Direitos políticos

Perda de mandato deve ser declarada pelo Legislativo

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17 de dezembro de 2012, 11h43

Na sexta-feira, 14 de dezembro de 2012, o site do STF disponibilizou o voto do eminente ministro Gilmar Mendes sobre a questão da perda do mandato eletivo pelos parlamentares condenados na AP 470, que julga o esquema conhecido como mensalão. O voto foi divulgado também pela revista eletrônica Consultor Jurídico na edição de sábado, 15 de dezembro de 2012. No voto divulgado, o ministro apresenta os fundamentos pelos quais entende ser a perda do mandato um efeito imediato da sentença penal proferida pelo STF na AP 470.

Em que pese a admiração que tenho por esse gigante do STF que é o ministro Gilmar Mendes, não posso concordar com o que, no meu sentir, não passam de antinomia e incongruência aparentes. É o que tento demonstrar neste ensaio de modo resumido, pelo menos sem a extensão das 43 páginas que compõem o voto do eminente ministro.

De acordo com o ministro Gilmar Mendes, há antinomia em relação ao artigo 15, III, e incongruência na sistemática de perda de mandato em razão de causas diferentes, as quais (antinomia e incongruência) são geradas pela transposição do inciso VI do parágrafo 3º para o parágrafo 2º do artigo 55 da Constituição Federal.

Ao fazer uma análise dos debates que configuraram o processo político de formação da norma constitucional e culminaram com a adoção da regra tal como vigente no texto da Carta Política, o ministro Gilmar Mendes reconhece ter sido a vontade do constituinte originário estabelecer um duplo controle sobre a perda do mandato eletivo. Isso é mesmo expresso no voto quando afirma “que tudo indica, quis o legislador constituinte estabelecer, como mais uma garantia do Estatuto Parlamentar (ao lado das imunidades formais e materiais), uma espécie de duplo controle político da perda de mandato parlamentar por condenação criminal transitada em julgado”. Esse reconhecimento é importante para o que se diz adiante.

Ao colocar a primeira premissa do seu argumento, o ministro reconhece que o artigo 15, III, retrata a hipótese geral quando afirma que o comando nele insculpido configura “a regra geral, que prescreve a suspensão dos direitos políticos como efeito automático da condenação criminal transitada em julgado”.

Dois aspectos devem ser ressaltados neste passo. O primeiro, o reconhecimento de que o artigo 15, III, da CF representa uma regra geral. O segundo é que a incidência das prescrições nele contidas, isto é, “suspensão dos direitos políticos como efeito automático” exige condenação transitada em julgado.

Não obstante, logo em seguida, o ministro Gilmar Mendes, afirma que a antinomia constitucional configura-se “entre o artigo 15, inciso III, e o artigo 55, inciso VI e parágrafo 2º, da Constituição” porque o artigo 15, inciso III, prescreve a suspensão dos direitos políticos como um efeito automático de toda condenação penal transitada em julgado, e o artigo 55, inciso VI e parágrafo 2º, estabelece que a perda do mandato parlamentar, na hipótese de condenação criminal transitada em julgado, fica condicionada ao controle político das Casas Legislativas”.

A suposta antinomia caracterizaria, então, segundo o ministro, “uma completa incongruência na sistemática de perda do mandato parlamentar” e deriva de fato de que “o próprio artigo 55, em seu inciso IV, estabelece” a hipótese de perda do mandato decorrente da suspensão dos direitos políticos, a qual ocorre por incidência do inciso III do artigo 15 (condenação criminal transitada em julgado) e deve ser apenas declarada pela Mesa das Casas Legislativas, conforme preceitua o parágrafo 3º do artigo 55”.

Com todo o respeito que o ministro merece, e aqui apenas se exerce o direito de liberdade de expressão que inere a toda democracia, força reconhecer incide em alguns equívocos de premissa e conclusão.

