Respeito às decisões

PGFN e Receita Federal dão passo para segurança jurídica

Autores

  • Eurico de Santi

    é professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas

  • Andreia Scapin

    é advogada doutora em Direito Tributário pela USP professora convidada da pós-graduação da Universidade Mackenzie e pesquisadora do Centro Didático Euro-Americano sobre Políticas Constitucionais da Università del Salento Itália/Furb (Brasil).

27 de fevereiro de 2014, 16h10

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

A portaria conjunta PGFN/RFB 1, publicada em 17 de fevereiro de 2014, formaliza a troca de informações entre a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Receita Federal do Brasil (RFB) na hipótese de ser proferida decisão favorável aos contribuintes, seja em controle concentrado de constitucionalidade (STF), seja em Recursos Extraordinários com repercussão geral reconhecida (STF); bem como, em recursos especiais repetitivos (STJ), obedecendo à sistemática dos artigo 543-B e 543-C do Código de Processo Civil.

Busca-se evitar que a RFB lavre autos de infração em desacordo com a jurisprudência pacífica e reiterada dos tribunais superiores, as quais sejam favoráveis ao contribuinte. Essa comunicação deverá ser feita por nota explicativa, informando a RFB sobre a inclusão da matéria na lista de situações em que a PGFN fica dispensada de contestar e recorrer, ex vi do artigo 19 da Lei 10.522/2002, com redação dada pela Lei 12.844/2013.

Se houver pedido de modulação de efeitos da decisão, a PGFN dará conhecimento à RFB do momento em que a nova interpretação jurídica torna-se aplicável, dispensando novas autuações sobre a mesma matéria. Orientará sobre o tratamento dos lançamentos já efetuados, bem como sobre os pedidos de restituição, reembolso, ressarcimento e compensação.

Assim, por intermédio da portaria e ao oferecer critérios de legalidade aos contribuintes, juízes, julgadores tributários, advogados e aos próprios procuradores da fazenda e auditores ficais, PGFN e RFB alinham-se à modernidade e à perspectiva do paradigma do serviço, de maneira a: (i) tornar a Justiça mais ágil e eficiente; (ii) afastar ações judiciais desnecessárias; (iii) minimizar o risco de posicionamentos contraditórios entre órgãos do Poder Judiciário e do Executivo; (iv) garantir a uniformidade, a igualdade e a segurança na aplicação do Direito, (v) oferecer critérios para a realização da atividade plenamente vinculada de constituição e cobrança do crédito tributário (vi) assegurar a previsibilidade das decisões judiciais e (vii) garantir tratamento isonômico na aplicação administrativa para casos semelhantes.

A comunicação produtiva entre a PGFN e a RFB objetiva prevenir discrepâncias entre os precedentes das Cortes brasileiras e essa prática tributária que vem alimentando a indústria do contencioso tributário. Merece registro que o contencioso fiscal, no Brasil, corresponde a 15% do PIB, ao passo que, nos Estados Unidos, segundo dados do Internal Revenue Service (IRS), é de aproximadamente 0,2% do PIB. [1]

Essa orientação da PGFN/RFB 1/2014 traz inúmeros benefícios, pois aumenta o grau de respeito das decisões judiciais, torna a ação da Administração Tributária mais coerente, gera confiança entre Fisco/Contribuinte e propicia melhor qualidade do ambiente de negócios.

Tal prática produz confiança na legislação tributária, permitindo o acesso à legalidade concreta, frequentemente obscurecida pela aplicação injustificada do “sigilo fiscal”.

É um grande passo rumo à segurança jurídica, a qual impõe a possibilidade de conhecer antecipadamente os critérios de tributação praticados concretamente pela Administração Tributária. Ensina Geraldo Ataliba[2] que a previsibilidade de ação estatal assegura ao cidadão, mais do que os direitos constantes do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a paz e o clima de confiança que lhes dão condições psicológicas para trabalhar, desenvolver-se, afirmar-se e expandir sua personalidade.

