Novas regras

2012 pode se tornar um marco contra a lavagem de dinheiro

Autor

  • Márcio Adriano Anselmo

    é delegado da Polícia Federal doutor pela Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela UCB e especialista em investigação criminal pela ESP/ANP e em Direito do Estado pela UEL.

19 de julho de 2012, 8h29

Tal qual no filme 2012, que traz eventos cataclísmicos que se desenvolvem no ano de 2012, pode-se dizer que o combate à lavagem de dinheiro pode ter em 2012 seu ano de cataclismos.

Iniciando por fevereiro, na reunião do GAFI, foi publicada a revisão das 40+9 Recomendações (documento máximo no combate a lavagem de dinheiro), que orienta a política mundial de combate à lavagem. As 40 Recomendações, que após o 11 de setembro foram acrescidas de outras nove específicas com relação ao terrorismo e seu financiamento, foram novamente revistas em 2012 e voltaram a ser quarenta, com as recomendações referentes ao terrorismo incorporadas ao texto das quarenta recomendações.

Dentre as mudanças, é importante destacar:
Reforço da abordagem baseada em risco — previsto logo no início do texto, prevê que os países devem adaptar a seu sistema contra a lavagem de dinheiro e contra o financiamento do terrorismo em relação à natureza dos riscos, com medidas reforçadas, onde os riscos são mais elevados e medidas simplificadas, onde os riscos são menores. O sistema, dessa forma, tende a se tornar mais eficaz e menos oneroso.

Identificação do beneficiário final — reforço na necessidade de transparência sobre a propriedade e o controle das pessoas jurídicas e entidades jurídicas (como, por exemplo, na figura dos trusts, que já havia sido objeto específico de um report anterior do GAFI), ou sobre as transferências eletrônicas de fundos, em razão de sua vulnerabilidade à utilização para lavagem.

Cooperação Internacional — estímulo e reforço à cooperação internacional entre as agências governamentais, permitindo um intercâmbio mais eficaz das informações para fins de investigação, bem como nas medidas cautelares para bloqueio e repatriação de bens ilícitos.

Novas ameaças e novas prioridades
a) uma nova recomendação (Recomendação 7) que visa garantir uma aplicação coerente e efetiva das sanções financeiras específicas, quando se verifica uma determinação do Conselho de Segurança da ONU nesse sentido.

b) reforço às instituições financeiras para identificar pessoas politicamente expostas (PEPs) — que potencialmente representam um maior risco de corrupção em virtude dos cargos que ocupam (Recomendação 12).

c) crimes tributários — expansão da lista de crimes antecedentes para inclusão dos crimes fiscais, dentre eles o contrabando, permitindo às autoridades investigarem a lavagem de dinheiro derivada de tais crimes, o que pode refletir na facilitação da cooperação internacional nesses casos (Recomendação 37);

d) novas tecnologias — a Recomendação 15 sugere atenção ao risco de utilização de produtos oriundos de novas tecnologias para a lavagem de dinheiro, na esteira de recentes estudos de tipologia do GAFI acerca de sua utilização.

Um ponto bastante interessante nessas mudanças é a posição expressa do GAFI ao conclamar os países à ampla cooperação, sob duas perspectivas: inexistência de óbices, sobretudo com relação a natureza dos crimes, como por exemplo no caso de crimes fiscais; e quanto à ampla cooperação entre órgãos executores da lei, unidades de inteligência financeira, entidades de supervisão bancária, etc, reforçando a necessidade de intensa cooperação internacional nessa área.

Além das mudanças em nível internacional, foi sancionada a Lei 12.683, em 9 de julho de 2012, após a aprovação pelo Congresso Nacional do Projeto de Lei 3.443-A, de 2008, que se arrastava há anos objetivando a revisão da legislação nacional. O novo diploma legal introduz mudanças significativas na atual lei brasileira de combate à lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98), sobretudo no sentido de adequá-la a compromissos internacionais firmados pelo Brasil, desde as Convenções de Viena, Palermo e Mérida ao cumprimento de Recomendações do GAFI.

A principal das mudanças já se dá no tipo penal da lavagem de dinheiro, substituindo o rol de crimes antecedentes, elevando a legislação brasileira à terceira geração, semelhante à dos países mais desenvolvidos.

Em que pesem as críticas já lançadas pelos apocalípticos, tal mudança é fundamental para que se possa reprimir a lavagem oriunda de diversas infrações penais cuja lei atual não permite a punição pelo crime de lavagem de dinheiro advindo do jogo ilegal, a título de exemplo, que, como sabemos, movimenta milhões.

Tal alteração é importante para alcançar a lavagem de dinheiro oriundo de determinados tipos penais, sobretudo a partir da decisão do STF no HC 96.007/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 12.6.2012 (Informativo 670 — 11 a 15/06/2012), que entendeu pela inadmissibilidade da aplicação da lavagem de dinheiro praticada por organizações criminosas, mesmo com a clareza do texto legal, que diz em crimes praticados por organizações criminosas, mesmo com o conceito de organização internalizado na legislação brasileira por meio do Decreto 5.015, de 12 de março de 2004 (que promulga a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional).

Na esteira dessa decisão, crimes como o tráfico de pessoas, por exemplo, que gera grande acúmulo de valores, não poderia ser alcançado pelo tipo penal da lavagem de dinheiro, ainda que praticado por grandes organizações criminosas transnacionais.

O rol dos sujeitos obrigados a reportar operações atípicas/suspeitas também foi expandido para abarcar novas atividades econômicas potenciais para a lavagem de dinheiro: os prestadores de serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza; os que atuam no mercado de atletas, artistas ou eventos; empresas de transporte de valores; comerciantes de bens de alto valor oriundos da atividade rural.

Assim, espera-se que o ano de 2012 possa ser efetivamente um marco no combate à lavagem de dinheiro, em que pese o maior problema ainda se encontre na escassez de condenações criminais transitadas em julgado com relação a esse crime, conforme já apontado inclusive no relatório de avaliação do Brasil pelo GAFI, e cuja situação parece perdurar.

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