Leia o voto do ministro Marco Aurélio sobre doações
3 de abril de 2014, 14h14
O Brasil vive profunda crise de representatividade política marcada pelo distanciamento entre as pretensões e anseios sociais e as ações concretas dos mandatários políticos. A afirmação é do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, que votou nesta quarta-feira (2/4) contra as doações eleitorais por empresas no financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais.
Segundo o ministro, no Brasil não se vive uma democracia autência, mas uma plutocracia — um sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico, implicando a exclusão dos menos favorecidos. "Os representantes fazem prevalecer, além de interesses próprios, os propósitos nada republicanos daqueles que financiaram as campanhas eleitorais que os levaram aos cargos", diz.
O julgamento da ADI foi suspenso após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Até o momento, a maioria dos ministros do Supremo se posicionou contra as doações de empresas. Ao retomar o julgamento nesta quarta-feira, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski alinharam-se à corrente defendida pelo relator, Luiz Fux, o presidente da corte, Joaquim Barbosa, e os ministros Luis Roberto Barroso e Dias Toffoli. O único que divergiu, votando pela validade das doações de empresas, foi o ministro Teori Zavascki. Além de Gilmar Mendes, ainda não votaram os ministros Celso de Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
Fragilidade da democracia
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio observou que não bastam eleições periódicas para vigorar uma democracia. Segundo ele, para ser efetiva como direito fundamental, a democracia deve se desenvolver por meio de um processo eleitoral justo e igualitário. "Processo governado por normas que o impeçam de ser subvertido pela influência do poder econômico. Essa é a aspiração retratada na presente ação direta de inconstitucionalidade”, explicou.
Citando diversos autores como Timothy Kuhner, Cicero Araújo e David Samuels, o ministro fez uma análise da relação entre as empresas que fazem doações para campanhas eleitorais e suas influências. Ao concluir Marco Aurélio afirmou que a influência do poder econômico no processo político do modo como é feito atualmente no Brasil transgride princípios fundamentais da ordem constitucional, da democracia, da igualdade, da República e da proporcionalidade.
“A participação política no Brasil, considerado o estágio atual de desigualdade de forças socioeconômicas, apenas pode ser elevada, do ponto de vista tanto quantitativo como qualitativo, se for limitada acentuadamente a participação daqueles que buscam cooptar o processo eleitoral por meio do ‘dinheiro’", registrou o ministro em seu voto.
Segundo ele, não é possível acreditar no patrocínio desinteressado das pessoas jurídicas, sendo necessário evitar que a riqueza tenha o controle do processo eleitoral. "A pretensão formulada nesta ação mostra-se, a mais não poder, passo largo e indispensável para colocar um fim no monopólio financeiro das empresas e grandes corporações sobre as eleições e alcançar-se a equidade do processo eleitoral exigida pela Constituição de 1988”, complementou.
Segundo dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral, nas eleições de 2010, um deputado federal gastou, em média, R$ 1,1 milhão, um senador, R$ 4,5 milhões, e um governador, R$ 23,1 milhões. A campanha presidencial custou mais de R$ 336 milhões. Nas eleições municipais de 2012, segundo recente contabilização do Tribunal, teriam sido gastos R$ 6 bilhões. Apontou-se que os maiores financiadores são empresas que possuem contratos com órgãos públicos. O setor líder é o da construção civil, tendo contribuído com R$ 638,5 milhões, seguido da indústria de transformação, com R$ 329,8 milhões, e do comércio, com R$ 311,7 milhões. “Os dados revelam a relevância maior e o papel decisivo do poder econômico para os resultados das eleições”, concluiu o ministro.
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