Supremo julga inconstitucional lei sobre videoconferência
30 de outubro de 2008, 23h00
O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional, nesta quinta-feira (30/10), a lei paulista 11.819/05, que autoriza o interrogatório de réus por videoconferência. Por maioria de votos, a Corte entendeu que a lei afronta a Constituição ao disciplinar matéria de processo penal, de competência federal.
A decisão foi tomada no julgamento de um pedido de Habeas Corpus feito pela Defensoria Pública paulista em favor de Danilo Ricardo Torczynnowski. A defesa do réu pedia a anulação do julgamento que o condenou, a partir do momento do interrogatório, feito por videoconferência, e a sua soltura imediata. Incidentalmente, foi requerido o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei de São Paulo.
A relatora do processo, ministra Ellen Gracie, rejeitou os pedidos. Segundo ela, o interrogatório à distância por meio eletrônico já está previsto no ordenamento jurídico pelo Decreto Federal 5.015/04, que ratificou a entrada do Brasil junto aos 146 países que assinaram a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, chamada de Convenção de Palermo. Nesse caso, a lei paulista teria apenas regulamentado a matéria.
A divergência foi aberta pelo ministro Menezes Direito. Ele afirmou que a lei paulista confronta a Constituição Federal no artigo 22, inciso I, além de avançar sobre o Código de Processo Penal, que trata da matéria no artigo 185. “A União tem exclusividade para disciplinar matéria de processo”, disse. O ministro acrescentou ainda que outro acordo internacional assinado pelo Brasil, o Pacto de São José da Costa Rica — regulamentado em 1992 pelo Decreto 678 — garantiu o direito à presença física do réu perante o juiz. Mesmo com esse argumento, Menezes Direito preferiu não entrar no mérito da constitucionalidade dessa forma de interrogatório, mas apenas da norma questionada.
Já os ministros Marco Aurélio e Carlos Britto foram mais a fundo no assunto, e se posicionaram contra a distância entre o réu e o juiz durante o interrogatório. “O acesso à jurisdição é acesso ao juiz natural, que não é virtual”, disse Britto. Para ele, o procedimento fere o direito à ampla defesa do acusado. “Se o transporte do prisioneiro é custoso ao Estado, isso é um problema da segurança pública”, afirmou o ministro, que chegou a rejeitar o argumento da invasão de competência da lei, mas mudou seu voto, acompanhando a maioria.
Marco Aurélio acrescentou ainda que, nos casos em que o transporte do detido seja custoso ao Estado ou perigoso à população, o Código de Processo Penal já prevê a possibilidade de o juiz ir até o presídio, desde que haja segurança adequada. Para o ministro, a prática dá tratamento desigual entre réus já detidos, que seriam obrigados a responder à distância, e os que respondem em liberdade, que poderiam comparecer em juízo. “É uma forma moderna, mas que maltrata o direito de defesa, e será observada somente em relação aos menos afortunados”, afirmou.
Os demais ministros, no entanto, ficaram mesmo na discussão formal da invasão de competência da lei paulista. “Não tenho nada contra a videoconferência, que poderá ser discutida quando ela vir a ser tratada pela legislação brasileira”, disse a ministra Cármen Lúcia. Na argumentação sobre o embasamento da lei em ordenamento jurídico nacional, porém, a ministra lembrou que a Convenção de Palermo fala no uso de recursos eletrônicos apenas nos depoimentos de testemunhas e peritos, e não de réus. Cezar Peluso acrescentou que o decreto que chancelou a convenção no Brasil sequer foi regulamentado.
“A lei é formalmente inconstitucional, e basta esse reconhecimento para se acolher a pretensão”, disse o ministro Celso de Melo, votando pela soltura do acusado. Ele ressaltou que a 2ª Turma do Supremo já havia tocado o mérito da questão da videoconferência ao julgar o pedido de Habeas Corpus 88.914. “A Convenção de Palermo ressalta que o uso deve ser aplicado em conformidade com princípios fundamentais do rito interno de cada país”, disse, lembrando que a legislação nacional não é clara quanto ao recurso.
O julgamento terminou com a anulação do julgamento em primeira instância e a concessão do Habeas Corpus por maioria, vencida a relatora, ministra Ellen Gracie. Incidentalmente, a Lei 11.819/05 foi declarada inconstitucional, com fundamento formal, também por maioria. Os ministros Marco Aurélio e Carlos Britto votaram pela inconstitucionalidade também em aspecto material, já refutando o uso da videoconferência nos interrogatórios dos acusados.
Em entrevista depois do julgamento, Celso de Mello recomendou que o Poder Legislativo observe o que decidem os tribunais antes de elaborar projetos e aprovar leis. “O legislador tem de estar atento à jurisprudência do STF, para formular uma peça compatível com o nosso sistema constitucional, e que garanta o direito à ampla defesa, com os critérios que o STF afirma e reafirma em suas decisões”, disse. O ministro lembrou que o Supremo vem concedendo diversos Habeas Corpus porque preceitos básicos do direito de defesa são deixados de lado.
HC 90.900
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