Juiz do juiz

Não cabe HC ao Supremo contra decisão de ministro da Corte

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24 de novembro de 2008, 23h00

O Supremo Tribunal Federal não julga pedido de Habeas Corpus impetrado contra decisão de suas turmas. É o que determina a Súmula 606 do STF, que foi aplicada por analogia pelo ministro Cezar Peluso para rejeitar pedido de HC do juiz cassado João Carlos da Rocha Mattos contra o ministro Joaquim Barbosa. Por maioria, o Plenário do tribunal acompanhou o entendimento.

Citando precedente do Supremo, Peluso lembrou que um dos fundamentos da súmula é o respeito ao princípio da gradação judiciária ou da hierarquia, “na medida em que seria inconcebível que juiz ou, por meio de órgão fracionário colegiado ou não, tribunal ordenasse a si mesmo fazer ou proceder de alguma forma”.

Para Cezar Peluso, ainda que o caso não se encaixe perfeitamente nas hipóteses previstas na Súmula 606, por não se tratar de decisão de Turma nem do Plenário, “as mesmas razões informadoras do seu enunciado servem a conduzir ao não conhecimento deste pedido”. Ou seja, o tribunal não deve receber pedido de Habeas Corpus contra ato de seus ministros.

Rocha Mattos, condenado sob acusação de venda de decisões judiciais, entrou com o pedido de Habeas Corpus no Supremo alegando demora do ministro Joaquim Barbosa para julgar a Reclamação 2.830. Na Reclamação, o ex-juiz pediu que os processos aos quais responde fossem julgados pelo Supremo.

A defesa de Rocha Mattos sustenta que o STF é quem deve analisar suas ações porque os desembargadores do Tribunal Regional Federal 3ª Região (SP e MS) estariam impedidos de julgá-lo e tachou o colegiado de “tribunal de exceção”. O juiz cassado sustenta que os desembargadores do Órgão Especial do TRF-3, que o condenaram e determinaram a perda de seu cargo, foram movidos por vingança ou tiveram motivos pessoais para puni-lo.

Joaquim Barbosa, contudo, havia analisado o pedido de Rocha Mattos, ainda que liminarmente. A Reclamação chegou ao tribunal em 22 de setembro de 2004 e no dia 30 de setembro o pedido de liminar foi negado.

Baseado em precedentes da Corte, Joaquim Barbosa decidiu que a competência do Supremo só se revela quando a maioria dos membros do tribunal se declaram impedidos ou suspeitos de julgar o caso, o que não ocorreu. Ao contrário, os desembargadores do TRF-3 rejeitaram as exceções de suspeição interpostas pelo ex-juiz.

Para o ministro Cezar Peluso, o pedido de Habeas Corpus do juiz cassado, na verdade, tem a pretensão de obter a declaração de suspeição do Órgão Especial do TRF-3 que não conseguiu obter na Reclamação, o que violaria o princípio do juiz natural.

Leia o voto do ministro Cezar Peluso

16/10/2008: TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 86.548-8 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

PACIENTE(S): JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS

IMPETRANTE(S): ALUISIO LUNDGREN CORRÊA REGIS E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): RELATOR DA RECLAMAÇÃO Nº 2830 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

EMENTA: HABEAS CORPUS. Ação de competência originária. Impetração contra ato de Ministro Relator do Supremo Tribunal Federal. Decisão de órgão fracionário da Corte. Não conhecimento. HC não conhecido. Aplicação analógica da súmula 606. Precedentes. Voto vencido. Não cabe pedido de habeas corpus originário para o tribunal pleno, contra ato de ministro ou outro órgão fracionário da Corte.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro CEZAR PELUSO, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, em não conhecer do habeas corpus, nos termos do voto do Relator, contra o voto do Senhor Ministro MARCO AURÉLIO. Ausentes, porque em representação do Tribunal no exterior, os Senhores Ministros GILMAR MENDES (Presidente) e EROS GRAU e, justificadamente, o Senhor Ministro JOAQUIM BARBOSA. Falou pelo paciente o Dr. ALUISIO LUNDGREN CORRÊA RÉGIS.

Brasília, 16 de outubro de 2008.

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO — (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de JOÃO CARLOS DA ROCHA MATTOS, contra o Relator da Rcl nº 2.830 deste Supremo Tribunal Federal, Ministro JOAQUIM BARBOSA.

A defesa alega que as ações penais originárias a que o paciente é sujeito estão sendo julgadas “por maioria de colegiado suspeito”, a saber, os desembargadores que compõem o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (fl. 03). Diante disso, opôs várias exceções de suspeição desses magistrados. Tais pedidos têm sido rejeitados liminarmente, bem como os respectivos recursos ao Superior Tribunal de Justiça.

Ingressou, então, com a citada Rcl. nº 2.830, requerendo sejam todos os procedimentos relativos ao paciente avocados pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, alínea “n”, da Constituição da República. O feito foi distribuído ao Min. JOAQUIM BARBOSA em 22/09/2004.

Alega, ainda, que a reclamação está paralisada, “em flagrante e inescusável prejuízo da pessoa cidadã/jurisdicionada/presa, magistrado federal, já com cumprimento de pena e sendo sujeito de inúmeras prisões preventivas requeridas e concedidas pelo mesmo Órgão Especial, sem limite de argumentos jurídicos e plausíveis para as constrições, mas, todavia, demonstrando a parcialidade nos fundamentos que não têm base jurídica” (fl. 6).

