De Collor a Dilma

Livro mostra como escândalos nacionais repetem atores, em novos personagens

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28 de agosto de 2016, 8h33

A impressão que se tem ao ler sobre escândalos da história recente do país é que estamos assistindo a consecutivas novelas de um mesmo canal: os atores são os mesmos, mas seus papéis mudam com o tempo. E talvez seja essa a principal mensagem do livro O Brasil na Fita, do perito Ricardo Molina.

Lembrado pelas corriqueiras aparições na imprensa, com sua barba e cabelo compridos, Molina participa da investigação de casos com repercussão nacional há pelo menos duas décadas. Seu livro começa no assassinato de PC Farias (em 1996) e termina no grampo no qual a presidente afastada Dilma Rousseff diz ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que enviaria o termo de posse dele como ministro da Casa Civil (em 2016). Dois casos em que ele foi consultado.

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Molina conta sobre seu trabalho e a conjuntura do país durante escândalos.
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O humor do autor ajuda o leitor a passar pelas descrições técnicas como para entender a importância da inclinação do azimute (cabeça gravadora) na hora de tocar fitas cassete cuja gravação parece ter desaparecido. Mas o grande mérito está em mostrar como atuavam, à época, pessoas que hoje ocupam lugar de destaque na política nacional ou em novos escândalos.

Uma das formas divertidas de ler o livro, aliás, é de trás para frente, abrindo primeiro na página 391. É onde fica o índice onomástico, no qual os personagens das tramas estão listados como em um cardápio para o leitor.

E lá é possível encontrar Michel Temer, ainda em 1997, quando presidia a Câmara dos Deputados. Segundo Molina, o hoje presidente interino pressionava o então corregedor-geral da Câmara, Severino Cavalcanti, a acelerar a apuração envolvendo a acusação contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de ter comprado votos para a aprovação da reeleição.

Hélio Bicudo, que hoje assina o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, aparece quando ainda era deputado pelo PT e queria transferir para a Justiça comum os crimes praticados por militares.

O bicheiro Carlinhos Cachoeira já estava nas fitas que Molina escutou em 2004, quando uma conversa dele com Waldomiro Diniz (o então presidente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro) viraria notícia. Diniz pedia doações para a campanha da petista Benedita da Silva a governadora do Rio de Janeiro, enquanto prometia favorecer Cachoeira em concorrências públicas. Em 2012, a conversa — novamente grampeada — do bicheiro era com outro partido, o DEM, que fazia oposição ao PT. O grampo, dessa vez, mostra a conversa dele com Demóstenes Torres, que acabou cassado.

Dilma Rousseff, Lula e Fernando Collor de Mello são citados duas dezenas de vezes, FHC mais oito, José Sarney, cinco. Mas não é só de políticos que se alimenta o histórico de casos onde Molina foi chamado. É interessante ver como as chamadas grandes operações são vistas através dos olhos de um técnico. A famigerada satiagraha, que tinha como alvo o empresário Daniel Dantas e foi anulada por ilegalidades, pode ser usada como exemplo.

Livro traz críticas ao trabalho de peritos da Polícia Federal no caso satiagraha.
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O então delegado responsável pela operação — hoje condenado, ex-delegado e ex-deputado — Protógenes Queiroz, é descrito como obsessivo. “Ele não media esforços para atingir seus objetivos, chegando ao ponto de ter sido acusado de extrapolar os limites da ação legal”, relata o perito, que foi responsável por analisar as gravações que a Polícia Federal dizia serem ininteligíveis em 79% do tempo.

“Na verdade, os peritos da PF transcreviam apenas o que interessava para a acusação. A transcrição era um amontoado de erros. Trechos perfeitamente claros foram classificados como ininteligíveis; em contrapartida, passagens com conteúdo relevante foram classificadas como ‘amenidades’ e não transcritas”, acusa Molina.

Ao fim, o que o livro dá é uma visão trágica, mas, de alguma forma, bem humorada do cenário nacional. O fim do primeiro capítulo, que fala do escândalo de corrupção envolvendo o ex-ministro do Trabalho Antonio Rogério Magri, dá o tom: “Em 1992, 30 mil dólares compravam ministro de Estado. Hoje não dá para comprar nem vereador de interior. A gente era feliz e não sabia”.

A obra mostra como crimes como o assassinato do homem forte do governo de Fernando Collor, podem ser deixados de lado, e como quem trabalhou para abafar um caso no passado pode, hoje, ser o maior interessado em botar lenha na fogueira em escândalos semelhantes. Além, é claro, de servir ao próprio autor como vitrine do seu trabalho e como espaço para criticar seus possíveis desafetos.

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