Crime permanente

MPF se contradiz ao tentar arquivar ação contra Tuma

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4 de junho de 2010, 11h37

Em recurso recente, o Ministério Público Federal alegou contradição na decisão da Justiça Federal que entendeu que o senador Romeu Tuma (PTB-SP) ainda deveria responder a acusações de crimes cometidos quando era chefe do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) paulista, durante o regime militar. Para o MPF, o inquérito policial deveria ser arquivado por ter prescrito. Para a Justiça Federal, no entanto, a posição da promotoria é que demonstrou estranhas contradições, ao não atentar para a sequência lógica dos argumentos.

Foi por meio de Embargos de Declaração que o MPF contestou decisão do juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo. O juiz negou, nesta quarta-feira (2/6), o pedido de arquivamento do inquérito contra Tuma e determinou o envio do processo ao Supremo Tribunal Federal, corte com competência para julgar quem goza de foro privilegiado, como o senador. A solicitação havia sido feita pelo MPF sob os argumentos de que os crimes estariam prescritos, e de que não havia indícios de que a autoria dos crimes é do senador.

Para Ali Mazloum, as próprias alegações se contradizem. “Apesar de entender insubsistentes quaisquer delitos que pudessem ainda ser investigados, avançou em sentido à autoria para afastar eventual responsabilidade de Senador da República e afirmar a competência desta Justiça Federal”, disse no despacho que rejeitou os Embargos. “Caso entendesse pela inviabilidade da investigação em face da prescrição, não teria sentido algum avançar na análise de indícios de autoria, conforme, aliás, fez o MPF. E, somente se poderia concluir pela competência originária da Suprema Corte caso ultrapassadas as questões anteriores (materialidade e autoria).”

O entendimento se baseou em uma sequência óbvia, segundo Mazloum. Só se poderia pensar em foro privilegiado caso os crimes não estivessem prescritos, e houvesse indícios de autoria. Assim disse o juiz na decisão que negou o arquivamento. “Concluindo-se haver dentre os possíveis envolvidos agente com prerrogativa de foro, outra alternativa não restava senão a do envio dos autos ao órgão competente.”

Por isso, os Embargos não fizeram sentido, de acordo com ele. “Nada há de contraditório na decisão. Contradição haveria no reconhecimento de inexistência de crime e, ainda assim, avançar-se na análise de indícios de autoria”, afirmou.

Brecha para punição
Na decisão contestada pelo Ministério Público, Ali Mazloum indeferiu o pedido de arquivamento de processo que apura a ocultação do cadáver de Flávio Carvalho Molina, militante do Movimento de Libertação Popular (Molipo), preso em novembro de 1971 por homens do Exército. O juiz considerou que a ocultação de cadáver não prescreveu, e que a Lei de Anistia (Lei 6.693/1979) não alcança o delito, porque o corpo foi mantido oculto depois da lei. “Trata-se de crime permanente que subsiste até o instante em que o cadáver é descoberto”, diz o juiz.

A ossada de Flávio Carvalho Molina foi reconhecida somente em 2005, 15 anos depois da abertura da vala comum do Cemitério Dom Bosco, em Perus (SP). O corpo de Molina, segundo a documentação, foi enterrado como indigente, em 9 de novembro de 1971, com o nome de Álvaro Lopes Peralta. Depois, em 1976, os ossos foram transferidos para uma vala clandestina no mesmo cemitério.

A data do reconhecimento é quando o juiz considera “efetiva a descoberta do corpo” e, portanto, a prescrição do crime só se dará em 2013. “A descoberta do óbito não se confunde com a descoberta do cadáver, única hipótese apta a fazer cessar a permanência do crime de ocultação.”

Em ofício a um juiz militar em 1978, Tuma assumiu a prisão de Flávio, ocorrida em 6 de novembro de 1971. Ele também disse que o militante foi morto um dia depois durante uma tentativa de fuga.

A tese do crime permanente deu esperanças ao advogado do Grupo Tortura Nunca Mais, Paulo Henrique Teles Fagundes. “A decisão abre uma porta importante para a investigação criminal.” Segundo ele, a tese é interessante porque mostra que com a Lei da Anistia “virou-se a página e manteve a prática delituosa”. Há cerca de 150 pessoas ainda considerada desaparecidas no Brasil, que se estiverem mortas os cadáveres permanecem ocultados.

Clique aqui para ler a decisão.

IP 0013046-06.2009.403.6181

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