Sem nomes

Mantida sentença que condenou jornalista por texto fictício

Autor

27 de outubro de 2013, 11h07

A Turma Recursal dos Juizados Especiais de Sergipe manteve, por dois votos a um, a condenação do jornalista José Cristian Góes à prisão — convertida em serviço à comunidade — por injuria contra o desembargador Edson Ulisses de Melo, vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, em texto que não cita seu nome.

Autor do voto vencedor, o juiz José Anselmo de Oliveira considerou que a sentença “bem apreciou os fatos e aplicou corretamente o direito˜. Na sentença mantida foi aplicado o entendimento de que ainda que um texto não faça referência nominal a uma pessoa, o contexto em que foi escrito e as provas testemunhais são suficientes para que a injúria seja caracterizada. Além disso, a sentença concluiu que o jornalista extrapolou a liberdade de manifestação e violou o direito à intimidade.

O relator do recurso na Turma Recursal, juiz Helio de Fiqueiredo Mesquita Neto, foi voto vencido. Para ele, houve prejulgamento da causa e violação a ampla defesa, devendo ser a sentença anulada. No mérito, Mesquita Neto considerou que não houve injúria, tendo o jornalista apenas exercido a liberdade de expressão assegurada pela Constituição Federal.

Prejulgamento da causa
De acordo com o relator, ao receber a denúncia houve deliberação antecipada sobre o mérito. “Não estou aqui a defender a ausência de fundamentação nas decisões de recebimento de denúncia. A fundamentação é obrigatória, e a exigência está no art. 93, IX, da CF, mas ela deve ser sucinta, contida, singela mesmo, para se evitar um julgamento antecipado da lide em desfavor do acusado, expediente totalmente incompatível com o Estado Democrático de Direito e com o sistema processual penal acusatório”, explica Mesquista Neto.

Porém, para ele, na análise de recebimento houve prejulgamento da causa. “Além de estabelecer conexão entre outro texto de autoria do acusado que não foi objeto da denúncia, em notável incursão na atribuição do MP, concluiu que houve narrativa de ações reais imputadas ao governador do estado e ao suposto ofendido”, diz o relator. Ao examinar a adminissibilidade, a juíza Brígida Declerc — que recebeu a denúncia e presidiu o processo — citou um texto do jornalista Cristian Góes que não foi mencionado pelo MP na acusação e afirmou que o texto se referia ao desembargador e ao gorverndor.

“Houve na hipótese dupla afetação, dificultando sobremaneira a defesa do acusado, premido que esteve pela ampliação repentina da carga acusatória, e comprometendo drasticamente a sentença, contaminada que foi pelas razões declinadas na decisão primeira. A declaração da nulidade, portanto, é a medida que se impõe”,complementou.

Liberdade de expressão
Ao analisar o mérito, o relator juiz Helio de Fiqueiredo Mesquita Neto, entendeu que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento há duas alternativas quando houver ofensa a horna: o direito de resposta e a indenização do dano.

“A tutela penal na espécie, além de se constituir evidentemente excessiva, contrariando sua própria natureza de ultima ratio, termina por recriar o abjeto delito de opinião, próprio de regimes autoritários e absolutamente incompatível com a democracia no Estado de Direito. E mais, a liberdade de expressão assegurada na CF, para além de retirar o tipo penal de injúria da ordem jurídica nacional, termina também por subtrair a antijuridicidade da conduta”, afirmou em seu voto pedindo a absolvição do jornalista.

Entretanto, o voto do relator foi vencido. O juiz José Anselmo de Oliveira abriu divergência afirmando que concorda com o entendimento aplicado na sentença, utilizando seus fundamentos para rejeitar os pedidos do jornalista. A juíza Maria Angélica França e Souza acompanhou a divergência.

Responsável pela defesa do jornalista, o advogado Antonio Rodrigo Machado afirmou que irá recorrer da decisão. O advogado observou ainda que o juiz autor do voto divergente já atuado no caso e, atuando como juiz da vara criminal, declinou competência. Em outubro de 2012, o juiz José Anselmo de Oliveira determinou que os autos fossem enviados ao juizado especial por entender que se tratava de crime de menor potencial ofensivo.

“O mais interessante do julgamento é que o magistrado José Anselmo de Oliveira decidiu a questão pela turma recursal, mas foi o mesmo juiz que declinou a competência da ação penal para o juizado especial criminal quando atuava na vara criminal de Aracaju, ou seja, para dar razão ao desembargador, o magistrado atuou em primeira instância e também na turma recursal”, afirma Rodrigo Machado.

Sentença mantida
A sentença mantida condenou o jornalista a 7 meses e 16 dias de prisão. A pena, entretanto, foi convertida em serviço à comunidade. Góes deverá prestar serviço de uma hora por dia em entidade assistencial pelo período da detenção.

Na ocasião, o juiz substituto Luiz Eduardo Araújo Portela entendeu que ainda que um texto não faça referência nominal a uma pessoa, o contexto em que foi escrito e as provas testemunhais são suficientes para que a injúria seja caracterizada.  “Mesmo que não haja referência expressa aos nomes dos personagens, dentro do contexto social e do âmbito de atuação das partes, sobretudo na comunidade jurídica, é perfeitamente claro o direcionamento do texto à vítima”, explicou Portela.

O desembargador decidiu processar o jornalista pela publicação do texto “Eu, o coronel em mim”, no site Infonet, em que Cristian Góes mantém uma coluna com textos relacionados à política e outros de ficção. No texto, o jornalista faz uma crônica sobre o coronelismo. O texto é escrito em primeira pessoa e em nenhum momento cita nomes.

Porém, Edson Ulisses alegou que se sentiu ofendido com o trecho: “Ô povo ignorante! Dia desses fui contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia e eu teria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda desse povo”.

De acordo com o desembargador, o texto é uma crítica ao atual governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), do qual ele é cunhado. Edson Ulisses ingressou então com duas ações judiciais: uma criminal e uma cível. Em uma audiência durante o processo criminal, o desembargador afirmou que “todo mundo sabe que ele escreveu contra o governador e contra mim. Não tem nomes e nem precisa, mas todo mundo sabe que o texto ataca Déda e a mim”.

A defesa do jornalista alegou que o texto tido como injurioso é uma narrativa, obra ficcional em primeira pessoa, que não tem compromisso com a realidade. O advogado alegou que o texto se passa num período muito próximo à abolição da escravidão, já que o coronel ainda possuía escravos. “Era, apenas, um texto ficcional, com referências a situações e aspectos da época em que imperou o coronelismo no país. Sequer determinou-se em qual município o coronel residia ou se ficava aqui no estado. O certo, mesmo, é que o texto não se refere a Sergipe, de forma alguma”, complementa.

Na sentença, o juiz concluiu que o texto não afronta a liberdade de imprensa, mas que viola o direito à intimidade. “Do texto escrito e tido por fictício pelo acusado, visualiza-se a extrapolação da liberdade de manifestação, já que ofende a honra de terceiro. Ao veicular e induzir que o Desembargador seria um “jagunço das leis”, deu a entender que ele estaria a serviço do Governador do Estado, botando em credibilidade não só o exercício funcional da vítima, mas descredibilizando todo o Poder Judiciário”, complementou Portela.

Clique aqui para ler a decisão da Turma Recursal.
Clique aqui para ler a sentença mantida.
Clique aqui para ler a primeira decisão do juiz José de Oliveira.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!