Litigiosidade tributária

Contencioso tributário brasileiro é muito superior ao dos EUA

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21 de novembro de 2013, 13h46

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

O grau de litigiosidade em matéria tributária no Brasil é expressivamente superior ao observado em outros países. Este foi o principal resultado encontrado a partir de um levantamento realizado junto às principais fontes de dados tributários.

De acordo com a Receita Federal do Brasil, o valor do passivo tributário, apenas na esfera administrativa, totaliza US$ 230 bilhões. Somam-se a este montante cerca de US$ 100 bilhões[1] relacionados a casos emblemáticos em discussão no judiciário — como controladas e coligadas no exterior, PIS/COFINS sobre instituições financeiras, inclusão das prestadoras de serviços no sistema não cumulativo e ágio. Com efeito, estão em discussão quase US$ 330 bilhões, ou 15% do PIB brasileiro. Este número certamente é muito maior, uma vez que está sendo considerada apenas uma fração dos casos em tramitação hoje no judiciário brasileiro.

Nos Estados Unidos, segundo o Internal Revenue Service (IRS), agência responsável pela arrecadação em âmbito federal, o valor do passivo tributário alcançou cerca de US$ 40 bilhões em 2012, ou 0,2% do PIB daquele país.

Esta diferença drástica também pode ser observada quando confrontado o grau de litigiosidade tributária no Brasil com aquele observado na África do Sul, país em estágio de desenvolvimento semelhante ao nosso. No país africano, o valor dos passivos em discussão, entre 2010 e 2011, eram de US$ 14,3 bilhões (3,6% do PIB), segundo relatório do South African Revenue Services (SARS).

Em termos de números de processos, o Brasil também fica à frente de outros países. Em nosso país, são 16 processos tributários em discussão para cada dez mil habitantes. Nos Estados Unidos e Austrália, estima-se que havia, em 2012, cerca de um processo tributário a cada dez mil habitantes. No Canadá, entre 2010 e 2011, a relação foi de 2 processos em matéria tributária em discussão para o mesmo número de habitantes. Por outro lado, os europeus são os que mais se aproximaram dos níveis brasileiros de litigiosidade — no Reino Unido e Suécia, havia cerca de 9 e 13 processos tributários para cada dez mil habitantes.

É inegável que os países mencionados apresentam estruturas tributárias e judiciárias com várias idiossincrasias, o que talvez não permitisse comparações diretas como aquelas que foram feitas acima. Não obstante, o que se pretende neste artigo não é tecer um comparativo minucioso, mas sim conhecer em grandes números a posição do Brasil frente a outros países no que toca ao grau de litigiosidade tributária.

É bem verdade que a relação elevada entre número de processos e habitantes no Brasil poderia ser tomada como uma evidência favorável de que estamos diante de uma Justiça acessível e de que o cidadãos estão cada mais correndo atrás de seus direitos. No entanto, em um país onde o valor dos passivos tributários representa 15% do PIB, percebe-se uma clara fragilidade das instituições tributárias e jurisdicionais, o que se traduz em insegurança jurídica, desincentivo ao investimento e perda de competitividade das empresas nacionais.

Diante desses resultados, realizei uma série de conversas com autoridades públicas e especialistas em direito tributário para tentar compreender o que, na visão deles, poderia explicar o elevado grau de litigiosidade tributária no Brasil. Como era esperado, ouvi argumentos em diferentes direções. De um lado, há aqueles que entendem que esta situação é resultado da falta de moralidade tributária por parte por contribuintes brasileiros, que enxergam no litígio uma possibilidade de ganhar tempo — na medida em que, ao ingressar com a ação, é suspensa a exigibilidade do débito em questão. Segundo eles, a ausência de custas na via administrativa, os programas de parcelamento de dívidas e a morosidade do judiciário tendem a estimular, em certa medida, litigantes de má-fé.

No outro extremo estão aqueles que reconhecem que o elevado grau de litigiosidade reflete a complexidade das normas tributárias, a necessidade de consolidação e irretroatividade da jurisprudência (administrativa e judicial) e transparência por parte dos órgãos fiscalizadores na interpretação e aplicação da legalidade. Esta visão, da qual compartilho, entende que os contribuintes, na maioria das vezes, vão até a Justiça em busca de seus direitos, porque sentem que eles foram violados.

Nesse sentido, é premente a necessidade de buscar medidas que pudessem reduzir o grau de litigiosidade tributária no Brasil. As iniciativas da Receita Federal em retomar a elaboração de pareceres normativos e divulgar soluções de consulta são positivas. No entanto, é preciso mais, como exigir maior qualidade na elaboração das nossas normas, dar transparência aos de autos de infração[2] e uniformizar e consolidar a jurisprudência entre os tribunais, dentre outros.


[1] Estimativa baseada em dados divulgados pela imprensa.

[2] Ver "Autos de infração do Fisco devem ser públicos", de Mariana Pimentel Fischer Pacheco. Disponível em : http://www.conjur.com.br/2013-mai-16/mariana-pacheco-autos-infracao-fisco-publicos

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