Estratégia de guerra

Desembargador diz que Brasil erra no combate ao tráfico

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9 de outubro de 2007, 9h56

As drogas ingressaram na sociedade como uma mercadoria de consumo de massa a partir do século XX. Hoje, o tráfico movimenta US$ 500 bilhões por ano, de acordo com estatísticas da ONU. Desse total, US$ 300 bilhões passam pelos Estados Unidos. A economia de países como Bolívia e Peru não conseguem mais sobreviver sem esse mercado: 50% do PIB é formado pela exportação de coca.

O quadro é alarmante. Todos as esferas da sociedade são atingidas por esse hábito: saúde, cultura, política e educação. Enquanto isso, o legislador brasileiro, com a nova Lei de Drogas (11.343/06), deposita todas as suas esperanças de combater o problema no Direito Penal. “É de se duvidar da efetividade de uma lei feita sem um estudo aprofundado da questão e sem considerar o que acontece nos outros países”, diz Nereu José Giacomolli, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Durante o 13º Seminário Internacional de Ciências Criminais, do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Giacomolli defendeu medidas multidisciplinares, com foco na saúde pública, além de políticas internacionais para acabar com esse mercado ilícito.

No Brasil, a política criminal de combate ao tráfico é fundada no terror penal, numa estratégia de guerra, em que a repressão é a principal perspectiva de abordagem do problema, reclama o desembargador. Para ele, essa é uma visão policialesca, que tem como inspiração a política norte-americana que não deu certo. Em 30 anos, os crimes relacionados com drogas nos Estados Unidos pularam de 30 mil para 500 mil.

A lei continua punindo o usuário, diz. “Ao punir o consumo, a lei está punindo o desejo, o sentimento do indivíduo.” Ao iniciar a sua apresentação, Giacomolli fez uma análise da sociedade contemporânea. Ele entende que a desestruturação dos laços sociais e familiares diminui os vínculos de afetividade e confiança, provoca angústia, sentimento de frustração e medo. A droga chega como uma fonte de prazer e uma forma de fuga de todos esses sentimentos criados por uma sociedade calcada no consumo e no individualismo.

Uma das maiores críticas do desembargador à nova Lei de Drogas é referente ao parágrafo 2º, do artigo 28. Esse dispositivo deixa a cargo do juiz dizer quem é consumidor e quem é traficante. Para ele, critérios como quantidade, local do consumo, conduta do agente e antecedentes são altamente subjetivos. “Retornamos ao perídio medieval, do Direito Penal do autor, e não do fato.”

A falta de clara definição de quem é traficante, pequeno guardador de drogas e consumidor também incomoda Giacomolli. Se esses personagens forem confundidos, o problema é grave, já que o tráfico é equiparado aos crimes hediondos e a ele se aplicam as mesmas restrições.

De acordo com o desembargador, a impossibilidade de substituir pena privativa de liberdade por restritiva de direitos contraria avanços jurisprudenciais. O Supremo Tribunal Federal permitia a substituição. “O cárcere não é a solução para todos os casos penais e para todos os problemas sociais”, alerta. Além disso, ele entende que há afronta ao princípio constitucional de individualização da pena.

Giacomolli conclui que o Brasil está no caminho errado no combate ao tráfico de drogas. Ele diz que a lei, ao não admitir a liberdade provisória, demonstra uma política criminal inconsistente, flexibilizadora das garantias e reprodutora da violência. “Os remédios jurídicos da lei são piores que a doença”, diz o desembargador.

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