Pré-sal

Modelo de exploração causa controvérsias

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31 de outubro de 2009, 8h45

O modelo de exploração de petróleo e gás nas áreas do chamado pré-sal, que ainda não foram licitadas sobre o regime atual de concessão, já é adotado em outros países. Mas os projetos que estão sendo esculpidos no Congresso Nacional podem chegar ao Judiciário quando transformados em leis. Especialistas que atuam na área apontam teses tanto para a constitucionalidade quanto para a inconstitucionalidade das regras que estão para ser criadas.

No atual modelo, empresas interessadas em explorar e produzir petróleo participam das licitações das áreas, chamadas de blocos, feitas pela Agência Nacional do Petróleo. A empresa, ou empresas no caso de consórcio, passa a explorar a área para procurar petróleo. Se não encontrar, o risco é da empresa. Caso encontre, é declarada a produtividade da área e a empresa passa a produzir.

Quando isso ocorre, é feito o cálculo do volume de óleo produzido e, de acordo com regras da ANP e com base no preço do petróleo, é definido o valor da produção. Com base neste valor, são calculados os royalties, uma espécie de compensação ao estado onde fica a área explorada.

Em tese, diz o especialista no setor Marcelo Mello, do Mello Martins Advogados, a empresa ou consórcio pode fazer o que quiser com o petróleo produzido. A exceção é se faltar gasolina no país. Neste caso, será obrigado a vender no mercado interno.

Já no contrato de partilha da produção, a mecânica é outra. Parte do petróleo como produto é dividido entre governo e consórcio. De acordo com os projetos de lei enviados pelo governo ao Congresso, a representante do governo será uma empresa cujo nome é a Petrosal. No caso da partilha, do petróleo produzido, uma parte será destinada a reembolsar o investimento feito pela empresa, chamado de óleo custo. Retirada essa parte, o restante do petróleo será dividido. Uma parcela será do governo. Ele pode vender ao exterior ou à própria Petrobras para que seja refinado, criar reservas estratégicas ou o que quiser.

Da outra parte, serão descontados royalties. O que sobrar é das empresas que fez o contrato com a União, que, exceto quando houver necessidade de abastecimento interno, pode fazer o que quiser com o petróleo que lhe cabe.

O projeto de lei proposto pelo governo pretente fazer com que, nos contratos de partilha, a Petrobras sempre participe com, no mínimo, 30%. Nos contratos atuais, as partes é que negociam essa participação. Também conforme o projeto fica com a Petrobras como empresa operadora, que vai contratar serviços, apresentar orçamento, comprar equipamentos e executar atividades estratégicas.

A licitação será para os 70%, sendo que a Petrobras também pode participar do certame para conseguir o restante na área. Ganha o direito de explorar a área quem oferecer maior participação a União.

Marcelo Mello considera que os projetos de lei podem criar vantagens competitivas, mas tem dúvidas se os textos, aprovados tais como foram sugeridos, serão inconstitucionais. Dá para encontrar, diz ele, argumentos jurídicos para garantir 30% de participação a Petrobras. Já do ponto de vista mercadológico, ele não arrisca opinar. Apesar de ser prática a empresa operadora ter 30% do negócio, Mello diz que é um excesso determinar que a Petrobras seja operadora em todas as áreas. “Outras também têm competência para ser operadora.”

Para o advogado Alexandre Aragão, do Rennó, Aragão e Lopes da Costa Advogados, há várias possibilidade de se exercer o monopólio no setor. “O fato de se fazer determinada escolha não quer dizer é a única admissível constitucionalmente”, disse em uma palestra na Procuradoria do Estado do Rio. Durante as discussões sobre os projetos de lei, Aragão deu suporte em Direito Público a Petrobras.

Segundo ele, se a União quiser exercer o monopólio de forma direta, ou explorando ela própria as áreas ou não licitar os blocos, é uma opção legítima que pode tomar. “A Constituição deixou espaço ao legislador para escolher entre diversos modelos, tanto em relação aos novos modelos contratuais, como em relação a maior ou menor intervenção do Estado. Por outro lado, já há na legislação, há muito anos, diversas hipóteses de dispensa de licitação em favor de estatais”, disse. Ele afirmou que o artigo 177 da Constituição se refere genericamente a “contratos”, não especificando qual espécie.

O fato de ter elaborado o parecer para a Petrobras não faz com que Aragão não tenha críticas em relação aos projetos. Ele diz que o grande problema é o arcabouço institucional, já que é o Ministério de Minas e Energia é quem vai celebrar contratos, aprovar diretrizes e sessões contratuais. Mas, para ele, isso não chega a ser inconstitucional.

Para Marcelo Mello, os projetos fortalecem o Estado, o que ele considera justificável como recurso estratégico. “Quanto de estado se quer ter? A expectativa em torno do pré-sal é muito grande e faz sentido seguir nessa direção. Mas precisa ter lei para dizer quem será operadora ou determinar que 30% ficará com a Petrobras? São questões.” Mello não vê inconstitucionalidade nisso. A criação de uma empresa estatal, por exemplo, está em consonância com o que acontece no mundo, em que elas são as grandes detentoras de reservas.

Especialista no setor, Marilda Rosado, do Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho, entende que o modelo de concessão, como o que já existe, pode ser aperfeiçoado sem grandes rupturas. Crítica do modo como os projetos para a área do pré-sal estão sendo propalados, Rosado conta que ao visitar países que adotam o modelo da partilha, constatou que estes enfrentam uma série de problemas com gerenciamento e transparência.

Coordenadora do Centro de estudos e pesquisas avançadas em Direito do Petróleo da Uerj, Rosado fez uma comparação com o procedimento médico do transplante. Se o organismo não receber bem, pode haver rejeição. Para ela, a controvérsia quanto eventuais inconstitucionalidades nas leis já torna vulnerável o processo.

Rosado diz que há vários princípios constitucionais, como livre iniciativa e associação, isonomia, que podem colidir com o que está sendo proposto. “Não adianta fazer ginástica interpretativa em cima de um artigo.”

Há outros pontos citados por Rosado que precisam ser bem definidos e que ainda não estão. Um deles é a área estratégica. De acordo com os projetos, o modelo valerá para áreas do pré-sal ainda não licitadas sob o regime de concessão e áreas estratégicas. O que serão essas áreas, quem as definirá como tais, ainda não está claro. Marilda Rosado não sabe se investidores vão contestar caso os projetos sejam aprovados. Mas, para ela, o processo já está trazendo abalo na confiança. "O debate no Congresso é saudável, porque é democrático. O desenho que se introduz com uma nova forma de hibridismo é que não é saudável", afirma.

Além do projeto que estabelece o modelo de contrato de partilha para áreas não licitadas do pré-sal, o governo também enviou ao Congresso projetos de lei que preveem a criação da Petrosal, empresa responsável por gerir o petróleo que caberá à União, e a capitalização da Petrobras. O governo pretende fazer isso, disponibilizando uma área a Petrobras para serem explorados até cinco bilhões de barris de petróleo. Também está prevista a criação de um fundo social cujo objetivo é ter uma poupança pública a longo prazo com os recursos da União decorrente do petróleo explorado no pré-sal.

Clique aqui para ler o projeto que o governo enviou ao Congresso e que já recebeu centenas de sugestões de emendas.

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