Sem unidade

"10 anos depois, Judiciário ainda não
se adaptou à Lei Maria da Penha"

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6 de agosto de 2016, 7h44

Completando 10 anos de existência neste dia 7 de agosto, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) retirou a violência contra a mulher do círculo privado e familiar e levou a questão para as discussões no Legislativo, políticas do Executivo e julgamentos do Judiciário. Aos dois primeiros Poderes, falta foco na prevenção do crime. A Justiça, por sua vez, falha ao dividir casos relacionados à violência doméstica em diferentes instâncias.

“O Judiciário compartimenta a violência doméstica conforme sua organização”, opina Ana Rita Souza Prata, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo. A defensora afirma que a falta de diálogo entre as áreas da Justiça gera decisões conflitantes.

Entre os exemplos citados por Ana Rita, estão casos em que a mulher agredida pelo parceiro se separa. Como o caso vai para uma Vara de Família, que não lidou com a questão da violência, muitas vezes o juiz decide pela guarda compartilhada e o pai passa a usar isso como uma outra forma de violência contra a agora ex-mulher. “Há casos em que o pai some com a criança no primeiro fim de semana que fica com ela”, conta.

Outro erro do Estado tem sido trabalhar pouco na prevenção sobre esse tipo de crime. A defensora destaca que essas medidas inibitórias à violência estão previstas na lei, mas não são cumpridas. “Em dez anos, esse é o aspecto menos aplicado.”

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A violência contra a mulher é um crime com suas peculiaridades, conta Ana Prata, pois, quando a vítima decide denunciar, ela não tem como principal objetivo ver o agressor punido, mas sim sair daquela situação. “Muitas delas fazem o boletim de ocorrência, mas, ao perceberem que saíram do ciclo de violência, acabam não dando continuidade ao processo.”

Porém, já há entendimento jurídico de que, mesmo sem vontade da vítima, o Judiciário pode dar prosseguimento à ação. Ana Prata diz que quando essa decisão foi proferida ela a viu com bons olhos, mas, tempos depois, mudou de opinião. “Verificamos que isso também reduz a autonomia da mulher. Temos que respeitar o fato de a mulher não querer levar o fato à Justiça.”

Essa espécie de relutância das vítimas em prosseguir com as ações vêm, em partes do preconceito existente contra elas, vindo algumas vezes do próprio Judiciário, diz a defensora. Há casos em que a mulher é questionada sobre sua vida pregressa ou se está em um novo relacionamento.

Há também os traumas que perduram na vida das vítimas. “Muitas vezes, ao comparecer ao ato do processo elas revivem o ato da violência”, conta Ana Prata. Em casos envolvendo violência doméstica, o Judiciário usa o rito sumário, mas são necessários vários cuidados, por exemplo, a separação entre vítima e agressor.

A dependência financeira do agressor é outro empecilho às mulheres continuarem com as ações na Justiça, segundo Ana Prata. Existem projetos de lei (clique aqui e aqui para ler) que preveem um benefício assistencial à mulher vítima de violência, mas nenhum está perto de ser aprovado.

Além da questão financeira, Ana destaca que a etnia também é fator determinante sobre a possibilidade de uma mulher ser vítima de violência doméstica. Dados do Mapa da Violência mostram que as agressões contra mulheres brancas caíram 10% entre 2003 e 2013 enquanto a praticada contra as negras aumentou 54% no período.

Iniciativas de proteção
Unidades judiciárias têm projetos que potencializam a proteção à mulher. Em São Paulo e em São Luís, capital do Maranhão, há a possibilidade de a mulher denunciar o agressor sem a necessidade de um advogado.

Na Bahia, por exemplo, as mulheres são avisadas quando o agressor que as vitimou é solto. Porém, conta Ana Prata, apesar de essa obrigação constar da Lei Maria da Penha, dificilmente ela é cumprida. “Acredito que as varas de execução não têm esse cuidado”, ressalta a defensora pública, afirmando que já ouviu relatos sobre isso das vítimas que atendeu.

Transexuais e travestis
As mulheres transexuais e as travestis também são protegidas pela Lei Maria da Penha. Isso porque a norma trata de gênero, e não de sexo, conta Ana Prata, explicando que a lei é fundada na desigualdade de gênero. “As mulheres ficam em situação de subordinação frente ao homem. São vistas como mais vulneráveis e com menos poder de negociação.”

Mas não há avanço que não receba críticas. Há na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 477/2015, que pretende trocar o termo gênero pela palavra sexo. O deputado federal Eros Biondini (Pros-MG), autor do PL, justifica no documento “a lei aparentemente pressupõe que gênero e sexo sejam conceitos sinônimos”.

Eros, que afirma estar em "defesa da vida e da dignidade humana", é membro da Renovação Carismática Católica (RCC) e fundador da Missão Mundo Novo.

Ana Prata afirma que essa é uma ideia que parte de uma interpretação errada. "É claramente resultado de conservadorismo. Há um movimento que busca retirar a palavra gênero de qualquer projeto que exista.”

Para ela, o projeto é inconstitucional, porque os tratados de Direitos Humanos são claros ao falar de gênero. "A lei é clara na desigualdade social. Há uma desigualdade material entre homens e mulheres."

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