Segunda Leitura

Segunda Leitura: Abin só terá valor se seguir limite constitucional

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

28 de setembro de 2008, 10h39

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">Após a divulgação da mega-operação policial conhecida como “Operação Satiagraha”, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) passou a ocupar as páginas dos jornais e sites da Internet. Órgão importante e pouco conhecido no mundo jurídico brasileiro, oportuno é que, a ela, se façam algumas considerações, tendo em vista situá-la na ordem legislativa.

A primeira observação que se faz é que a Abin, muito embora denominada agência, nada tem a ver com as agências reguladoras. Na verdade, é órgão da administração direta da União, vinculada à Presidência da República. O nome agência, provavelmente, vem da sua congênere norte-americana, “Central Intelligence Agency”, mais conhecida por CIA.

A Lei 8.893/99 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência e, no artigo 3º, criou a Abin, órgão central do sistema. A Abin sucedeu ao antigo Serviço Nacional de Informações, o temido SNI do regime militar. Dele se dizia estar presente em todos os locais, através de informantes, até mesmo nas salas de aula dos cursos das Faculdades de Direito.

Cabe a Abin, em conjunto com os demais órgãos de inteligência da administração pública, abastecer a Presidência da República de informações importantes para a segurança nacional e da sociedade. Entre suas atividades estão as de combater o terrorismo e proteger os recursos naturais estratégicos, como a água e a biodiversidade biológica.

Por suas características de serviço de inteligência, a Abin tem suas atividades resguardas. Por exemplo, seus atos podem ser publicados no órgão oficial em extrato (artigo 9º da Lei 8.893/99). No entanto, toda a sua estrutura legal é comprometida com o estado democrático de direito e a defesa dos direitos individuais. Por exemplo, o artigo 1º do Decreto 3.005/2000, que assegura a garantia ao direito individual e coletivo das pessoas, a inviolabilidade da sua intimidade e o sigilo de correspondência e comunicações.

A Abin, como todos os órgãos da administração, inclusive dos Poderes Legislativo e Judiciário, está obrigada a prestar informações de seus atos. Contudo, resguarda-se, como permite a norma constitucional, a segurança do Estado e a da sociedade (CF, artigo 5º, inciso XXXIII). O Decreto 5.301/2004 regulamenta o disposto na MP 228/2004, que se converteu na Lei 11.111./2005, e cria uma Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas.

A Política de Segurança da Informação é regulada pelo Decreto 3.005/2000. O artigo 6º prevê a existência de um Comitê Gestor da Segurança da Informação, com atribuição de assessorar a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional, composto por membros de vários Ministérios.

O Decreto 4.553/2002 trata da salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal. Nos termos do artigo 5º, os dados ou informações sigilosos serão classificados em ultra-secretos, secretos, confidenciais e reservados, em razão do seu teor ou dos seus elementos intrínsecos. Os documentos classificados como ultra-secretos têm prazo de duração de 30 anos, que pode ser prorrogado pela autoridade responsável (artigo 7º, inc. I). Aqui o fundamento para que determinados documentos, oriundos da época do regime militar, não se tornem públicos.

Cumpre salientar que na forma do artigo 24 da Lei 8.159/91, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, “Poderá o Poder Judiciário, em qualquer instância, determinar a exibição reservada de qualquer documento sigiloso, sempre que indispensável à defesa de direito próprio ou esclarecimento de situação pessoal da parte”.

O Decreto 6.408/2008 trata da estrutura organizacional da Abin, que contém um Departamento de Inteligência Estratégica, um de Contra-Inteligência e um de Contraterrorismo. No Anexo I está a estrutura regimental da agência.

A Abin não tem por função instaurar procedimentos de investigação de fatos criminosos. Esta atividade cabe à Polícia Judiciária, Federal ou Civil (estadual), nos termos do artigo 144, inciso IV e parágrafo 4º da CF. Mas, evidentemente, nada impede que, tomando conhecimento de fatos delituosos, comunique à Autoridade Policial, tal como fazem diretamente outros órgãos da administração pública, como a Receita Federal e os órgãos ambientais. E ela só se comunica com os outros órgãos através do conhecimento da autoridade de maior hierarquia (na forma do artigo 10 da Lei 8.893).

Registre-se que nenhum país do mundo prescinde de um órgão de inteligência bem estruturado. Mais ainda aqueles que, como o Brasil, têm por destino ocupar um lugar de destaque no cenário internacional. As profecias de Stefan Zweig em “Brasil, país do futuro” (1941) a cada dia se revelam mais próximas. Bem por isso vem se buscando dar à Abin estrutura adequada e, segundo a imprensa, renovar seus quadros (O Estado de SP, 22.9.2008, Planalto quer PDV para “limpar” ABIN). A agência de inteligência tem um papel relevante na concretização desse ideal. Mas, como é evidente, ele só terá valor se exercido dentro dos limites constitucionais do estado democrático de direito.

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