Em primeiro lugar, para que o raciocínio possa desenvolver-se, vale transcrever as normas constitucionais geradoras das supostas antinomia e incoerência. São elas:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
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III — condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
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IV — que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
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VI — que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
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§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
……………………………………………………………………………………..
§ 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

Para logo, impende esclarecer que o artigo 15 da CF constitui cláusula de proteção dos direitos políticos de todos os indivíduos de modo geral (e não só dos parlamentares), direitos esses que não poderão ser cassados salvo nas hipóteses ali expressa e taxativamente previstas. Portanto, a primeira ilação que advém da leitura do artigo 15 é que se trata de uma norma de índole protetiva. Não dispõe sobre o modo como a cassação ou suspensão de direitos políticos deve ocorrer nem de quem é a competência para decretá-las. Apenas elenca as hipóteses em que os direitos políticos poderão ser cassados ou suspensos.

Também parece questionável se o artigo 15, III, estabelece a perda ou suspensão dos direitos políticos como um efeito automático da condenação criminal transitada em julgado, ou se apenas constitui uma autorização para o legislador ordinário regular a matéria por de lei infraconstitucional. Essa questão fica mais clara quando se indaga, olhando exclusivamente para o artigo 15, III, da CF, se toda condenação criminal transitada em julgado deve produzir o efeito de perda ou suspensão de direitos políticos.

A resposta parece estar no próprio artigo 15, e deve ser negativa, porquanto não traz nenhuma disposição sobre quando a condenação criminal transitada em julgado deve acarretar a perda e quando deve provocar apenas a suspensão de direitos políticos. Tal distinção, por óbvio, deve ser resolvida pela lei infraconstitucional. Isso significa que incumbe à lei infraconstitucional disciplinar a matéria. Assim, v.g., poderia o legislador escolher que apenas a condenação pela prática de crime hediondo acarretaria a perda ou suspensão de direitos políticos, porque não parece justo que alguém que tenha cometido um crime de menor potencial ofensivo perca seus direitos políticos, pelo menos na mesma extensão daquele que cometeu um crime hediondo, e/ou quais, dentre o conjunto que perfaz o rol dos direitos políticos, aqueles que devem ser afetados pela condenação criminal transitada em julgado, à medida que a perda ou suspensão pode incidir apenas sobre alguns desses direitos, v.g. a perda do direito de ser votado, mas não a de votar. Isso é o que parece mais racional e conforme o sistema ideado pelo legislador constituinte e os princípios orientadores de uma democracia de verdade, harmonizando-se melhormente, inclusive, com as disposições do art. 5º, XLVI, da CF (individualização da pena).

A conclusão, então, é que o artigo 15 não contém um preceito constitucional aplicável tout court, mas constitui, isso sim, norma de natureza programática que enfeixa tanto uma orientação quanto uma autorização específicas para o legislador constituinte elaborar a lei no plano infraconstitucional do ordenamento jurídico que trate dessa matéria.

Ainda em relação ao artigo 15 deve fazer-se a distinção entre perda e suspensão dos direitos políticos, porquanto são esses os efeitos da cassação ali prevista. De acordo com José Afonso da Silva (Comentário contextual à Constituição, 8ª ed., Editora Malheiros, 2012, pp. 234-237) os incisos I e IV são hipóteses de perda de direitos políticos, os quais se extinguem, embora possam ser readquiridos consoante a Lei 818/49, naquilo que não conflita com a atual Constituição Federal, enquanto os incisos II, III e V do artigo 15 são hipóteses de suspensão de direitos políticos. Ainda abeberando na lição de José Afonso da Silva, a perda de direitos políticos constitui a extinção desses direitos por uma causa incompatível com sua titularização e exercício, v.g., a perda da nacionalidade, porque quem perde a nacionalidade passa à condição de estrangeiro e de acordo com o parágrafo 2º do artigo 14 da CF, o não nacional não pode alistar-se como eleitor, logo, não pode votar nem ser votado, não possui nem exerce direitos políticos no Brasil. A suspensão de direitos políticos, por seu turno, consiste na privação temporária do exercício desses direitos, enquanto durar a causa obstativa.

Já o artigo 55 trata das hipóteses concertas em que poderá haver perda de mandato eletivo e de quem é a competência para decretá-la, sendo, portanto, norma específica quanto ao sujeito passivo (por conter uma restrição subjetiva a caracterizar a distinção que se deve fazer entre gênero e espécie), uma vez que só pode perder o mandato quem nele esteja investido, ou seja, aquelas pessoas detentoras de mandato eletivo, os parlamentares. Além disso, também contém norma específica sobre a perda do mandato em razão de condenação criminal transitada em julgado, bem como a competência para decretar tal perda.

