Emancipação processual

Ação Penal desmembrada tem prescrição autônoma

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20 de junho de 2010, 8h54

Há sete dias de ser levado a júri popular, Maurício de Jesus, com 40 anos, mulher e filhos, finalmente viu o processo criminal que enfrentou durante 22 anos ruir. O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar um recurso da defesa, percebeu que a pena por homicídio duplamente qualificado já estava prescrita. O acórdão foi publicado nesta quarta-feira (16/6).

O julgamento no Tribunal do Júri já estava marcado para o dia 27 de maio quando, por maioria, a 10ª Câmara Criminal decidiu conceder Habeas Corpus. Os desembargadores entenderam que, uma vez desmembrada de outra principal, a Ação Penal fica autônoma, incidindo sobre ela seus próprios prazos, inclusive para efeito da interrupção da contagem prescricional para crimes conexos, prevista no artigo 117, parágrafo 1º do Código Penal.

O crime aconteceu em 1988, quando Maurício tinha apenas 18 anos e era, pela lei da época, menor. Ele e mais dois foram apontados como autores. Cada um deles foi localizado e detido em momentos diferentes, enquanto o processo corria à revelia. Quando a primeira suspeita, Cláudia, foi encontrada, a promotoria pediu o desmembramento do processo para que corresse à parte, o que foi permitido. O mesmo aconteceu quando Silomar, outro acusado, foi localizado. Cláudia e Silomar acabaram condenados em primeiro grau, mas Maurício sequer chegou a passar pelo Tribunal do Júri. Mesmo assim, a primeira instância entendeu que a condenação interrompia a prescrição para os três.

Para a advogada de Maurício de Jesus, não é porque ações penais nasceram de uma única denúncia que elas estarão eternamente ligadas. “Ações desmembradas que tiveram o seu desenvolvimento processual de forma absolutamente autônoma não são a mesma Ação Penal, embora tenham origem comum”, disse Carla Domenico, associada ao escritório Toron, Torihara e Szafir Advogados até abril, hoje com escrítório próprio. O exemplo, segundo ela e sua colega Naiara Seixas Carneiro, é o de uma Ação Penal que traga, entre os acusados, um com foro privilegiado, a ser julgado no Supremo Tribunal Federal. “A Ação Penal é desmembrada e, com exceção da peça inicial e do recebimento da denúncia, os processos que se seguem não têm absolutamente nada em comum.”

Foi o que entendeu a 10ª Câmara. “Com o desmembramento, autorizado pelo artigo 80 do Código de Processo Penal, as ocorrências processuais quase sempre são diversas, por força da separação, de sorte que até mesmo por lógica cada processo tem os seus parâmetros distintos”, disseram os julgadores no acórdão.

A posição teve o apoio da Procuradoria-Geral de Justiça, que, em parecer, concordou com a defesa. “Não se afigura razoável que, em casos complexos, com inúmeros envolvidos e desmembramentos, a ocorrência de interrupção da prescrição em cada um dos procedimentos reflita nos demais, o que causaria, ademais, tumulto processual”, diz a manifestação.

Em sentido oposto votou a relatora, desembargadora Rachid Vaz de Almeida. Ela entendeu que a condenação de um dos acusados no mesmo processo suspende a contagem da prescrição para todos, e baseou sua posição em julgamento feito pelo TJ em janeiro. “O recebimento da denúncia e a publicação da sentença em relação a um dos corréus determina a interrupção da fluência do prazo prescricional em relação a todos”, disseram os desembargadores da 2ª Câmara Criminal ao julgar a Apelação 990.09.128024-0, tomado como exemplo pela relatora.

Diversos incidentes atrasaram a pronúncia de Maurício, segundo as advogadas: a instrução processual foi anulada e teve de voltar ao início devido a uma nulidade de citação via edital, as testemunhas de acusação demoraram a aparecer, uma sentença anterior de pronúncia foi anulada pelo TJ depois de aguardar por cinco anos, e a nova também acabou reformada. “Tudo que deu causa à demora na prestação jurisdicional com relação ao paciente não tem conexão alguma com os processos sofridos pelos corréus”, explicam elas. Só doze anos depois de denunciado, Maurício foi conduzido ao Tribunal do Júri.

Porém, de acordo com o entendimento da câmara, a sentença de pronúncia deveria ter saído em, no máximo, 10 anos depois do recebimento da denúncia. Isso porque o acusado, na época do crime, era menor, o que reduz o prazo prescricional de 20 para 10 anos.

Votaram pela liberdade do réu os desembargadores Otávio Henrique e Carlos Bueno a favor do HC. A relatora do processo, desembargadora Rachid Vaz de Almeida, ficou vencida. A decisão é do dia 20 de maio.

Clique aqui para ler o acórdão.

HC 990.10.083699-4

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