Afirma, depois, que “a demora na apreciação da Reclamação gera cerceamento de defesa, fere o devido processo legal traduzindo para o magistrado, os excessos com sucessos cometidos pelo citado Tribunal de Exceção, cujo objetivo principal é frutificar a prisão de caráter perpétuo por vingança pessoal dessa maioria do Órgão Especial.” (fl. 6).

Requer a impetrante, por fim, “seja determinado o sobrestamento de todas as ações penais e inquéritos judiciais em trâmite perante o TRF3ª Região, notificando o Desembargador Presidente do referido sobrestamento até o julgamento do presente”; “seja provido este habeas corpus para julgar o próprio mérito da Reclamação 2830”; e, assim, seja declarada “a procedência das exceções de suspeição e impedimento para declarar a maioria do Órgão Especial do TRF da 3ª Região inabilitado tecnicamente para processar e julgar o Doutor José Carlos da Rocha Mattos, avocando, conseqüentemente, todos os procedimentos instaurados contra o magistrado perante aquela Corte de origem” (fls. 16-17).

Pedi informações à autoridade apontada como coatora, que as prestou (fls. 387-395).

A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem, nos termos desta ementa:

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ALEGADA DEMORA NO JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO Nº 2.830/SP. JUÍZO DE RAZOABILIDADE. ACÚMULO NORMAL DE PROCESSOS NOS GABINETES. CLAUSURA DO PACIENTE DECORRENTE DE TÍTULO CONDENATÓRIO. LIMITES DA CUSTÓDIA NÃO EXTRAPOLADOS. MATÉRIA INCIDENTAL DEDUZIDA PELA DEFESA. MORA PROCESSUAL, POR ORA, TOLERÁVEL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. PRETENSÃO DE VER APRECIADA, POR VIA TRANSVERSA, MATÉRIA RELACIONADA DIRETAMENTE COM A SUSPEIÇÃO DE MEMBROS INTEGRANTES DO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. EXCEÇÕES DE SUSPEIÇÃO UTILIZADAS COMO ESTRATAGEMA DA DEFESA. MERA PROPOSITURA DE REPRESENTAÇÕES ADMINISTRATIVAS E CRIMINAIS QUE NÃO AFETOU A ISENÇÃO DE ÂNIMO PARA O JULGAMENTO DE CAUSAS DECORRENTES DA CHAMADA ‘OPERAÇÃO ANACONDA’. INACEITÁVEL SITUAÇÃO DE INIMIZADE FICTA. SIMPLES DIVERGÊNCIA RESTRITA AO EXAME DE QUESTÃO JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DA PARCIALIDADE. COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 102, INC. I, LETRA N, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO EXPRESSO DOS MAGISTRADOS DA CORTE DE ORIGEM NOS AUTOS OU NÃO CORRESPONDENTE EXCEÇÃO. ARGÜIÇÃO DE SUSPEIÇÃO. NECESSIDADE DE INCURSÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. PARECER PELO INDEFERIMENTO DO WRIT” (fl. 398).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – (Relator): 1. Incognoscível o pedido.

É que esta Corte já assentou a incognoscibilidade de pedido de habeas corpus que impugne ato emanado de órgão fracionário seu:

Habeas corpus. Direito à razoável duração do processo. Pretensão parcialmente prejudicada. Súmula nº 606/STF.

1. O habeas corpus não tem passagem quando impugna ato emanado por órgão fracionário deste Tribunal. Incidência da Súmula nº 606/STF.

2. Habeas corpus não conhecido. Revogada a liminar.” (Pleno, HC nº 91.352, Rel. Min. MENEZES DIREITO, DJ 18/04/2008. Cf., entre outras, as ressalvas manifestadas no julgamento do HC nº 91.593, Pleno, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 11.09.2008)

É o que convém ao caso.

A impetrante quer ver julgada aqui a pretensão de fundo deduzida na Rcl nº 2.830, ou seja, a declaração de suspeição de todo o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região para processar e julgar o ora paciente, o que, como bem aponta a douta Procuradoria, violaria o princípio do Juiz Natural.

Mas é para evitar situações tais que esta Corte editou a súmula 606, que enuncia:

“Não cabe ‘habeas corpus’ originário para o tribunal pleno de decisão de Turma, ou do plenário, proferida em ‘habeas corpus’ ou no respectivo Recurso”

De fato, da análise dos precedentes que conduziram à edição da súmula 606, vê-se que um de seus fundamentos é a reverência ao princípio da gradação judiciária ou da hierarquia, na medida em que seria inconcebível que juiz ou, por meio de órgão fracionário colegiado ou não, tribunal ordenasse a si mesmo fazer ou proceder de alguma forma (cf. HC nº 56.577, Rel. Min. CORDEIRO GUERRA, RTJ 88/477).

Afirmou, a propósito, PONTES DE MIRANDA:

“A competência para o processo e julgamento do habeas-corpus obedece ao princípio da hierarquia. Não se pode reputar competente o mesmo juiz que autorizou a coação, ou que a ordenou, nem o seu igual, nem, a fortiori, a juiz inferior a êle”.[1]

E, suposto o caso não se subsuma integralmente à hipótese da súmula 606, por não se tratar de decisão de Turma nem do Plenário, em habeas corpus, entendo que as mesmas razões informadoras do seu enunciado servem a conduzir ao não conhecimento deste pedido.

2. Ante ao exposto, não conheço do habeas corpus, por manifestamente inadmissível, nos termos do art. 38 da Lei nº 8.038/90 e do art. 21, § 1º, do RISTF.


[1] História e prática do habeas-corpus. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Konfino, 1951. p. 446.

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