Polícia e MP

TJ rejeita tramitação direta de inquéritos policiais

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15 de novembro de 2010, 8h40

Embora as investigações policiais não tenham de se submeter ao contraditório, procedimento a que a doutrina criminal chama de inquisitivo, o fato de lidarem com a liberdade das pessoas já é motivo suficiente para que não saiam das vistas do Judiciário. Foi assim que o Conselho Superior da Magistratura do Judiciário paulista decidiu enterrar a proposta de permitir que inquéritos tramitem entre a Polícia e o Ministério Público sem a intermediação da Justiça. A decisão, tomada no dia 9 de novembro, rejeitou, por seis votos a um, a ideia lançada pela Corregedoria-Geral da corte. Municípios do interior paulista terão de revogar autorizações já concedidas nesse sentido, segundo publicação feita no Diário da Justiça Eletrônico desta sexta-feira (12/11).

Jorge Rosenberg
Luís Ganzerla - Jorge Rosenberg

“Por maioria de votos, rejeitaram a proposta da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, nos termos do voto do Desembargador Luis Antonio Ganzerla [foto], com a imediata revogação de todas as Portarias baixadas pelos Juízos de 1ª Instância, dando-se a esta decisão caráter normativo”, diz o texto publicado. O acórdão ainda será elaborado.

De acordo com o autor da proposta, desembargador Munhoz Soares, com exceção dos pedidos de medidas cautelares como prisões preventivas, escutas telefônicas e buscas e apreensões, a Justiça não precisa intervir a cada vez que um inquérito entra ou sai, o que seria evitado com a tramitação direta. “Isso elimina burocracias. O juiz não tem que receber o inquérito, para depois somente despachar para dar carga ao MP”, disse ao defender a mudança em seminário ocorrido em outubro. Segundo ele, o Judiciário só tem de intervir se houver lesão a um direito individual. “Nenhuma lesão pode ser subtraída do conhecimento judicial.”

A intenção era que o Conselho Superior da Magistratura aprovasse uma resolução que alterasse o procedimento. Para vigorar, a nova norma teria de passar também no Órgão Especial da corte. Na Justiça Federal de todo o país e no Tribunal de Justiça do Paraná a regra já vigora. O Conselho Nacional de Justiça também discute a matéria. Pelo menos duas ações diretas de inconstitucionalidade tramitam no Supremo Tribunal Federal contra o procedimento.

Se passasse em São Paulo, a proposta extinguiria o Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária (Dipo), hoje responsável pelo setor que acompanha a tramitação de inquéritos antes da apresentação das denúncias pelo MP.

A ideia não é bem-vinda entre advogados e delegados de polícia. O temor é que o Ministério Público concentre o controle da investigação, compromentendo a imparcialidade na busca de provas, já que o MP será parte na possível ação penal decorrente do inquérito. O fato de ter a função de controlar externamente a polícia, disseram os desembargadores, não dá ao MP a administração dos inquéritos.

Além disso, como quem preside hoje a investigação é a autoridade policial, advogados podem recorrer tanto a ela quanto ao Judiciário para ter cópias do que já tiver sido documentado, dependendo da localização física dos autos, inclusive os sigilosos. Há dúvidas quanto a essa disponibilidade com o inquérito sob controle do MP, até mesmo devido à falta de estrutura do órgão.

Foi o que levaram em conta os desembargadores que formaram maioria no Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça. Contrariando o voto do corregedor, o conselho entendeu que a garantia do direito constitucional à liberdade não pode ser observada pelo Judiciário apenas quando há pedidos de medidas cautelares. Segundo o colegiado, o acompanhamento de toda a investigação envolve a garantia de abertura de vista dos autos aos defensores e do cumprimento de prazos.

Como antecipou a Consultor Jurídico em outubro, quem abriu a divergência foi o presidente da Seção de Direito Público, desembargador Luiz Ganzerla, que havia pedido vista do processo. Com ele votaram os desembargadores Viana Santos, presidente do tribunal, Marco César, vice-presidente, Reis Kuntz, o decano, Ciro Campos, presidente da Seção Criminal, e Maia da Cunha, presidente da Seção de Direito Privado.

Outra preocupação dos desembargadores foi com a duração das investigações. Segundo eles, só um juiz, imparcial diante das demandas, poderia avaliar corretamente uma longevidade exagerada no processo de coleta de provas, período em que o investigado tem a ficha criminal comprometida. É quando ele tem a cabeça “sob a espada de Dâmocles”, como gostam de repetir advogados e juízes. Conta-se que Dâmocles, cortesão da corte de Dionísio, na Sicília, ao aproveitar por um dia o prazer de ser servido como um rei, percebeu sobre si uma espada afiada suspensa apenas por um fio de rabo de cavalo. Para o Conselho, com a intenção de reduzir o tempo de tramitação, a proposta poderia aumentá-lo ainda mais. Garantias constitucionais, disseram eles, não podem ser tidas por mera burocracia.

Não bastassem esses argumentos, uma resolução do tribunal esbarraria, segundo o conselho, na própria lei. É que o Código de Processo Penal prevê claramente a participação do Judiciário nas investigações, o que uma norma infralegal não poderia mudar. A previsão é do artigo 10, parágrafo 3º do CPP, que autoriza o delegado de polícia a pedir ao juiz a devolução dos autos para diligências necessárias, que terão de ser feitas segundo o prazo determinado pelo julgador. Ou seja, com uma regra expressa dando ao juiz a função de controlar a tramitação, apenas a União poderia legislar a respeito.

Processo 42.954/2010

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