Culpa da doença

Autoridade não responde por morte de paciente terminal

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31 de outubro de 2009, 8h45

O fato de um doente terminal morrer por não receber do estado o tratamento de que precisava não justifica a condenação por homicídio do responsável pela área de saúde da administração pública . Assim entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo ao tratar de um caso no mínimo inusitado. O secretário de saúde da cidade de Jacareí foi denunciado pelo Ministério Público por homicídio doloso duplamente qualificado por causa da morte de um paciente portador de câncer de esôfago, que não conseguiu ser atendido devidamente pelo serviço municipal de saúde. Para a corte paulista não há como ligar a morte do paciente à falta de atendimento do município.

A decisão foi dada no dia 22 de outubro pela 7ª Câmara Criminal do TJ-SP, e confirmou uma liminar concedida em julho em favor do secretário Antônio Hélio dos Santos. O Habeas Corpus, concedido pelos desembargadores por unanimidade, trancou a ação penal movida pelo MP.

A denúncia foi aceita em abril pela 2ª Vara Criminal em Jacareí. Os promotores Fernando Bourgogne de Almeida, Vanessa Médici e Nelson Rosado alegaram que o paciente José Donizeti Correa, com avançado câncer no esôfago, recebeu orientação médica para passar por procedimento de dilatação do esôfago, a dilatação endoscópica, que lhe permitiria continuar se alimentando.

A Promotoria obteve uma liminar na Justiça Cível obrigando a Prefeitura a providenciar o tratamento, o que não foi feito. O paciente morreu em janeiro do ano passado por desnutrição. Para os promotores, o secretário desobedeceu uma ordem judicial e agiu com desprezo à vida e dolo eventual, ou seja, assumiu o risco mesmo sabendo que o paciente poderia morrer. Como qualificadores do crime, os promotores apontaram motivo fútil e meio cruel, que agravariam a possível pena.

Para a defesa do secretário, no entanto, falta nexo causal nas alegações do MP. “A imputação de crime doloso caracteriza clamoroso constrangimento ilegal”, afirmam os advogados Cristiano Maronna, Carlos Mendes e Marco Stein no pedido de Habeas Corpus. Segundo eles, Antônio Hélio dos Santos cumpriu a liminar determinada pela Justiça Cível para providenciar o exame invasivo, mas o procedimento foi conseguido em uma clínica particular do município, e o paciente não estava em condições de ser levado até lá. “A morte da vítima não pode ser atribuída ao paciente [o secretário municipal], mas ao grave câncer que o acometia”, disseram os advogados.

O mesmo entendimento teve a Justiça Cível de Jacareí, ao rejeitar o pedido de indenização por danos morais movido pela família do paciente, em uma ação civil pública do MP, pelos mesmos motivos. “A prova dos autos indica que o marido da autora faleceu em razão do seu grave estado de saúde, e não por alguma omissão do município (…), que, em três dias da concessão da liminar em mandado de segurança, já providenciou a compra do tratamento junto a uma clínica particular, mas esta exigiu prévia avaliação clínica do paciente”, afirmou o juiz Otavio Tioiti Tokuda, da 3ª Vara Cível do município.

“São justos os esforços em procurar atender e resolver as angustiantes questões de saúde do cidadão, quando este não encontra o devido atendimento pelo estado no plano federal, estadual e municipal, mas o Direito Penal e o Direito Processual Penal não podem, nesse caso, ser-lhe coadjuvantes”, afirmou o desembargador Cláudio Caldeira, relator do processo na 7ª Câmara Criminal.

HC 990.09.126.764-3

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