Começando o exame pelo que dispõe o artigo 55, IV, da CF, “perderá o mandato o Deputado ou Senador que perder ou tiver suspensos os direitos políticos”. De acordo com esse dispositivo constitucional, a perda do mandato em decorrência da perda ou suspensão de direitos políticos prevista indica claramente que o mandato eletivo ou não constitui hipótese de direito político, ou, embora sendo um direito pertencente ao conjunto dos direitos políticos, portanto, um direito político, deve ser excluído do rol desses direitos para os fins de incidência do referido dispositivo constitucional.

Supondo que o mandato eletivo seja um direito político, então, sua perda como efeito da aplicação do inciso IV do artigo 55 gera menos uma antinomia do que um ilogismo, porquanto a expressão “direitos políticos” contida no inciso IV do artigo 55 teria como referente a palavra “mandato” (e todo o valor semântico de que está impregnada), o que cometeria ao preceito constitucional um significado que poderia ser escrito de forma direta do seguinte modo: “Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: IV — que perder ou tiver suspenso o seu mandato”. A redundância tautológica é palmar. Trata-se da falácia petitio principii ou circulus in demonstrando. Admiti-la equivaleria cometer um atentado interpretativo contra a boa técnica legislativa, mormente porque a questão analisada trata da estatuição de hipótese entre aquelas do rol taxativo de perda do mandato. Em outras palavras, é totalmente descabida a interpretação cujo resultado conduz a um absurdo ululante do tipo “perderá o mandato o Deputado ou Senador que perder o mandato”, o que só pode ocorrer se se presumir o erro do constituinte. Mas isso significaria laborar com a exceção e fazer tábula rasa de todo o processo político e intensos debates que antecederam a redação final da regra constitucional.

Diante desse ilogismo, deve o intérprete desbastar o caminho brumoso que dificulta a razão para aclarar o campo e bem compreender a norma a fim de dar a ela a plena validade pretendida pelo constituinte. Lembre-se de que o eminente ministro Gilmar Mendes reconheceu ter sido do desejo do constituinte estabelecer “um duplo controle sobre a perda do mandato eletivo”. A detecção dessa intenção do constituinte sinaliza para o fato de ter sido seu desejo criar uma rega especial a respeito do mandato em razão de suas peculiaridades: o detentor do mandato exerce função de estado em um dos Poderes da União. É essa especificidade que ao intérprete incumbe revelar ao examinar o corpus constitucional.

Então, se num primeiro momento pode parecer haver uma antinomia real, não menos verdadeiro é que o exame acurado desvela não passar de uma antinomia apenas aparente aquela indicada pelo insigne ministro Gilmar Mendes, pois o mandato não se insere no rol dos direitos políticos para efeito de incidência do inciso IV do artigo 55 da CF.

Poder-se-ia, então, alegar que o inciso IV do artigo 55 incidira como consequência da aplicação do inciso III do artigo 15. Contudo, isso também é falso porque o inciso III do artigo 15 não tem incidência automática, como ficou demonstrado acima, antes constitui apenas fundamento para que uma norma infraconstitucional possa produzir o efeito da perda ou suspensão de direitos políticos em razão de condenação criminal transitada em julgado. Isso significa que a aplicação do inciso IV do artigo 55 está subordinada à aplicação da lei infraconstitucional a respeito da perda de direitos políticos por condenação criminal transitada em julgado.

Porém, no que diz respeito à perda do mandato em razão de condenação criminal transitada em julgado, há regra específica no inciso VI do artigo 55. A existência dessa regra específica afasta a possibilidade de se aplicar a regra geral prevista no artigo 15, III, a qual exige seja ela combinada com alguma norma infraconstitucional para só então ter aplicação o inciso IV do mesmo artigo 55 da CF. Nos casos de perda do mandato eletivo em razão de condenação criminal transitada em julgado, impõe-se o princípio da especialidade lex specialis derrogat generali. Basta imaginar o que sucederia se não houvesse a regra do artigo 92, I, do CP. O inciso III do artigo 15 seria um comando latente, sem aplicabilidade, enquanto aquele previsto no artigo 55, VI, tem aplicação imediata, pois não depende de nenhuma norma para lhe completar o sentido. Seria, por outro lado, um completo contrassenso pensar que a superveniência da norma infraconstitucional a complementar o artigo 15, III, tivesse o condão de derrogar o artigo 55, VI, a ele se sobrepondo.