O controle de constitucionalidade e os recursos que adotam a sistemática dos artigos 543-B e 543-C do Código de Processo Civil (i) garantem a uniformização na aplicação do Direito, (ii) indicam o modo como a norma jurídica deve ser interpretada em todo o território nacional, (iii) asseguram a todos os contribuintes o mesmo tratamento quando submetidos a situações semelhantes e (iv) orientam em caráter estável e permanente todos aqueles que estejam envolvidos com a sua aplicação. Enfim, eliminam barreiras artificiais que atravancam o desenvolvimento institucional do Brasil.

Assim, ao deixar de lavrar auto de infração porque existe decisão favorável ao contribuinte, a RFB contribuirá para: (i) diminuir a indústria do contencioso fiscal, (ii) aumentar o respeito e o apreço do cidadão à atividade da PGFN e da RFB, (iii) desonerar a sociedade dos altos riscos e custos que envolvem o contencioso pernicioso[3] e artificial, (iv) evitar gastos públicos desnecessários com o ônus da sucumbência, e por fim, (v) consolidar o movimento atual da administração tributária federal de tornar-se mais responsiva aos interesses dos contribuintes e investidores, de que são exemplos a retomada dos pareceres normativos e a publicação e vinculação das consultas tributárias.

Nesse sentido, a portaria PGFN/RFB 1/2014 poderá ser um poderoso instrumento que, ao evitar as controvérsias entre os Poderes Executivo e Judiciário, contribuirá para afirmar a validade, a interpretação, a eficácia e a segurança das normas jurídicas no Brasil. Oxalá a medida fosse adotada pelos Estados e Municípios de todo o território nacional.

Contudo, porque essa troca de informações ficaria restrita apenas entre PGFN e RFB? Todos têm direito de saber qual é o valor envolvido em cada uma dessas ações. Afinal, a sociedade tem o mesmo direito de acesso a essas informações que a RFB.

Ocorre que, não obstante (i) a CF/88 determine a transparência dos atos da administração pública como regra e o sigilo como exceção, permitido o “uso do sigilo de informações da Administração Pública” apenas para casos de calamidade pública e de interesse da soberania nacional ex vi do artigo 5º, inciso XXXIII; (ii) a Lei de Transparência — LC 131/2009 — confirme a necessidade de disponibilizar na internet os atos administrativos relativos à arrecadação; e (iii) a Lei de Acesso à Informação (LAI) — Lei 12.527/2011 — determine os procedimentos de abertura e disponibilização de “informações públicas”; a PGFN vem, sistematicamente, negando-se a aderir à transparência e a sujeitar-se ao controle social de seus atos.

No plano normativo, a despeito de resistirem à CF/88, à Lei de Transparência e à LAI, as orientações normativas internas e “secretas” que regulamentaram a LAI parecem insistir em manter os atos administrativos da PGFN ocultos e secretos sob a alegação do “sigilo fiscal”.

No plano fático, basta acessar o site da PGFN para verificar que seus Pareceres relativos à matéria tributária não são disponibilizados em sua integralidade, por exemplo: ao consultar o sítio eletrônico da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional no tópico “Atos da PGFN” e no subtópico “Pareceres”, referente ao ano de 2009, verifica-se que há apenas 12 Pareceres listados em números que não são sequenciais, já que o primeiro é o Parecer 55/2009 e o último, o Parecer 2.712/2009. [4]

Merecem aplausos a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e a Receita Federal do Brasil pelo importante passo dado. No entanto, a caminhada prossegue, pois: legalidade secreta não é legalidade.


[1] Contencioso tributário brasileiro é muito superior ao dos EUA. Conjur. http://www.conjur.com.br/2013-nov-21/lorreine-messias-contencioso-tributario-brasileiro-superior-eua

[2] ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 169.

[3] Terminologia utilizada pela Prof.ª Fátima Cartaxo no V Colóquio Internacional do NEF/Direito GV.

[4] http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/pareceres?page=120 com último acesso em 25/02/2014.

Autores

  • é professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas

  • é pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Doutoranda em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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