Defesa cerceada

Júri que condenou réu por crimes patrimoniais é anulado

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25 de fevereiro de 2013, 18h03

O Tribunal de Justiça de São Paulo anulou um Júri após constatar que o réu foi denunciado por homicídio e por crimes patrimoniais, sem qualquer relação entre si, o que acabou cerceando o direito de defesa, uma vez que crimes patrimoniais não são julgados em Júri. Além disso, durante o julgamento o advogado do réu não pôde conversar com seu cliente em um local reservado, sendo eles obrigados a conversar no próprio Plenário, diante de todos. No entendimento da maioria dos desembargadores da 10ª Câmara Criminal do TJ-SP, somente este fato já seria suficiente para nulidade do Júri. A decisão é do último dia 31 de janeiro.

No caso, o réu foi preso em flagrante acusado de ter matado sua esposa. Durante as buscas a polícia encontrou um cheque e uma cédula de identidade que foram furtados dois meses antes do homicídio. Além disso foram encontrados cartões de lojas e bancos, que, segundo o acusado, foram recebidos de um desconhecido. Diante dos resultados das investigações, o Ministério Público fez a denúncia pelos crimes de homicídio duplamente qualificado, furto e receptação dolosa, mesmo estes não tendo relação. O réu foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri e condenado pelos três delitos a mais de 21 anos de reclusão.

Diante da situação, o réu, representado pelo advogado Hugo Leonardo, do escritório Hugo Leonardo Advogados, entrou com Recurso de Apelação, pedindo a nulidade do julgamento. Entre as motivações para a anulação o advogado apontou a ausência de conexão entre e os crimes patrimoniais e o homicídio, em razão de o apelante ter sido impedido de plenamente exercitar o seu direito à defesa acerca das acusações legitimamente processadas, por ter que se manifestar acerca de fatos alienígenas que contaminaram o desenvolvimento dos trabalhos e a convicção dos jurados. Também pediu que fosse reconhecida a nulidade do julgamento pelo cerceamento de defesa decorrente da impossibilidade de defensor e acusado se comunicarem de forma reservada antes do interrogatório.

Ao analisar o recurso, a maioria dos desembargadores acolheu a tese da defesa, determinando a anulação do Júri por cerceamento de defesa e um novo julgamento, exclusivamente em relação ao crime contra a vida. Ao proferir seu voto, o desembargador Francisco Bruno afirmou que o réu foi nitidamente prejudicado. “Com efeito: como negar que a indevida inclusão dos crimes patrimoniais roubou da defesa tempo precioso? Como explicar aos jurados a possível relação entre o furto de um cartão bancário e uma cédula de identidade, a receptação de cheques e cartões e o homicídio, por ciúme, da mulher?”, questionou.

Francisco Bruno entendeu que deveria ser anulada em parte a denúncia exclusivamente quanto aos crimes contra o patrimônio, sem prejuízo de se oferecer nova denúncia nessa parte.

O desembargador Carlos Bueno, relator do caso, foi voto vencido. Ele reconheceu que não há conexão entre os crimes, porém votou apenas por afastar as condenações pelos crimes patrimoniais. “Realmente, e conforme as razões recursais, não havia absolutamente nenhuma conexão entre o crime contra a vida e aqueles dois contra o patrimônio, pedindo-se vênia para se referendar na íntegra, e nessa parte, a tese da defesa, acolhida neste julgamento para afastar da condenação os crimes de furto e de receptação dolosa”.

Conversa reservada
Outro ponto contestado pelo advogado Hugo Leonardo foi o cerceamento de defesa decorrente da impossibilidade de defensor e acusado se comunicarem de forma reservada antes do interrogatório. Após a oitiva das testemunhas o defensor solicitou ao juiz que presidia os trabalhos que lhe fosse disponibilizado um local para que pudesse conversar com o acusado, de forma pessoal e reservada, antes do interrogatório.

O juiz afirmou que aquele foro da Justiça não dispunha de qualquer sala reservada para essa finalidade e decidiu que a conversa transcorreria ali, em Plenário, diante, inclusive, dos jurados. O advogado acatou a decisão e conversou com seu cliente em voz baixa para que não fossem ouvidos, porém pediu para registar em ata a decisão do magistrado.

No Recurso de Apelação, o advogado afirmou que a decisão do juiz, além de afronta a lei e a Constituição Federal, aniquila a possibilidade de haver uma decisão serena e imparcial por parte dos jurados.

“O que pensar, o julgador leigo, da cena assistida: o réu preso, algemado em Plenário, de fronte aos jurados, sentado no banco dos réus e o seu defensor de cócoras a cochichar em seu ouvido? Nas cabeças dos juízes leigos, como evitar a associação daquela conversa garantida constitucionalmente, com uma instrução de como proceder às perguntas de modo a se safar da responsabilidade criminal?”, questiona Hugo Leonardo.

Ele esclarece que, a conversa com o cliente não se trata de combinação de estratégia, mas sim do exercício de um direito fundamental, garantido pela Constituição Federal e assegurado pela lei processual penal.

Em seu voto, o desembargador Francisco Bruno ressaltou que a entrevista reservada, não quer dizer que se trata de entrevista inaudível por terceiros. “O defensor, conversando aos cochichos com o acusado, na presença dos jurados, certamente não se pode chamar de entrevista reservada”, afirmou. “Isto bastaria, a meu ver, para anular o julgamento”, concluiu.

O desembargador Carlos Bueno, voto vencido, defendeu a decisão do juiz. “Sabe-se das precariedades que existem em fóruns criminais deste estado e mesmo deste país. Com a devida vênia, seria exigir muito uma sala exclusiva para essa entrevista. O que importa considerar é que o magistrado presidente do Júri tomou toda a cautela para que a conversa entre defesa e réu não fosse presenciada ou ouvida por ninguém. Parece que nas circunstâncias o juiz fez o que era possível”, afirmou. Para ele, a nulidade haveria se a conversa não fosse permitida.

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