A solução, portanto, que afasta a suposta antinomia, é excluir o mandato eletivo do rol dos direitos políticos referidos no inciso IV do artigo 5º. Isso, além de possível, é aconselhável porque evita incorrer na petição de princípio apontada. Com tal providência, a regra constitucional contempla, então, três hipóteses bem distintas, por obra do princípio lex specialis derrogat generali, a saber:

1ª) qualquer indivíduo que seja condenado por sentença criminal transitada em julgado poderá perder ou ter suspensos seus direitos políticos. Isso, contudo, é automático como um efeito da sentença, mas depende de disposição prevista em lei infraconstitucional. A regra não se aplica àqueles que detenham mandato eletivo, porque nesta hipótese há regra específica contida no artigo 55, VI e parágrafo 2º, da CF, que disciplina a perda do mandato em razão de condenação criminal transitada em julgado;

2ª) qualquer parlamentar que sofra a perda de seus direitos políticos — destes excluídos o mandato para evitar o ilogismo tautológico atrás demonstrado, segundo o qual a perda do mandato seria decorrente da perda do mandato — por qualquer motivo, salvo em razão de condenação criminal transitada em julgado (porque para essa hipótese há regra específica), perderá seu mandato por decreto da Mesa da Casa Legislativa a que pertencer (art. 55, IV e § 3º);

3ª) o parlamentar que for condenado por sentença criminal transitada em julgado perderá o mandato por decreto, não da Mesa, mas da própria Casa Legislativa, a que pertencer, isto é, do Plenário (art. 55, VI, § 2º).

Como se percebe, nas duas primeiras hipóteses, a norma especial relativa à perda do mandato em razão de condenação criminal transitada em julgado excepciona a regra geral e faz desaparecer a suposta antinomia porque o conflito porventura existente entre a regra geral e a especial resolve-se em favor desta, que deve ser aplicada afastando a aplicação daquela.

Por outro lado, não se pode olvidar que o inciso I do artigo 92 do Código Penal estabelece, como efeito da sentença penal condenatória, a perda do mandato eletivo. De pronto já se pode identificar o conflito hierárquico entre o inciso I do artigo 92 do CP, que não exige o trânsito em julgado da condenação para produzir seus efeitos, enquanto as normas constitucionais o fazem. Já por aí se afigura a inconstitucionalidade do inciso I, in fine, do artigo 92 do CP. Na verdade, a inconstitucionalidade é da Lei 9.268/96, na parte em que alterou a redação do inciso I do artigo 92 do CP, tendo sido a redação anterior deste dispositivo, na parte em que se refere ao mandato eletivo, revogada pela CF/88 porque em conflito com as disposições constitucionais, independentemente de se considerar o mandato eletivo um direito político ou não.

Também não vinga a incongruência sistêmica apontada pelo ministro Gilmar Mendes quando compara a perda do mandato eletivo em razão da aplicação do artigo 55, VI e parágrafo 2º com as hipóteses de perda do mandato por improbidade administrativa ou por captação de sufrágio.

A primeira hipótese, perda do mandato por improbidade administrativa, está prevista no inciso V do artigo 15, c.c. parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição. Assim, havendo sentença civil que reconheça a ocorrência de improbidade administrativa (art. 15, V), o parlamentar perderá seus direitos políticos (§ 4º do art. 37), e em razão disso, perderá o mandato (art. 55, IV), perda essa que será declarada pela Mesa da Casa a que pertencer o parlamentar.

