamante não tem qualquer pretensão de obter elementos de prova de diligências em andamento, o que poderia comprometer a produção de novas provas”.

Com a decisão do ministro em mãos, advogado e investigada foram à procuradoria, mas, mais uma vez, foram informados de que não seria possível ter acesso aos autos. Isso porque, segundo funcionários do gabinete, a procuradora não estava no local e tampouco haviam recebido a comunicação da decisão. Em 25 de abril, a defesa voltou ao Supremo e pediu que o ministro Barroso determinasse o imediato cumprimento da decisão.

Em manifestação ao Supremo, o MPF afirmou que não havia a necessidade de dar acesso aos autos, por se tratar de um inquérito civil público — ao qual não se aplica a súmula 14 do STF —, que investiga “manipulação fraudulenta em licitações, superfaturamento, desvio de verba pública federal”. A procuradora disse ainda que havia desistido do depoimento da autora da ação.

A defesa de Sandra, então, em nova petição, mostrou que o inquérito civil ao qual o MPF faz referência foi instaurado depois da decisão de Barroso que determinou o acesso aos autos. O advogado aponta que a própria portaria que instaurou o inquérito afirma que as medidas e provas colhidas “poderão vir a instruir eventual procedimento criminal cautelar judicial”.

A petição é direta: “como forma de se burlar a decisão de Vossa Excelência, de burlar a Constituição Federal e o Código de Processo Penal, a d. autoridade reclamada instaurou ‘inquérito civil’ para instruir eventual procedimento criminal”.

Além disso, o documento afirma que é indiferente se o MPF desistiu do depoimento de Sandra, pois há procedimento investigando crime cuja autoria, em tese, pode se atribuir a ela, uma vez que ela nunca foi considerada testemunha.

O documento, que chegou ao STF no dia 3 de maio, pede novamente que o ministro Barroso determine o cumprimento imediato da decisão que ele proferiu no dia 19 de abril. Procurado pela ConJur, o advogado do caso, Marcelo Feller, não quis se manifestar. A procuradora não foi encontrada em seu gabinete pela reportagem, mas sua assessoria afirmou que suas manifestações já haviam sido feitas nos autos.

Reclamação 23.528

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