Por uma questão de escolha, ou política legislativa constitucional, optou-se nessa hipótese que a perda do mandato deve ser declarada pela Mesa da Casa legislativa integrada pelo parlamentar. Isso não conflita com a escolha feita a respeito da perda do mandato em razão de condenação criminal transitada em julgado, tendo o constituinte preferido nesta hipótese que a declaração de perda do mandato seja feita não pela Mesa, mas pela própria Casa Legislativa a que pertencer o parlamentar, ou seja, pelo Plenário, em votação secreta, assegurado o direito de defesa. Não se pode suprimir essa distinção sob o argumento de haver inconsistência sistêmica, porque isso, definitivamente não há. São hipóteses distintas com soluções específicas para cada qual.

De qualquer modo, em ambas as hipóteses, a perda do mandato eletivo deve ser sempre declarada pela Casa Legislativa integrada pelo parlamentar, num caso por um órgão da Casa, a Mesa, no outro pelo Plenário. Não há nada de incoerente nisso, senão apenas diferentes critérios utilizados pelo constituinte originário, e critérios não se sujeitam a um juízo de valor de correção, senão apenas de utilidade.

Com relação à perda do mandato em razão da captação de sufrágio, que seria decretada pela Justiça Eleitoral, isso não é correto. Trata-se de um grande equívoco conceitual que vem de ser propagado por essa justiça especializada.

O artigo 41-A da Lei 9.504/97 comina a sanção de cassação do registro de candidatura ou do diploma àquele que for condenado por captação de sufrágio. O prazo decadencial para propositura da ação correspondente é o do período eleitoral, isto é, inicia-se com a efetivação do registro e termina com a diplomação dos eleitos. Se a decisão final for proferida antes do pleito, ocorrerá a cassação do registro da candidatura, ou seja, o cancelamento desse registro, de modo que ele não concorrerá nas eleições. Se a decisão definitiva ocorrer depois do pleito e o candidato tiver sido eleito, então, ele perderá o diploma. Além disso, a captação de sufrágio é uma das modalidades caracterizadoras do abuso de poder econômico e acarreta a inelegibilidade legal por três anos (art. 1º, I, d, da LC 64/90).

Como se percebe, não se trata de hipótese de perda do mandato propriamente dita. O que ocorre não é a perda do mandato em razão de decisão da Justiça Eleitoral, mas, isto sim, ou a perda do registro, e quem não é registrado não pode ser votado, ou a perda do diploma porque o pressuposto da diplomação é que o candidato pudesse ser votado, e para ser votado precisa ser registrado; como o registro é invalidado em razão da captação de sufrágio, desaparece o pressuposto lógico necessário para a diplomação, de modo que os efeitos da sanção se estendem para atingir o diploma ex vi legis (art. 41-A da Lei 9.504/97). Em suma, o candidato não perdeu o mandato porque nunca chegou a tê-lo. Uma analogia ajudará a compreender melhor essa intrincada questão, como de resto soem ser aquelas em matéria eleitoral, conquanto no meu sentir admitam entendimento bem mais simples e direto do que lhes tem sido atribuído pela Justiça Eleitoral. Compare-se o candidato a um jogador de futebol. A elegibilidade equipara-se à aptidão (estar em condições de) para participar de uma peleja (pleito). O registro equipara-se a estar relacionado pelo técnico para tomar parte num jogo específico. Aí, o jogador vai para o jogo, entra em campo e comete uma falta grave (captação de sufrágio). É expulso pelo juiz (tem seu registro cassado). Isso significa que não mais participará daquele jogo (da eleição para a qual estava registrado). Porém, de acordo com as regras do campeonato, o jogador expulso fica suspenso ou impedido de participar dos próximos três jogos (o candidato cujo registro é cassado por captação de sufrágio fica inelegível pelos próximos três anos, porque a captação de sufrágio é espécie de abuso de poder que induz essa penalidade). Mais uma vez, não há perda de mandato.

Portanto, também essa incongruência apontada pelo ministro Gilmar Mendes não vinga para explicar a perda automática do mandato eletivo a partir da condenação na AP 470.

Minha conclusão final é que a perda do mandato eletivo dos réus na AP 470 somente pode ser declarada pelo Plenário da Casa Legislativa a que pertencer o parlamentar, o que significa o acerto do voto da ministra Rosa Weber e dos que a acompanharam nesse ponto.

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